O figurino de vítima não lhe cabe pela decisão que obrigou a Justiça Eleitoral a tomar
Pode ser que a Rede Sustentabilidade se firme no imaginário político como aquele partido que foi sem nunca ter sido.
Mas a responsabilidade da Justiça Eleitoral sobre isso é nenhuma.
Ao anunciar a filiação e a aliança eleitoral com o PSB, Marina Silva apregoou, com um indisfarçável toque de marketing, que a Rede seria o “primeiro partido clandestino da democracia”.
A acusação é, para dizer o mínimo, injusta.
Clandestina teria sido uma decisão que subtraísse de seu projeto de partido as mesmas exigências que são feitas a todos os demais. Até porque, como ensina o jurista José Afonso da Silva, que muito contribuiu para a redação final da Constituição que completou agora 25 anos, a igualdade constitui o signo fundamental da democracia.
Se Marina Silva vai conseguir manter o rótulo de novo, com as últimas alianças, é tarefa para os analistas da política. Mas o figurino de vítima certamente não lhe cabe pela resposta que obteve da Justiça Eleitoral.
O TSE indeferiu o pedido de registro do partido Rede por um motivo simples: ele foi formulado antes do tempo.
As assinaturas válidas eram em número inferior ao exigido e o partido tinha plena consciência disso quando apressou o pleito.
Foi o partido que obrigou o tribunal à decisão que tomou por larga maioria.
O pedido foi antecipado obviamente por causa do calendário eleitoral –mas caberia aos ministros do
Tribunal alterar as exigências legalmente previstas em razão desta ansiedade?
Deveriam raciocinar, como sugeriu parte da grande imprensa, que a lei é de menor importância quando existe um motivo político em jogo?
A constante redução do debate jurídico pela mídia, conforme se viu no caso dos embargos infringentes do mensalão, acaba por instigar a compreensão do direito pela via estreita do maniqueísmo de interesses políticos.
Pro ou contra o governo não basta para justificar pedidos jurídicos ou obstar a aplicação de princípios constitucionais.
Os cartórios eleitorais funcionaram aceitando e recusando fichas de filiação de vários partidos com base nas mesmas normas existentes, sobretudo, na comparação que lhes é possível fazer, com as assinaturas lançadas nas próprias fichas de alistamento e eleição.
Não podem ser acusados por inconsistências que dizem respeito aos próprios subscritores do apoiamento –lembrando que, em nenhum caso, é vedado que o apoiamento seja, então, regularizado.
Pretender que as recusas fossem interpretadas pelo TSE como válidas, por suposta falta de fundamentação (como se fossem em si decisões judiciais), é mais ou menos como querer reconhecer, sem comparação, assinatura que foi negada, por falta de semelhança, em qualquer tabelionato do país.
Ao TSE jamais caberia avaliar assinatura por assinatura; mas como reconhecer, então, sem comparação, assinaturas que lá chegaram com a presunção da falsidade?
O único voto favorável ao registro sem o cumprimento das condições foi do ministro Gilmar Mendes que, em sua argumentação, utilizou a suposta perseguição que sofrera o partido, que o fizera, em ação própria, paralisar de forma inusitada um processo legislativo.
A decisão liminar de Gilmar, todavia, já havia sido derrotada, também por ampla maioria no próprio STF.
Se Marina está errada, ao menos juridicamente, em expor-se como vítima, não menos estão os órgãos de imprensa que retrataram a decisão do TSE como um veto, como se o partido houvera sido proscrito ou mesmo impedido de nascer.
Os parlamentares poderiam repensar a necessidade de autorização judicial para a criação de partidos ou mesmo o elevado número de assinaturas para fazê-lo. Ou até postergar a exigência pela adoção da cláusula de desempenho.
Mas ao Tribunal não era exigido mais do que aplicasse, de forma equitativa, com imparcialidade, os mesmos requisitos exigidos dos demais partidos. Sem perseguições nem privilégios.
Ninguém pode acusá-lo de ter feito diferente.
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