….CPP não resolve criminalização da pobreza….

Entrevista para o Blog do Fred sobre o novo CPP: ceticismo quanto ao maior problema do processo penal, o excesso de prisões provisórias

Semer: Problema é a criminalização da pobreza

O juiz Marcelo Semer, de São Paulo, vê como ponto positivo da reforma do Código de Processo Penal a criação de medidas cautelares alternativas à prisão. Mas tem dúvidas se o novo CPP vai diminuir o número das prisões provisórias.

“O maior problema do sistema penal é sua seletividade e o caráter de criminalização da pobreza”, diz.

Eis sua avaliação:

O Código de Processo Penal de 1941 estava efetivamente defasado, em grande parte em desconformidade com a Constituição Federal e já vinha sendo utilizado com essas considerações.

A questão central de uma mudança de paradigma, é saber fazer o diagnóstico dos problemas. Sem acertar os problemas, difícil resolvê-los.

O maior problema do sistema penal é sua seletividade e o caráter de criminalização da pobreza. Como resultado, uma avalanche de prisões provisórias. A questão é: o novo CPP vai diminuir o montante das prisões provisórias?

Um ponto positivo é a criação de medidas cautelares alternativas à prisão, como prisão domiciliar ou proibição de se aproximar da vítima. A questão é saber se essas medidas vão ser realmente alternativas à prisão ou alternativas à liberdade, como foi a recente edição da lei do monitoramento eletrônico (empregada justamente naqueles que já tinham o direito de sair).

De outro lado, prevê-se um “juiz de garantias” dissociado do juiz do julgamento. A reforma nitidamente se preocupa com casos de grande repercussão, nos quais a perversão não reside tanto na contaminação do juiz da condenação pela atividade investigativa, mas justamente pela imersão do juiz nesta atividade investigativa, que, paradoxalmente, o CPP não restringe.

Para o cotidiano dos casos, porém, juiz de garantias é aquele que aprecia a necessidade da prisão provisória ou a concessão de liberdade provisória, até a denúncia (ou seja, nos primeiros 30 dias). A experiência nos mostra que o juiz que não julga a causa tem maior propensão para manter a prisão cautelar. O resultado deve ser uma prisionalização ainda maior.

De outro lado, sem diminuir a atividade investigativa do juiz, a reforma fragiliza o controle do juiz na produção de provas em audiência. A diminuição desta atividade não evita a perversão do juiz-acusador e restringe a ação dos garantistas.

A aplicação de pena sem processo, que envolve prisão, é um retrocesso. A barganha entre promotor e defensor, condicionada à confissão, esvazia o sentido do processo penal e o reduz a um cálculo. Banaliza a prisão, enfim.

A idéia de um prazo limite para a prisão provisória é salutar, embora a jurisprudência tenha tradicionalmente a propensão de flexibilizá-lo, utilizando-se fundamentos da razoabilidade.

Não há porque presumir que será diferente. O resultado pode ser o inverso, fixando-se a priori um prazo extremamente largo, como é o de seis meses.

A insistência na videoconferência, mesmo depois de uma decisão do STF que aborda sua inconstitucionalidade, parece um equívoco. O mesmo ocorre com a fixação de prisão preventiva pela gravidade do crime, que a jurisprudência do STF tem repelido reiteradamente.

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