De bananas a palmadas, o legislador brasileiro quer regular tudo. Cria um direito penal excessivo, de cunho moralista, invade áreas privadas e estabelece normas rigorosas que desidratam o jornalismo nas eleições e deixam a política em segundo plano.
A hiper-legislação tem sido uma marca do direito moderno.
No Brasil, ela é cada vez mais freqüente. Mostra-se pujante principalmente no direito penal, mas não só nele.
Da obrigação de vender bananas por quilo à proibição das palmadas na educação familiar, passando pelas minuciosas restrições da propaganda eleitoral, as pretensões do legislador para adequar a sociedade aos bons costumes e regras saudáveis são infinitas.
O excesso de regulação, com nítido caráter moralista, tende a produzir uma hipertrofia das funções do Estado. E, por conseqüência, aumentar sensivelmente o poder e a competência de seus agentes, inclusive os juízes.
Não se trata de questionar o mérito propriamente dito das leis produzidas aos borbotões; a maior parte delas nasce de ótimos propósitos. Mas sim, saber se é o caso de trazer à regulação do Estado todo o tipo de conduta que fere ou ameaça o politicamente correto.
Assédio sexual, assédio moral, bullying infantil, tudo entra no horizonte da criminalização de comportamentos nocivos.
Na ponta de mira, atualmente, o projeto de lei da palmada. Que o diálogo é bem mais importante que a força física na educação dos filhos e que os mecanismos de disciplina não devem privilegiar castigos, poucos discordam.
Mas a idéia de que a lei possa manietar por completo a educação familiar, a ponto de tornar qualquer tipo de castigo punível (os abusos já o são) representa um visível exagero.
O mesmo acontece com o estatuto do torcedor, estabelecendo sanções para situações de perigo, como uma genérica “incitação à violência”, por meio de cantos de torcida. Ou a punição a qualquer tipo de “manifestação discriminatória”, levando o politicamente correto aos campos de futebol.
Não tardará para que, sob o propósito de evitar atos de hostilidade, violência ou maiores confusões nos estádios, sejam também jogadores ou torcedores punidos pelos palavrões que proferirem no calor das partidas.
No âmbito eleitoral, por exemplo, o excesso normativo, sob o pretexto de garantir a igualdade de tratamento de candidatos, desidratou a cobertura jornalística, interditou o humor na televisão e provocou um esvaziamento da discussão política.
Enquanto isso, proliferam ações judiciais, com bases nestas regras draconianas, proporcionando uma verdadeira guerra jurídica entre as candidaturas. Os advogados agradecem.
É razoável que não elejamos candidatos que já foram anteriormente condenados, para administrar a coisa pública ou produzir nossas leis. Mas a Ficha Limpa acabou por transferir este poder de escolha para os juízes. São eles, hoje, que em última instância, decidem quem pode e quem não pode ser candidato.
Há candidatos vetados com condenações por fundamentos bem distintos, interpretações divergentes da mesma lei e, não raro, atrasos de julgamentos que acabam por atrapalhar ou beneficiar determinado político.
Em uma analogia com o futebol, podemos dizer que parte considerável da disputa eleitoral hoje em dia se ganha ou se perde no tapetão.
Melhorar os costumes, produzir uma nova cultura, aumentar a segurança e garantir respeito ao indivíduo. Todos são objetivos inquestionáveis. Mas a hiper-regulação pode fazer a forma superar o conteúdo.
O excesso e a minúcia das leis engessam a vida social e transferem aos agentes do Estado responsabilidades que não são nem deveriam ser suas.
O exagerado paternalismo tem como base uma idéia messiânica de que é possível mudar as pessoas, os costumes e suas práticas pela simples edição de uma lei. Mas o que se impõe através dela é nada mais do que uma paulatina, mas contínua, diminuição da liberdade.
É preciso dosar com cuidado o exercício da tutela legal.
Não se pode reprimir qualquer conduta dissonante, nem criminalizar tudo o que esteja em desconformidade com as expectativas sociais. Sob o risco de mais dia menos dia também estarmos apedrejando nossos adúlteros.
[Confira as colunas do blogueiro, no Terra Magazine]
Comentários fechados.