….assassinato de Estado esvazia ideia de justiça internacional….

Obama pode ter reeleição segura. Mas não vai conseguir que o mundo acredite que faz guerras em nome da paz e que assassina em nome da justiça

Osama Bin Laden era um bárbaro terrorista.

Mesmo depois de sua morte, é impossível ter compaixão ou piedade por quem, conscientemente, assumiu a responsabilidade pelo homicídio em massa de milhares de inocentes civis.

Mas nada disso oculta a realidade de domingo: seu assassinato é um ato de vingança, não de justiça.

Em 1945, com a rendição de alemães e japoneses, os aliados discutiam o que fazer com prisioneiros nazistas. Muitos pretendiam simplesmente liquidá-los, falando-se de fuzilamentos em massa. Os norte-americanos impuseram a força de sua razão, para realizar julgamentos históricos em Nuremberg.

Pode-se dizer que Nuremberg foi um tribunal de exceção, criado após os crimes terem sido cometidos. Que se constituiu em uma justiça dos vitoriosos, não dos vencidos. Ou que crimes foram delimitados após os fatos, rompendo uma histórica barreira doutrinária.

Ainda assim, realizou-se a justiça possível em um momento complexo, inusitado e de proporções até então desconhecidas. Com isso, fixaram-se bases para a construção da jurisdição internacional que se seguiria: Tribunal ad-hoc para a ex-Iugoslávia, para crimes em Ruanda, e, enfim, o Tribunal Penal Internacional.

E não estamos falando de crimes simples ou corriqueiros. A máquina de matar do Terceiro Reich assassinou nada menos do que seis milhões de judeus, além de homossexuais, comunistas e ciganos. A limpeza étnica de Milosevic aniquilou cerca de 200 mil bósnios e quase 700 mil tutsis foram vítimas na África.

Mas os Estados Unidos já não têm mais a pretensão de impor julgamentos a grandes criminosos. Nem sequer ratificaram o Estatuto de Roma, com receio de serem eles mesmos inseridos no banco dos réus.

Hoje, seu presidente vem a público se jactar de ter inserido o assassinato de um terrorista como uma das prioridades de sua gestão, e vangloriar-se de tê-lo conseguido.

Nada que seja, em si, uma novidade.

Desde setembro de 2001, a “guerra ao terror” anunciada por George Bush vem justificando todos os excessos norte-americanos.

Justificou a invasão ao Iraque, cujo pretexto de encontrar armas de destruição em massa se mostrou inverídico. Justificou a invasão ao Afeganistão, justamente para a procura de Bin Laden, e a ocupação do país por quase uma década. Justificou barbaridades cometidas com presos no Oriente Médio, como as fotos de Abu Ghraib expuseram ao mundo.

E vem ainda justificando centenas de presos jogados em Guantanamo, há nove anos sem qualquer acusação. Recente vazamento do Wikileaks apontou que a própria inteligência americana contabiliza mais de uma centena e meia de inocentes, vítimas colaterais do terrorismo de Estado.

Barack Obama galvanizou as esperanças de descompressão da era Bush. Na campanha, mostrou o quanto as mudanças eram viáveis e fez o mundo, mais ainda do que os americanos que lhe deram vitória estreita, acreditarem que outro governo era possível.

Pela expectativa criada, recebeu inclusive um inédito Prêmio Nobel da Paz por antecipação, para que se sentisse devedor dos valores que suas mensagens difundiam.

Mas, eleito, manteve a ocupação do Afeganistão, manteve seus homens no Iraque, manteve os presos em Guantanamo. Declarou uma guerra, sem ouvir o Congresso. E seu maior trunfo na eleição do ano que vem será nada menos do que a cabeça de Osama Bin Laden jogada ao mar, como resultado da guerra ao terror que havia reeleito Bush.

Era isso que o “Yes, we can” queria dizer?

Americanos eufóricos saíram às ruas na madrugada de segunda para comemorar a morte anunciada do terrorista, como faríamos se tivéssemos ganho uma Copa do Mundo.

Não era apenas alívio – era pura satisfação. Mas esse mórbido sentimento de regozijo dificilmente tornará os Estados Unidos um país mais seguro ou mais feliz para se viver.

A comemoração pode purgar o sofrimento de um império ofendido por um grupo de lunáticos terroristas, mas a questão é saber: o que irá ao mar junto com o corpo de Osama?

A delicada e custosa construção da justiça internacional, desnecessária diante do assassinato de Estado.

A vantagem moral que a civilização impõe à barbárie, prejudicada na absorção pelo poder do modus operandi do terror.

A evolução de séculos que enquadrou a vingança dentro dos conceitos e dos limites do direito, estabelecendo as noções de pena e processo.

Difícil crer que a morte de Bin Laden resolva os problemas do terror. Os próprios norte-americanos alertam para possíveis e iminentes represálias.

Obama está se transformando rapidamente em Bush e isso provavelmente lhe renderá uma reeleição segura.

Pode estar realizando o desejo de milhões de norte-americanos, à moda de seu antecessor: dar uma lição no terror e mostrar a todos que não há limites ao poder dos EUA.

Mas não vai conseguir que o mundo acredite que faz guerras em nome da paz e que assassina em nome da justiça.

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9 Comentários sobre ….assassinato de Estado esvazia ideia de justiça internacional….

  1. Fabiana Mattos 4 de maio de 2011 - 14:25 #

    Adorei seu comentário tanto no blog como no site do Terra. É uma falta de humanidade o que fizeram se o Osama Bin Laden é culpado tem que fazer justiça e nao matar. Isso mostra que o EUA invés de serem justiceiros são assassinos e isso iguala o que o Taleban fizeram a eles. Os EUA falam que são diferentes do Osama Bin Laden e Taleban mas são totalmente iguais. Fazer justiça com matança é igual você fazer uma guerra em nome de Deus.

  2. Vilmar 4 de maio de 2011 - 15:44 #

    Vocês realemente devem ter problemas, pois achar errado vingar a morte de centenas de pessoas, matando um terrorista…é por isso que o Brasil é motivo de piada no exterior, por causa de pessoas como vocês que tem o poder de fazer a nossa justiça. Parabéns.

  3. Daniel Giachin 4 de maio de 2011 - 17:21 #

    Caro Vilmar, sugiro que você tente ver a situação sob esta lente:

    Fatos:
    1. Os Estados Unidos invadiram um outro país e executaram sumariamente um indivíduo estrangeiro.

    2. A operação foi concebida com o objetivo de extermínio, não de captura.

    3. Pensar que um país (ainda mais os EUA, considerado civilizado) possa usar de tal direito/conduta/precedente é apavorante para qualquer outro país.

    4. A situação, já terrível por si mesma, conseguiu ficar pior: os Estados Unidos usaram tortura para encontrar o paradeiro do inimigo.

    5. E fica pior ainda quando os autores se orgulham do feito.

    Excelente postagem, a comunidade internacional não pode aceitar a velha máxima de que os fins justificam os meios empregados.

    Justiça não é vingança. Há centenas de anos os filósofos, juristas e pensadores em geral batem nessa tecla.

  4. Claudia Pires 4 de maio de 2011 - 18:29 #

    Boa tarde Marcelo, vc e fantastico, faz uma analise mto interessante a respeito do poderio norte americano. Na segunda feira opinei sobre o assassinato de Bin Laden no meu Facebook, mta gente estranhou, pensei q estivesse em um mundo c uma civilizaçao desenvolvida a ponto de observar as nuances q o autoritarismo travestido de democracia fosse visto pelos demais. Me tranquilizo vendo pessoas como vc defendendo a vida e o estado de direito. Parabens mais uma vez, vc foi brilhante!

  5. Carmen lucia Rodrigues 5 de maio de 2011 - 00:56 #

    Parabéns, pelos seus corajosos comentários, concordo plenamente com seu ponto de vista,deveríamos esperar cada vez mais que a justiça fosse feita com dignidade pela humanidade e nao desta forma, priorizando, interesses pessoais políticos e esquecendo-se de observar o crescimento da democracia frente os dtos humanos o qual toda a humanidade tem direito.Lembrando que violencia gera violencia e não resolve nada.

  6. Marisol terlizzi 5 de maio de 2011 - 01:47 #

    Obrigada Marcelo por sua lucidez diante do caos…
    Por não confundir vingança e justiça…
    Nenhum país , por mais poderoso que seja , pode estar acima da JUSTIÇA , e como voce mesmo disse ,"até mesmo nazistas tiveram um julgamento".
    Isto NÃO É um CIRCO ROMANO!
    Não se trata de ser à favor de Bin Laden ou do Terrorismo mas sim de ser contra qualquer "coisa" que se sinta acima da JUSTIÇA.

  7. Fábio C. Martins 5 de maio de 2011 - 05:08 #

    Faço das minhas as palavras da Marisol.
    Infelizmente, ainda existem pessoas nesse mundão de Deus que acreditam que a Paz é feita através de guerras e assassinatos. Que o terror pode gerar uma paz momentânea, isso pode, mas duradoura? Não, definitivamente.

    Já não é de hoje que vemos os EUA utilizando de sua superioridade militar e econômica (ainda) através do "american way of life" para ganhar o público. E parece que essa prática vem dando certo. O mundo pode não apoiá-lo, mas no final das contas, o povo americano apoiará. Triste, mas é verdade.

    Abraços, Marcelo e obrigado por essa outra perspectiva.

  8. Augusto J. Hoffmann 8 de maio de 2011 - 13:12 #

    Como amplamente lembrado nas redes sociais, Obama não matou Osama, ressuscitou-o. Mas os USA se fecharam, voluntariamente, em postura arrogante, cujos juizes e sistema penal são suas forças armadas. Na impossibilidade da promoção da justiça, pelas vias convencionais, partiram para o terrorismo de estado. Sua máquina impostora, a da propaganda, já providenciara a platéia para o aplauso legitimador. Agora, outro sopro na brasa, aumenta a temperatura, operando o que mais entendem e apreciam: movimentar sua economia com o belicismo repassando, o ônus, para o mundo. A opressão se dá pela instabilidade dos mercados, como uma pena imposta aos pobres e, diretamente, com as conhecidas matanças.

  9. Juliana F Duarte 8 de maio de 2011 - 16:04 #

    Muito obrigada por um pouco de bom de senso frente a tamanho consenso…
    Feliz daqueles que em meio a tantas informações monocromáticas conseguem buscar argumentos que justifiquem o ponderar e reconsiderar aquilo que estamos vendo.
    O tão mal fadado americanismo, o patriota americano, agora tem argumentos para se vangloriar e ainda leva outros para o mesmo caminho…