….“Bruxas de Salém” retrata perversões de um julgamento sob frenesi….

 

 

Alegoria do macarthismo, peça de Arthur Miller também é um alerta
sobre o processo penal

 

 
“As Bruxas de Salém” (The Crucible), escrita por Arthur
Miller, é uma perfeita alegoria do macarthismo e da histeria anticomunista que
tomou conta dos Estados Unidos, na década de 50.

O processo então capitaneado pelo senador McCarthy levou dezenas
de artistas e intelectuais a comissões do congresso, nas quais eram estimulados
a confessar ligações subversivas e, sobretudo, delatar seus companheiros –em
nome do respeito ao interesse nacional e a integridade da pátria, supostamente
ameaçada.

Em Bruxas de Salém, Miller
reproduzir essa histeria ao narrar um abominável episódio histórico, o
enforcamento de dezenove pessoas condenadas por bruxarias em um povoado de
Massachusetts no começo do século XVII.

Permeada pelos condimentos da intolerância religiosa e traços
de vingança pessoal, a peça retrata a história de jovens que, para se isentar
da responsabilidade pela participação em feitiçarias, fingiram-se possuídas, atribuindo
a culpa a bruxarias de que teriam sido vítimas. As acusações instauraram um
clima de pânico na cidade e levaram à instituição de um tribunal de amplos
poderes, cujas decisões foram calcadas, sobretudo, nos testemunhos recheados de
suspeição e nas delações e confissões forçadas.

Há muito que se possa descortinar sobre a natureza humana no
belíssimo trabalho de Miller: o peso da culpa, a ambição desmesurada, a lealdade
que sobrevive nos momentos mais tenebrosos, de modo que a peça não pode ser
reduzida à sua alegoria política.

Mas a par disso é extremamente esclarecedora para quem
maneja o direito.

Imprescindível para a compreensão das nuances e dos limites
de um processo penal. Especialmente sobre os perigos de uma acusação
contaminada pelo frenesi da reprovação popular.

É uma leitura instigante e perturbadora que denuncia o
abandono de princípios tradicionais nas decisões de exceção (justificadas pela ‘gravidade’
que o momento impõe) e a contaminação do julgador pela opinião pública -quando
a autoridade se legitima pelo medo.

É um alerta para os riscos de uma postura abertamente inquisitória
(aquela que confunde juiz com acusador e trata a defesa como uma afronta) e mesmo
a ideia da desproporcionalidade das provas -quanto mais grave a acusação, mais
tênues os indícios exigidos para demonstrá-la.

As Bruxas de Salém
nos mostra, enfim, até onde o esvaziamento do sentido de garantia do processo, pode
nos levar, particularmente nos julgamentos movidos pela repulsa popular.

É a sugestão da “Prateleira” aos leitores de Sem Juízo.

 

Trechos escolhidos

 

“São novos tempos, meu senhor. Está em marcha uma trama
nebulosa tão sutil que seria um crime nós nos apegarmos a velhos respeitos e
amizades antigas. … o Diabo está vivo em Salém e nós ousamos não ceder ao
seguir para onde aponta o dedo acusador!”

 

“O acusador agora é sempre sagrado? Eles nasceram hoje de
manhã, limpos como as mãos de Deus? Eu digo ao senhor o que está a solta em
Salém: vingança é o que está à solta em Salém.”

 

-“Qualquer defesa é um ataque ao tribunal? “Todas as pessoas inocentes e cristãs estão contentes com o
julgamento de Salém”

“Mas bruxaria é, ipso facto, na aparência e em sua
natureza, um crime invisível, não é? Portanto quem pode testemunhar a respeito?
A bruxa e a vítima. Ninguém mais. Agora não podemos esperar que a bruxa se
acuse, certo?…. Portanto, o que resta para um advogado apresentar?

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