É o tipo de sociedade na qual pretendemos nos transformar que está em jogo nessa disputa entre estado social e estado policial
O presidente do Supremo Tribunal Federal convoca reunião com a presença da imprensa para repreender associações de magistrados pela aprovação de PEC que cria novos tribunais federais.
O Ministério Público comemora o dia nacional de combate à corrupção com operações de prisões que são filmadas e exibidas no telejornal da hora do jantar.
O governador do Estado de São Paulo aproveita um crime de grande repercussão atribuído a adolescente na Capital, para propor imediatamente o aumento generalizado de punição aos jovens infratores.
O que os episódios têm em comum é a ocupação preferencial do palco da mídia no exercício dos poderes constituídos.
A palavra mágica que abre as portas para esse livre trânsito é ‘impunidade’.
Ser “contra a impunidade” é o primeiro passo para ter acesso à cadeia nacional -ainda que nossa população carcerária já seja a quarta maior do planeta.
Joaquim Barbosa sabe o efeito positivo da crítica aos juízes –recentemente chamou os magistrados brasileiros de “pró-impunidade”, reverberando o sucesso da ex-corregedora geral Eliana Calmon, com seu estandarte dos “bandidos de toga”.
O Ministério Público mantém há tempos uma relação de forte imbricação com a imprensa –hoje parceira na luta contra o que ambos denominam “PEC da Impunidade”.
Promotores e procuradores têm todo o direito de disputar a legitimidade da realização de investigações criminais –questão que ainda é controversa nos tribunais.
Mas o trato maniqueísta da campanha fornece a ela um ar de ‘salvação da pátria’, como se as demais instituições, complementando Barbosa, fossem todas “pro-impunidade”.
Um governador de Estado também tem o direito de fazer propostas de aumento da pena, que quase sempre repercutem positivamente. A depender dos eleitores, aliás, já teríamos baixado a maioridade para 12 anos ou até instituído a pena de morte.
Talvez seja um pouco mais difícil explicar porque quando os índices de criminalidade baixam, a vitória deve ser creditada à administração, mas quando sobem o problema é da lei.
Ou esclarecer porque a punição dos maiores pelos mesmos crimes não tem ajudado em nada para evitá-los –como bem o demonstra o crescimento do latrocínio no Estado, já punido com uma das mais altas sanções do Código.
Mas a verdade é que a ideia de recrudescimento do rigor penal e o prestígio das políticas repressivas e mesmo dos representantes da acusação está longe de ser uma modernidade tupiniquim.
O neopunitivismo, fortemente estimulado pela ‘criminologia da mídia’, nas definições de Raul Zaffaroni, estão varrendo o planeta, a começar pelos Estados Unidos.
Por lá, a hipercriminalização aumentou sensivelmente o poder dos promotores, instituiu a governança através do crime (na feliz expressão de Jonathan Simon), e já conduziu ao encarceramento de dois milhões de cidadãos –sendo que os negros preenchem, proporcionalmente, sete vez mais vagas das penitenciárias.
A imprensa que, de maneira quase consensual, se acostumou a criticar dia após dia a lenta, custosa e ineficiente máquina pública, tece loas aos administradores que representam o engrandecimento do estado policial –afinal, o novo liberalismo projeta estados que sejam mínimos no social e máximos no direito penal.
A bem da verdade é aí que reside a superestrutura por trás da discussão que, só na aparência, diz respeito ao combate do crime.
Enquanto a esquerda vem sendo repetidamente acusada de populismo ao estimular processos de transferência de renda, os conservadores cultuam o seu próprio populismo com promessas ilimitadas de segurança através de mais e mais punição.
É o tipo de sociedade na qual pretendemos nos transformar que está em jogo.
A contradição entre o estado policial e o estado social se explicita cada vez mais como a grande disputa da política atual.
O insucesso do neoliberalismo na Europa, que vem se mostrando uma alternativa mais sofrida e cruel ao desmanche do estado do bem-estar, e a resistência latino-americana em aceitar o mesmo modelo, mostra que, ao contrário do que se apregoava, a história ainda está muito longe do fim.
Excelentíssimo Marcelo, o Brasil não precisa de mais tribunais. O Brasil precisa extinguir a CLT e a inútil justiça do trabalho. Duas aberrações que não existem em nenhum outro lugar do mundo. E, claro, aproveitar o embalo e extinguir a chamada justiça eleitoral. Outro lixo desnecessário.
Se não tivesse tantos juízes trabalhistas perseguindo pequenos empresário e não tivesse tantos juízes eleitorais fazendo nada, teríamos mais juízes para outras coisas como julgar assassinatos.
O crime contra a honra deve ser extinto. Ah, os famosos danos morais também. hehehe
E o Joaquim Barbosa não me representa! Ele votou pela não extradição do assassino italiano cesare battisti. Votou pró cotas…o que é uma vergonha. E foi além: votou pró monopólio dos correios(a segunda instituição mais corrupta do Brasil).
O caos jurídico, o fascismo da era Vargas e a maldita CF de 1988 transformaram o Brasil em uma fábrica de advogados. Gente que não produz nada…gente que só suga riqueza.
Por coincidência, hoje, 18 de abril, comemora-se o nascimento do escritor Monteiro Lobato. Foi o primeiro escritor que li na vida, na biblioteca pública. Li tudo o que ele escreveu, infantis e adultos. Sou, portanto, “Filho de Lobato”. Claro, Lobato não é um escritor que agrada a todos. Seus livros têm lá os seus defeitos, como cada um de nós os possui de igual modo. Qualidades e defeitos são coisas da natureza humana. Como, por exemplo, o teu excelente texto e o lamentável comentário anônimo a ele agregado. Desculpe se vou me alongar. Em mil novecentos e quarenta e não sei quanto, quando Prestes foi candidato, Lobato enviou a ele uma mensagem que foi lida no palanque por Pedro Pomar, num comício no Vale do Anhangabaú. . Chamava-se “A parábola do Rei Vesgo”. Bem a propósito de tudo o que há escrito hoje em teu blog. Vamos a ela: “Na frente do palácio de certo Rei do Oriente havia um morro que lhe estragava o prazer. Esse Rei, apesar de ser vesgo, tinha uma grande vontade de "dominar a paisagem"; vontade tão grande que ele não pôde resistir, e lá um belo dia resolveu secretamente arrasar o morro. Tratava-se, porém, de um morro sagrado, chamado o Morro da Democracia, e defendido pelas leis básicas do reino. Nem essas leis, nem o povo jamais consentiriam em sua demolição, porque era justamente o obstáculo que limitava o poder do Rei. Sem ele o Rei dominaria ditatorialmente a paisagem, o que todos tinham como um grande mal. Mas aquele Rei, que além de vesgo era malandro, tanto espremeu os miolos que teve uma ideia. Piscou e chamou uns cavouqueiros, aos quais disse:— “Tirem-me um pouco de terra desse morro, ali há umas touceiras de craguatá espinhento. Se o povo protestar contra a minha mexida no morro, direi que é para destruir o craguatá espinhento; e que se tirei um pouco de terra foi para que não ficasse no chão nem uma raiz ou semente.” (Craguatá ou Cravatá ou gravatá ou “abacaxi mirrado”, é uma planta daninha muito comum em solo pobre). Os cavouqueiros arrancaram os pés de craguatá e removeram várias carroças de terra. O povo não protestou; não achou que fosse caso disso. Só alguns ranzinzas murmuraram, ao que os apaziguadores responderam: "Foi muito pequena a quantidade de terra tirada; não fará falta nenhuma". Vendo que não houve protesto, o Rei, logo depois, deu nova ordem aos cavouqueiros para que arrancassem outro pé de qualquer coisa, mas com terra – ele fazia muita questão de que a planta condenada saísse sempre com um bocadinho de terra… Continuando o povo a não protestar, prosseguiu o Rei por muito tempo naquela política de "extirpação das plantas daninhas do morro", e as foi arrancando, sempre "com terra", até que um dia..— “Que é do morro?” Já não havia morro nenhum no reino. Desaparecera o Morro da Democracia, e o rei pôde, afinal, estender o seu olhar vesgo por todo o país e governá-lo despoticamente – não pelo breve espaço de apenas quinze anos, mas pelo de trinta e tantos, segundo rezam as crônicas históricas. Isso foi no Oriente. Mas nada impede que aqui aconteça o mesmo, porque também temos o nosso morrinho da Democracia, cheio dessas plantas más que costumam nascer em tais morros. É preciso, pois, que o povo se mantenha sempre vigilante, para que os nossos Reis vesgos não as arranquem "com terra". Do contrário o morro se acaba – e… como é? Ditadura outra vez? Tribunalzinho de Segurança outra vez? Paizinho dos pobres outra vez?”( “no meu tempo a rota tava na rua” outra vez?) Esta parábola tem esse significado. É um protesto contra as primeiras carroçadas de terra que o nosso Rei, sob o pretexto de arrancar o craguatá espinhento, tenta remover o Morro da Democracia. Cesteiro que faz um cesto faz cem. Quem tira uma carroçada de terra tira mil. E arrematou, como arremataria novamente, o velho escritor: “O preço da liberdade é uma vigilância barulhenta como a dos gansos do Capitólio.” Afinal, Lobato também gostava muito dos ideais americanos. Um abraço.