….alienação parental e criminalização da mãe….

Filósofa adverte: lei da alienação parental pode vitimizar a criança, apagar trajetórias de violência e esvaziar importância do testemunho infantil

O artigo que segue é de Ana Liési Thurler*, Filósofa e socióloga, integrante do Fórum das Mulheres do DF e foi publicado no site do CFEMEA.

Provocador, o artigo discute a recente lei de alienação parental, aprovada quase sem dicussão no Congresso, sob o viés da “criminalização das vítimas”, transferindo responsabilidade de graves violações para a mãe e para a criança.

Aprovação da lei de alienação parental: o que significa?

O PL 4.053, apresentado em 07.10.2008, pelo Dep. Régis de Oliveira (PSC-SC), teve tramitação rápida, com insuficiente exame de seu conceito-chave: a alienação parental. Poucos dias após a morte da menina Joanna Cardoso Marins, mártir da alienação parental, em 13 de agosto – caso jogado para os bastidores do Judiciário -, o PL se transformou na Lei 12.318. Por que tanta pressa?

Segmentos do setor jurídico importaram o conceito de alienação parental, forjado pelo norte-americano Richard Gardner (1931-2003), sem pesquisa sistemática ou validade científica, em um quadro de defesa do incesto e da pedofilia (1). Para ele, o abuso sexual não seria necessariamente traumatizante e relações sexuais entre adultos e crianças fariam parte do repertório natural da atividade sexual humana. Segundo Gardner, a sociedade teria uma postura punitiva e moralizadora em relação às pulsões pedófilas. Transformando vítimas em rés, ele não hesita em transferir responsabilidades para as crianças que tomariam iniciativas eróticas e seduziriam os adultos.

Infelizmente esse conceito foi incorporado no Brasil, na contramão de rejeições internacionais: do Canadá e da França, de países da América Latina (2) e dos EUA. Lá, a Organização Nacional para Mulheres (NOW) incluiu entre as Resoluções de sua Conferência Nacional de 2006 posicionamento sobre esse conceito (3), condenando o recurso à Síndrome da Alienação Parental (SAP), qualificada de síndrome desacreditada que favorece os agressores de crianças nos litígios de guarda. A NOW recomenda a todo profissional cuja missão envolva a proteção dos Direitos das Mulheres e das Crianças denunciar a utilização da SAP como perigosa e contrária à ética.

São do Rio Grande do Sul a jurisprudência (4) da SAP, as relatorias no Congresso Nacional: de Maria do Rosário (PT-RS), do PL 4.053, na Câmara Federal; de Paulo Paim (PT-RS) e Pedro Simon (PMDB-RS), do PLC 20/2010, no Senado Federal. Com toda certeza nenhum dess@s parlamentares pretenderiam a pedofilização do país. Por que assumiram bandeira tão grave para os direitos das crianças e das mulheres? Por precariedade de informações e de debates com a sociedade? Por pressão de lobbies insensíveis à revitimização de crianças e mulheres, interessados na mercantilização da Justiça?

A disseminação da SAP aconteceu com denúncias de abuso sexual infantil na classe média e alta, entre segmentos com recursos econômicos para arcar com advogadas/os e peritas/os, cúmplices da dominação patriarcal. Lembremos que o acesso à Justiça não é garantido de forma igualitária a homens e mulheres. No Brasil, 65% das mulheres no mercado de trabalho ganham até 2 salários mínimos. Os homens representam 80% entre os que ganham mais de 20 salários mínimos.

Com os papéis sexuais, secularmente construídos, as mulheres ainda são as cuidadoras, mesmo nas famílias na mais santa paz. Alguns homens começam a quebrar estereótipos, mas são minoria. As mulheres são quase a totalidade das cuidadoras nas famílias monoparentais.

A Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/2010) em seu artigo 2º anuncia seu foco: “um dos genitores (…) que tenha a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda, vigilância”. Pretenderia considerar o universo “genitores” assexuadamente, mas essa expressão, a partir da realidade social, deve ser compreendida sexuadamente: são as “mães”quem detêm a guarda em mais de 95% dos casos. E são elas apresentadas como naturalmente imaginativas e mentirosas.

É necessário considerar que a alienação parental:

a-) trabalha em prol do mito do implante de falsas memórias de abusos sexuais e violências;

b-) revitimiza crianças ao afastá-las da genitora protetora, o que é, algumas vezes, fatal para essas crianças;

c-) apaga trajetórias de agressões do pai – contra a mãe ou a criança -, autorizando o aparelho judiciário a entregar a criança a um pai com histórico de violência;

d-) constitui-se em instrumento de deslegitimação do testemunho da mãe e da criança.

No Brasil, a democracia e os Direitos Humanos nada ganharam com a escassez de debates na tramitação da Lei da Alienação Parental. Ao contrário, sua lastimável aprovação, significa mais uma lei reforçando a misoginia em nossa cultura, criminalizando as mulheres. Além de tornar possível mais casos trágicos como o da menina Joanna Marins, em que pais negligentes ou violentos obtêm a guarda total das crianças, separando-as das mães, causando-lhes graves danos.

______________
* autora de “Em nome da mãe: o não reconhecimento paterno no Brasil” 368p. – 2009, disponível em www.abrasco.org.br e em www.editoramulheres.com.br

(1) Link sugerido para mais informações: http://pedophileophobia.com/Richard%20Gardner.htm
(2) Veja o site argentino: www.abusosexualinfantilno.org
(3) “Guiando a Custódia e Avaliações de Visitas em Casos de Violência Doméstica: um Guia para Juízes”, publicado pelo Conselho Nacional de Corte de Juízes Juvenis e de Família, edição revisada de 2006. (www.now.org/organization/conference/resolutions/2006.html?printable)
(4) A partir de alguns acórdãos: http://www.alienacaoparental.com.br/jurisprudencia-sap)

3 Comentários sobre ….alienação parental e criminalização da mãe….

  1. Anônimo 30 de dezembro de 2011 - 06:30 #

    Isso apenas indica que você n tem a menor ideia do que e passar por isso.

  2. Anônimo 1 de janeiro de 2012 - 19:02 #

    A Lei é importante. Mas conheço dois casos muito graves que me fizeram pensar o quanto esta lei possa ter se tornado um gatilho de ameaça contra a criança.
    Dois casos:
    Um menina que quer apenas estar e ver o pai, mas se nega aos pernoites. Ela é obrigada a gostar da madrasta? E quem a protege?
    O outro casos é mais grave ainda: Duas crianças obtiveram a guarda do pai porque a Lei da Alienação foi aplicada. Até vizinhos já foram a polícia para denunciar abandono dessas crianças. Um caso terrível.
    E…a justiça pouco fez. Há um leve promessa de revisão da sentença para o início deste ano.
    Conheço a mãe e não sei como está viva. O sofrimento é bárbaro!
    Agora eu vou prestar mais atenção aos pais que se dizem vítimas da alienação. Será?

  3. Carlos Burck 12 de março de 2013 - 21:36 #

    Evidentemente que todo e qualquer projeto de lei deve ser objeto de intensa discussão, o que, é bem verdade, não faz parte da cultura dos nossos legisladores. Mas daí a afirmar que inexiste alienação parental, confundindo a prática com a inadequação do posicionamento de Gardner, e reduzindo-a ao acobertamento do incesto, é um dos maiores absurdos que eu, pai, vítima de alienação (sem (falsa) acusação de abuso, saliento), juiz e estudioso do tema, é um dos maiores absurdos que já vi (li) em toda a minha vida. E a tentativa de vincular a alienação parental à violência de gênero, além de um clichê, mostra bem a pouca inteligência do raciocínio da filósofa. A alienação parental, assim como a pedofilia, pelo incesto, e a acusação falsa de violência sexual em cenário de disputa da guarda dos filhos é do dia a dia do fórum, merecendo muito mais do que as desinteligentes generalizações.