Ainda estamos aquém do texto que nossos constituintes nos deixaram
A Constituição cidadã completa vinte e cinco anos nessa semana.
E isso não é pouco, considerando que nunca tivemos uma Constituição como esta.
Apesar de todas as suas imperfeições, é notório de que as críticas a ela jamais chegaram a seus pés.
O ex-presidente José Sarney, por exemplo, dizia que a Constituição deixaria o país ingovernável. Mas sua incapacidade de governar jamais deve ser atribuída à Constituição, que perdura por várias outras gestões.
Os direitos que ela outorga tampouco foram excessivos. O desenho de um país historicamente voltado para a e elite é que atrapalha o reconhecimento de vários deles.
Com as dificuldades inerentes à criação, nascida no ventre de um Congresso que cumulou a função de Assembleia, a Carta conseguiu fazer o mais importante, a transição de um regime autoritário que a ditadura de mais de duas décadas nos legou para um amplo espaço democrático.
Com ela, retornamos às eleições, com as quais pudemos superar, inclusive, um período de impeachment sem maiores turbulências.
Seu maior legado, todavia, está no apreço e na amplitude dada aos direitos fundamentais, que ainda palmilhamos para entender e, principalmente, aplicar.
É de se reconhecer, todavia, que estes direitos só foram salvos pela precaução das cláusulas pétreas, sem as quais, a oscilação de humor das políticas e a pressão constante da mídia pela repressão desmesurada, certamente já os teriam eliminado.
A premissa da dignidade humana permite que o direito se reconstrua em outros parâmetros que não os da autoridade e propriedade a que sempre estivemos acostumados.
A força da igualdade e a exigência da solidariedade abrem portas para que o direito se reencontre com a justiça –base dos princípios que afastam o arbítrio e a prevalência do egoísmo.
A lógica do direito penal como limite a um poder punitivo exacerbado e o processo como garantia foram conquistas irrenunciáveis, ainda que seus princípios custem a ser absorvidos no cotidiano de um sistema penal cuja seletividade mantém-se como marca.
Mas vinte e cinco anos e várias PECs depois, é certo que ainda estamos aquém do texto que os constituintes nos deixaram.
O estado laico, cujo histórico a antecede, permanece como uma promessa não cumprida, diante de um volume intenso de influência religiosa na política.
O poder popular não passa de uma miragem –plebiscitos, referendos, iniciativas cidadãs continuam sufocados pela representação parlamentar que privilegia grupos econômicos em detrimento dos mais vulneráveis.
A moralidade administrativa tateia como o caminho de uma proclamação tardia da República.
A partir dos anos 90, projetos neoliberais buscaram mudar a essência de um Estado desenhado tanto para o social, quanto para o democrático. Abriram-se espaços de privatizações que alargaram o mercado para empresas internacionais afogadas em suas próprias depressões.
Mas, enfim, puderam nos mostrar que os eventuais equívocos da Constituição causaram menos problemas dos que as reformas que supostamente tentaram consertá-los.
As emendas tem, em geral, saído pior que o soneto.
Ainda temos esqueletos no armário, com as memórias impunes da ditadura e campos mal cobertos pela democracia, nas comunicações e na própria justiça, que permanece oligárquica.
A manutenção de uma polícia militarizada que é em si um paradoxo além de um verdadeiro desastre no contato com as manifestações democráticas.
E uma práxis política que mantém governo atrás de governo refém de alianças e acordos fisiológicos.
Vítima de várias tentativas de desconstrução, a Constituição de 88 é, sobretudo, uma sobrevivente.
Muitas armadilhas ainda vão ser colocadas à sua frente, por mercadores de esperanças e populistas de ocasião. Que outro quarto de século de permanência de democracia e estabilidade política esteja pronto para recebê-la.
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