….comissão da verdade….

Processo de redemocratização não se completará sem que o direito à memória esteja garantido

A Câmara dos Deputados pode, finalmente, aprovar nesta quarta-feira o projeto que institui a Comissão da Verdade.

Destinada a jogar luz sobre violações de direitos humanos, praticadas especialmente nos anos de chumbo, a comissão vai possibilitar o encontro do país com a história que lhe vem sendo sonegada há décadas.

Há cadáveres insepultos na sombria memória da ditadura e escondê-los debaixo do tapete não é propriamente uma experiência republicana.

O processo de redemocratização que se iniciou ao final do regime militar não se completará sem que o direito à memória esteja garantido.

Centenas de famílias conviveram com a crueldade de terem tido seus filhos violentamente arrancados de si, sem que tivesse sido possível sequer enterrar os corpos dos que jamais voltaram.

Se hoje pregamos a transparência e nos indignamos com a votação secreta que absolve um parlamentar pelo corporativismo, é sinal de que a verdade continua sendo um valor imprescindível para a sociedade.

Não se constrói democracia sem verdade, nem se ergue da justiça a clava forte, com silêncio, ocultação e mentiras.

O esquecimento não produz conciliação, cria monstros.

Ao justificar a pouca oposição que supunha obter com a matança generalizada de judeus, Hitler costumava indagar a seus oficiais: “quem se lembra do genocídio armênio” -, ocorrido duas décadas antes.

É preciso entender que a comissão da verdade não é uma instância julgadora.

Ainda que se disponha a “promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres”, não tem nem terá competência para julgá-los.

Boa parte dos países da América Latina que superaram suas ditaduras, revogaram leis de anistias ou atualizaram suas jurisprudências de acordo com as normas internacionais, para julgar crimes de lesa humanidade cometidos no período.

Por aqui, entretanto, o STF segue ignorando a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que em decisão vinculativa afastou qualquer obstáculo jurídico aos processos.

O objetivo da comissão, no entanto, é outro.

Sua função é escrever a história oficial, “recomendar a adoção de políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional”.

A exposição de uma verdade jamais será revanchismo. Ao contrário, impedi-la é um segundo crime que se comete contra as mesmas vítimas.

É preciso entender que a tolerância com a tortura praticada supostamente por razões de Estado é um importante combustível para a violência policial que persiste até nossos dias.

No esconderijo dos erros, a justificativa de que a truculência pode ser admissível quando for para combater um “inimigo”.

É assim que os esquadrões da morte que nasceram nos calcanhares da ditadura se perpetuaram como grupos de extermínio. Muitos aplaudem quando eles matam “bandidos” – mas quem não se repugna quando a violência policial atinge uma juíza que se notabilizou por aplicar a lei para puni-los?

O acesso à verdade é um dos componentes da liberdade de expressão.

É difícil levantar o estandarte da liberdade de exprimir um pensamento e ao mesmo tempo coonestar com a ocultação de informações que possam justificá-lo.

Liberdades pela metade costumam apenas servir de álibis para a mera proteção de interesses pessoais.

É preciso passar a limpo esta página infeliz da nossa história justamente para que não se repita.

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