….aberratio ictus….

E, afinal, houve ou não houve aberratio ictus?

Um juiz impaciente e uma vítima que recebeu um golpe que talvez não fosse para ela. Quem destrincha esse “erro na execução”, é José Américo Rodrigues Gomes dos Santos, procurador do Estado aposentado e escritor em plena atividade.

Aberratio Ictus

Aberratio ictus, como ninguém ignora, já que de trivial sabença, significa erro na execução, desvio de golpe. O atirador efetua disparos para matar o presidente, mas acaba matando o papa. Deixo isso para lá. Não quero falar de coisas de todos sabidas e consabidas.

Audiência na Vara Distrital de São Miguel Paulista. Processo criminal. Lesões corporais leves, três réus e duas vítimas: mãe e filho adulto.

O juiz que presidia a audiência era muito brando, pouco condenava. Inteligente a mais não poder, brilhante. Completamente destrambelhado, descontrolava-se com facilidade.

Irritava-se à toa à toa. O que mais o incomodava era a burrice. Examinando um processo que já havia passado pelas mãos e olhos de outros juízes, descontrolou-se, estrebuchou e gritou: Lixo!lixo! E atirou o processo no cesto de lixo que estava no chão, à sua esquerda.

O escrivão, que presenciara a cena, esperou que se acalmasse e dirigiu-se ao cesto de lixo para resgatar o processo. A calma era só aparente: Não toque nesse processo, lugar de lixo é no lixo!

Como discordar do magistrado? Com que argumentos? O remédio foi esperar o encerramento do expediente. Quando o juiz foi embora, o processo pôde ser retirado do lixo. Não se sabe o que levou aquele processo ao cesto, mas boa coisa não deve ter sido. Alguma heresia jurídica, com certeza.

Voltemos à audiência em São Miguel Paulista.

O juiz tomava as declarações de uma das vítimas, uma senhora idosa, cabelos brancos, humilde.

Aqui diz que a senhora e o seu filho foram agredidos há tempos. Como foi?

Foi assim, doutor: Eu estava na cozinha da minha casa quando ouvi uma barulheira lá fora. Saí e vi lá no fundo do quintal, embaixo de uma árvore, que eles estavam dando paulada no meu filho. Corri para acudir e eles deram paulada também em mim, me machucaram.

E essa paulada que deram na senhora era destinada à senhora mesmo ou era uma paulada destinada ao seu filho e que a acabou atingindo porque a senhora entrou embaixo?

É, doutor, eles deram paulada mesmo, na minha cabeça.

Eu sei que deram paulada, a senhora já disse. O que eu quero saber é se eles miraram a sua cabeça ou se era golpe que desferiam contra o seu filho e que acabou por atingi-la?

Ah, eles bateram mesmo. Me acertaram a cabeça bem aqui. Ao dizer isto, inclinou a cabeça e afastou os cabelos, para mostrar ao juiz onde fora atingida.

O juiz já estava ficando irritado. Pavio curto. Cinco minutos.

Refez a pergunta, procurando ser o mais claro possível. E ela: Bateram mesmo, doutor. Bateram mesmo. Me deram paulada na cabeça.

A essa altura, o juiz revirou os olhos, pôs a língua para fora e, esmurrando a mesa, berrou:

Minha senhora, eu só quero que a senhora me diga: houve aberratio ictus!?

[Leia também de José Américo, no Blog Sem Juízo:

Papoulas vermelhas

Diabo]

2 Comentários sobre ….aberratio ictus….

  1. CECILIO ALMEIDA MATOS 12 de junho de 2011 - 13:05 #

    Desculpa, exemplos como esses, por mais inteligentes que sejam só mostram quão desequilibrado é um cidadão desse, que no caso específico precisa de tratamento psiquiátrico ,ante a saber que uma pessoa do povo não está obrigado a ser sabedora do nível de conhecimento do mesmo.

  2. CECILIO ALMEIDA MATOS 12 de setembro de 2011 - 18:32 #

    Relendo a postagem, vos digo mais, se acaso soubesse eu mesmo de quem se trata e de quem teria sido a vítima, inclusive o escrivão; representa-lo-ia no CNJ, para que no mínimo fosse (por liminar) submetido a exame de sanidade psiquiátrica.Todas as vezes que leio, me causa repugnância tamanha barbaridade.