….AJD e o direito de marchar….

A proibição de manifestação é um desastre para a democracia

O manifesto que segue é da Associação Juízes para a Democracia e foi encaminhado aos ministros do STF antes do julgamento da ADPF que garantiu a liberdade de manifestação na Marcha da Maconha. A citação de Castro Alves: “a praça é do povo, como o céu é do condor”, foi mencionada em plenário pela ministra Carmen Lúcia, embora lembrando Caetano Veloso.

MANIFESTO PELA LIBERDADE DE REUNIÃO, PROTESTO E MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO

“Tudo marcha! Ó grande Deus!/ As cataratas – p’ra terra,/ As estrelas – para os céus./ Lá, do pólo sobre as plagas,/ O seu rebanho de vagas/ Vai o mar apascentar … Eu quero marchar com os ventos,/ Com os mundos … co’os firmamentos!/ E Deus responde – “Marchar”! (Castro Alves)

As “Marchas da Maconha”, como qualquer outra manifestação social reivindicatória ou de protesto, não trazem nenhum prejuízo ou risco para a sociedade.

A sua proibição, sim, é um desastre para a democracia e para todos nós.

Quando pretendemos protestar, defender idéias, manifestar dissenso, reivindicar, expressar opinião, temos todos o direito de sair às ruas e marchar com plena liberdade, sem qualquer coação, restrição ou censura.

Afinal, como proclamava o Poeta da Liberdade, “a praça é do povo, como o céu é do condor”.

É por isso que, recentemente, o Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da CIDH afirmou que “marchas pacíficas de cidadãos em áreas públicas são demonstrações protegidas pelo direito à liberdade de expressão”.

O Estado Democrático de Direito pressupõe o debate aberto e público como forma de tornar visível a cidadania.

Não é possível criar uma sociedade livre, justa e solidária sem que se garanta a liberdade de expressão. Impedir o exercício desse direito significa retirar dos cidadãos o controle sobre os assuntos públicos. O direito de reunião, que traz em seu bojo o direito de protestar e reivindicar, é de primeira grandeza e deve ser garantido a todas as pessoas, pois é o único que pode fazer valer os demais direitos fundamentais.

Não há democracia sem a possibilidade de dissentir e de expressar o dissenso.

Assim, é perfeitamente lícita, salutar e democrática a manifestação social daqueles que reivindicam a alteração de políticas públicas ou mesmo a revogação, a alteração ou a criação de leis. Portanto, é preciso respeitar a opinião daqueles que se manifestam pela descriminalização de determinadas condutas, como o porte de entorpecentes.

E é absolutamente inaceitável, neste dias de democracia, sob a égide das garantias fundamentais, lançar mão do controle social pela violência do sistema penal e de sua força policial para coibir a liberdade de pensamento, que não pode jamais ser confundida com “apologia a fato criminoso”.

Na realidade, lamentavelmente, a censura, a repressão e a violência somente justificam a frustração do poeta:

“Marchar!… Mas como?… Da Grécia/ Nos dóricos Partenons/ A mil deuses levantando/ Mil marmóreos Panteons?…/ Marchar co’a espada de Roma/ Leoa de ruiva coma/ De presa enorme no chão,/ Saciando o ódio profundo…/ Com as garras nas mãos do mundo,/ Com os dentes no coração?…/ Marchar!… Mas como a Alemanha/ Na tirania feudal,/ levantando uma montanha em cada uma catedral?”. Decididamente, é preciso ouvir o alerta do poeta: “Não! Nem templos feitos de ossos,/ Nem gládios a cavar fossos/ São degraus do progredir…/ Lá, brada César morrendo:/ No pugilato tremendo/ Quem sempre vence é o porvir!’”. Enfim, pela prevalência dos princípios democráticos e para a mantença da indenidade dos direitos humanos, é preciso marchar e deixar o povo marchar.

[Leia sobre a decisão do Supremo: STF cumpriu papel do juiz garantidor de liberdades]

5 Comentários sobre ….AJD e o direito de marchar….

  1. Ricardo0813 20 de junho de 2011 - 15:50 #

    Ao que parece, a liberdade de expressão é um valor absoluto no âmago do estado democrático. No mesmo raciocínio do STF, qual discordo, poderão amanhã marchar e protestar pelo "direito de estuprar" ou "pelo extermínio dos negros"? Afinal, se liberdade de expressão é se sobrepõe a qualquer garantia ou direito, quem defender tais "direitos" está protegido pelo mesmo manto que protege aqueles que defendem o a liberação da maconha e não fariam apologia a crime algum. Sds.

  2. Marcelo Semer 21 de junho de 2011 - 00:57 #

    Sugiro que leia a integralidade do voto do ministro Celso de Mello. Há link no texto "STF cumpriu papel do juiz: garantidor de liberdade".

    Ao menos este trecho:

    “É certo que o direito à livre expressão do pensamento não se reveste de caráter absoluto, pois sofre limitações de natureza ética e de caráter jurídico.

    É por tal razão que a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, povo ou grupo social não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão.

    Cabe relembrar, neste ponto, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), cujo Art. 13, § 5º, exclui, do âmbito de proteção da liberdade de manifestação do pensamento, “toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.

  3. Ricardo0813 21 de junho de 2011 - 07:54 #

    Caro Marcelo, bom dia. Concordo no que tange que a liberdade de expressão não tem caráter absoluto e deve ser medida. Agora, questiono o seguinte, nessa mesma linha de raciocínio do Min. C. de Mello: drogas é mal social maior que assola o Brasil, creio eu. Aqui em Pernambuco, que não é diferente do restante do pais, o estado não tem controle sobre o tráfico e tampouco condições de cuidar de tantos dependentes. E como a maconha é a porta de entrada para drogas mais pesadas, é certo, permitir manifstações a seu favor não implica em agravar a saúde pública, qual é dever do estado garantir? Outrossim, e o que falar da interferência do tráfico no estado – seja apoiando políticos, formando uns, na polícia, no judiciário… seja corrompendo seus membros ou exterminando aqueles que se opõem a ele. Com todo respeito às opiniões diversas, acredito que o STF perdeu uma oportunidade de colaborar com uma política anti-drogas sob o pretexto de garantir uma pretensa liberdade de usa-las. Acredito muito no ditado: quem está no alto da montanha, sobre as nuvens, não vê o que acontece no sopé. E parece que vez por outra, infelizmente, as cortes superiores mergulham nos embates retóricos e esquecem de observar o quer acontece no mundo real. Parabéns pelo blog. É leitura diária obrigatória. Sds.

  4. Além da Frase 21 de junho de 2011 - 14:30 #

    É um absurdo alguém defender o argumento de que a "liberdade de expressão" garante, por exemplo, a grupos de nazifascistas ou evangélicos ou católicos junto a outros fascistas como o Bolsonaro o direito de se manifestarem contra a homossexualidade, ou grupos que queiram manifestar-se em favor do estupro.
    A liberdade de expressão não está a serviço do insitamento a ações que atentem contra a dignidade humana. Esupro, o racismo, a homofobia são expedientes que não condizem com o respeito à vida, respeito ao próximo.
    Diferentemente ocorre com a Marcha da Maconha. Nela se defende um debate com a sociedade, para que se acabe com a gurra aos pobres, hoje disfarçada de "guerra ao tráfico".
    A liberdade de expressão, no caso da MArcha, foi impregado coerentemente pelo STF, pois trata-se de debate de idéias que não agridem a condição humana. Na verdade, com a democracia ficou mais forte com o reconhecimento do direito aos protestos e à Marcha. Isso reforça a dignidade humana, a democracia, a pluralidade e o debate de idéias!

  5. Anônimo 3 de julho de 2011 - 18:18 #

    Na minha visão de cidadão, que quer construir um país justo e solidário, voltado ao fortalecimento da moral, da ética e dos bons costumes, que são imperiosos para o crescimento de uma nação, não posso concordar e acho profundamente lamentável o posicionamento do STF. Acho que em nome da Democracia poderiam sim, como a ultima ratio, contribuir um pouco mais com o Brasil.
    Enquanto ficamos com retóricas jurídicas e formais nos perdemos na verdade material do fato. Fazendo comparações e falsos silogismos, inferindo sobre o manto da mais perfeita legalidade e constitucionalidade.
    Permitir marcha da maconha ou de qualquer outro gênero, que em nada contribui para o crescimento desse país, parece-me que pela análise meramente formal é meter os pés pelas mãos em nome do Estado Democrático de Direito.
    Drogas, hoje, parece-me mais uma questão de saúde pública do que criminal, não é discussão para sociólogos ou cientistas políticos. Há que se ouvir as autoridades médicas a respeito, como o Dr. Ronaldo Laranjeira. A questão de ser crime ou não é secundária, porque cada sociedade coloca na sua legislação o que entende por ser crime ou não.
    Agora, independente de ser crime ou não, é de bom alvitre que se analise os fatos sem os formalismos exagerados, sob pena de não atingirmos a finalidade.
    Acho que não podemos confundir marcha da maconha com a livre manifestação do pensamento (até porque está tem as suas limitações como foi dito acima). O Brasil está em crise de identidade moral e jurídica, já não sabe mais o que é bom ou não para ele, o que é correto ou não, é a crise da ética, dos valores. Se não temos isso claro, como poderemos decidir corretamente?
    O álcool e qualquer outro tipo de droga, legalizada ou não, são elementos perniciosos e devastadores da nossa sociedade e família, alguém duvida disso? Porque então fazer marcha a favor daquilo que destrói a sociedade e preocupa a todo pai de família consciente e responsável, que verdadeiramente são compromissados com o futuro dos nossos jovens e do país?
    A quem interessa um país de drogados? Legalizar a maconha? Olha o álcool aí! Que desgraça não assola na nossa sociedade? Vejam como o consumo só aumenta entre os nossos jovens, destruindo lares e famílias. Que futuro pretendemos? Mais drogas liberadas? A nossa sociedade tem a educação suficiente para enfrentar essa liberação?
    Vamos destruir a nossa sociedade e jovens em nome da liberdade de expressão e do juridiquês. Tudo tem o seu tempo. Acho que a nossa sociedade ainda não está preparada, não tem as informações necessárias e nem o conhecimento, para determinadas liberações e autonomia, sob pena de conseqüências deletérias incalculáveis.
    Precisamos fazer marcha por um ensino público de qualidade, por um meio de comunicação mais informativo, por hospitais melhores, por uma saúde pública de qualidade ampla e irrestrita a todos os brasileiros, por uma forte legislação contra a corrupção, etc..
    Ocupar o STF como a liberação da marcha da maconha? É ocupar a nossa Corte Suprema com questões menos importantes.
    E não me venham os tecnocratas dizer que não é a liberação da marcha da maconha e sim a garantia constitucional da livre manifestação do pensamento, tenham dó, vai? É a mesma coisa do que dizer, ele não está se drogando, está apenas tomando uísque…
    Mais uma vez, o Brasil está em crise e não consegue distinguir os seus valores éticos e morais.