Consumidores são incentivados a não pagar faturas à vista, mas volume de inadimplência é a explicação para a alta taxa de juros
Todo dia 25, recebo a fatura de meu cartão de crédito em duas folhas.
Na primeira, os gastos que tive durante o mês e o valor para pagá-los.
Na segunda, com letras garrafais, as várias oportunidades que me são oferecidas justamente para que eu não faça o pagamento. Ou ao menos que não pague tudo.
Loucura? Nada, puro cálculo.
Na televisão, entre outros anúncios similares, assisto um famoso apresentador mostrando como é aprazível ser surpreendido com uma festa. E o quanto é perturbador receber uma surpresa na fatura do cartão de crédito. A solução? Pagar apenas um valor fixo por mês, cerca de cinqüenta reais se tanto.
O comercial não explica em bom tom a que preço teremos este conforto, nem o que fazer com as compras do mês seguinte.
E mesmo quando conseguimos ler entre as linhas ou imagens as pequenas letras e notas de rodapé, destas e outras tantas propostas que se multiplicam nas faturas, é bem razoável que ainda assim não entendamos exatamente o que se passa.
Aquilo que pode parecer uma minúcia à primeira vista, uns dois ou três por cento, corresponde no conjunto dos meses, a uma altíssima taxa de juros anual, o mais alto valor cobrado no país por um empréstimo pessoal. Muito mais elevado, aliás, que o empréstimo que fazemos aos próprios bancos, nós mesmos, quando deixamos dinheiro lá aplicado.
Cálculo, puro cálculo.
Na hora de receber o pagamento dos cartões, as instituições financeiras preferem, paradoxalmente, que não o façamos. Pelo menos não de uma vez só. Porque parcelar, alongar, e até mesmo atrasar, na pior das hipóteses, significa, automaticamente, contrair novos empréstimos.
E os juros, com o tempo, podem representar mais do que o valor que havíamos gasto com as compras do mês.
Até aí, sem grandes novidades.
Assim funciona a máquina do capitalismo. Bancos vendem dinheiro e nada mais atrativo do que fazer parecê-lo quase de graça.
Porém, todas as vezes que se questiona o valor altíssimo dos juros dos empréstimos bancários, especialmente os do limite do cheque especial e dos cartões de crédito, a explicação é sempre a mesma: o juro é alto porque a inadimplência é grande.
Ora, se a cada momento em que temos de pagar nossas dívidas somos continuamente estimulados a não fazê-lo e contrair outras, como as instituições financeiras podem encarecer o dinheiro justamente sob o pretexto desta inadimplência?
Ao invés de estimular o não-pagamento, mês após mês, elevando o patamar de devedores, e por conseqüências as estatísticas da inadimplência, não seria o caso de conceder estímulos para o bom pagador, aquele que quita seu débito de uma só vez?
Ninguém dúvida da importância do crédito como alavanca para a economia. A sedução de ter hoje algo pelo qual só se pagará amanhã, mesmo que a um preço maior, ademais, é de um prazer incomensurável. As agruras do futuro não são páreo para as delícias do presente. Eduardo Giannetti bem explicou isso em seu “O Valor do Amanhã”. Não há cálculo que fulmine essa psicologia.
Mas que os períodos de crescimento contínuo não nos deixem esquecer as lições do recente crash norte-americano, provocado pela expansão desenfreada do crédito fácil e a negociação em cadeia dos papéis inconsistentes que geravam.
Vender sonhos é uma das mais antigas técnicas comerciais. Mas cobrar, às vezes, pode se transformar em grande pesadelo.
Do lado do consumidor, a melhor estratégia é escapar de tantas tentações, como o santo que desconfia da grande esmola que lhe oferecem. Afinal, as soluções imediatistas sempre se revelam mais caras.
Por isso, caro leitor, se você acabou por sucumbir às compras com o dinheiro de plástico no mês anterior, ao menos resista à oferta dos empréstimos para deixar o pagamento para os meses seguintes.
Quando o carteiro chegar com a fatura, não hesite: relaxe e pague.
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Bom conselho. Pague. Nunca parcele, os juros são extorsivos e as armadilhas espalhadas pelo caminho são muitas. Por exemplo: sabia que os bancos calculam os juros multiplicando os dias vezes o saldo devedor dividido pelo ano comercial (360 dias) ? Esse truque, feito com a conivência do banco central dá de graça aos bancos 5 (ou 6) dias de juros a mais para os bancos em detrimento do consumidor. Parece nada, talvez na conta de cada um seja apenas migalhas. Mas multiplique todo volume de empréstimos por 5 dias pra ver o tamanho do lucro indevido… Desculpe se sou anonimo, apenas não sei como me cadastrar. Um abraço.
Marcelo, tenho reparado que os bancos estão criando uma bolha de inadimplentes para poder equilibrar as contas e mostrar que há prejuízos tbm, não só lucros… o incentivo ao inadimplente é tão louco que eu tenho processos em que quantias são emprestadas a crianças de cinco anos e interditados ….