….cruzada religiosa combate direitos civis de gays….

Não são eles os primeiros que deveriam se destacar pela defesa do amor, da solidariedade e do abrigo aos mais vulneráveis?

O vereador Carlos Apolinário, ligado à Assembleia de Deus, apresentou proposta para criar em São Paulo, o dia do “orgulho hetero”, levando o projeto para votação às vésperas da Parada Gay.

A Marcha para Jesus virou palco de repúdio à decisão judicial que garantiu a união estável homoafetiva, tendo como principal estandarte que “o verdadeiro Supremo é Deus”.

A deputada Myriam Rios, hoje missionária católica, fez pronunciamento na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro propagando a expressão “orientação sexual pedófila”. Dizia ter medo da proximidade de uma babá lésbica a filhas pequenas ou do assédio de um motorista travesti sobre seus meninos.

Porque a incorporação de direitos civis aos homossexuais está incomodando tanto assim aos ativistas da religião?

Não são eles os primeiros que deveriam se destacar pela defesa do amor, da solidariedade e do abrigo aos mais vulneráveis?

Onde estão as tradicionais preocupações com desigualdades sociais e manifestações de fraternidade?

Há quem diga que os grupos religiosos se sentiram intimidados com a proposta de criminalizar a homofobia.

Paradoxo dos paradoxos, pois a punição do preconceito é justamente o combustível para a liberdade de crença.

Em algum lugar do mundo, membros das mais diversas religiões já sentiram na pele o terror do preconceito e da intolerância. Como reproduzi-lo, então?

Depois da decisão do STF que autorizou a Marcha da Maconha, reconhecendo o legítimo direito à manifestação, muitos disseram em um misto de birra e revolta: se vale defender a maconha, vale falar qualquer coisa. Acabou-se a mística da homofobia.

É uma ideia equivocada.

Como bem explicou o ministro Celso de Mello, em voto primoroso, a liberdade deve ser garantida para expressar os mais diversos pensamentos. Mas nunca para ferir -o Pacto de San José da Costa Rica, que o país subscreveu, exclui do âmbito protetivo da liberdade de expressão todo estímulo ao ódio e ao preconceito.

Propor a legalização da maconha é legal. Dizer que os homossexuais são promíscuos, não.

Reverenciar o “orgulho hetero” também não é o mesmo que fazer uma parada gay -assim como prestigiar a consciência negra não se equipara em louvar o “orgulho branco”, típico dos sites neonazistas.

A diferença que existe entre eles reside na situação de poder e de vulnerabilidade.

Os movimentos negros e gays se organizam pela igualdade e procuram combater a discriminação – o “poder branco”, memória do arianismo, busca exatamente reavivá-la. Não quer igualdade, quer supremacia.

Basta ver que a proposta do “orgulho hetero” se impõe como um resgate da “moral e dos bons costumes”, tal como uma verdadeira cruzada.

Por fim, mas não menos importante, a absurda vinculação entre homossexualidade e pedofilia.

Não é grave apenas pelo que mostra -um profundo desconhecimento da vida. Mas, sobretudo, pelo que esconde.

Jogar o defeito no outro, no diferente, naquilo que não nos pertence, é o primeiro passo para esconder o mal que nos cerca, e assim evitar sua punição.

Em vinte e um anos de judicatura criminal, vi inúmeros padrastos molestaram sexualmente suas enteadas, tios violentarem suas sobrinhas e até mesmo pais condenados por estupros seguidos em meninas de menos de dez anos. Na grande maioria dos casos, os crimes são praticados por heterossexuais.

Não se trata de tara, perversão ou qualquer outro atributo de fundo moralista. É simplesmente violência.

Misturar as estações não é ruim apenas por propagar um preconceito infundado. Mas por nos distanciar do problema e, em consequência, da solução.

Quando um dogma supera as lições que a vida nos traz, quando o apego à filosofia é maior que o amparo a dor, quando até o sempre solidário cerra os punhos, um sinal de alerta se acende.

É preciso relembrar que somos todos humanos.

[conheça as colunas do blogueiro no Terra Magazine]

6 Comentários sobre ….cruzada religiosa combate direitos civis de gays….

  1. Juliana Veiga 29 de junho de 2011 - 16:29 #

    mto bom o texto!

  2. Xad Camomila 29 de junho de 2011 - 23:37 #

    …Enquanto isso, na Sala da Justiça…

    "Juíza de Brasília homologa 1o. casamento lésbico do país".

    A notícia, divulgada ontem à noite, está no Portal Terra, G1, Conjur (e no meu blog, claro! hehehe…).

    Marcelo, também queria dizer o seguinte:

    Seu texto aborda questões mto importantes. Para dialogar com ele, trago uma contribuição de outra área, um outro olhar. É um texto da Lola Aronovich – "A eterna parada dos sem noção"-, publicado no blog da autora. Segue o link:

    http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2011/06/eterna-parada-dos-sem-nocao.html

    Um gde abraço.

  3. Marcelo Semer 30 de junho de 2011 - 02:54 #

    Grato pelo Link. Gosto dos textos da Lola!

  4. Ricardo0813 30 de junho de 2011 - 13:05 #

    Bom dia! Muito coerente seu texto! Embora eu acredite que a intolerância e o preconceito, infelizmente, façam parte da condição humana, cabe à percepção dos bons valores (respeito, tolerância e fraternidade) garantir uma existência harmoniosa; ao menos que se que espera numa socidade pretensa democrática. E nesse sentido, embora católico praticante, discordo dessa atual onda de "secularização do sagrado" e imposição de valores supra-jurídicos restritos a determinados credos. Ao se impor crenças sobre a minoria, na verdade estariamos apenas legitimando uma tirania da maioria e isso não é justo.
    Outrossim, quero crer que esse coro homofóbico não é restrito às bancadas religiosas das diversas casas legislativas; ao que parece estes, por pretexto sagrado, são atores daqueles que por conveniÊncia preferem o silêncio. Resta a pergunta: será que a socidade brasileira está pronta para aceitar e legitimar os direitos civis dos homossexuais(Casamento, União Estável, adoção…)? Eu confesso que não sei a resposta. A única coisa que vejo com bastante receio é o palco dessa discussão qual deveria ocorrer no Legislativo que, afinal, tem legitimidade para debater e decidir sobre o tema e não no Judiciário. Este, com a devida vênia dos seus membros, não tem o condão de humanizar o Direito para inovar ou mesmo contrariar o sentido da norma, sob pena de instabilizar o sistema. Mas, de qualquer sorte, é torcer para que esse debate traga algo conclusivo. Sds.

  5. Anônimo 1 de julho de 2011 - 11:58 #

    Bom dia!
    Realmente, o texto é muito bom, porém vivemos num país livre, no qual cada um tem direito de defender o que acredita, certo??
    Sou evangélica e contra qualquer tipo de preconceito, sou favorável sim ao amor, ao acolhimento independente de qualquer condição,mas apoiar o homossexualismo, já é uma questão que fere o meu pensamento e o ensinamento religioso que tenho. Sou contra violencia, sou afavor de um gay em cargo de liderança se assim o merecer, sou amiga de pessoas homossexuais, mas sou comtra a imposição de uma condição atravéz da lei, não posso apoiar uma união gay simplesmente pela existência de uma lei, não posso falar para meus filhos que é certo, mas posso explicar a eles e defender que, cada um nesce livre e que cada um deve ser respeitado. Porém sou contra o fato de um questionamento religioso causar tanta polêmica,e ser considerado um ato de preconceito, sendo que nossa constituição defende a liberdade, mas que liberdade é essa que só vale no momento p/ um determinado grupo de uma sociedade???
    Espero que ao passar dos anos as pessoas possam entender que os gays, são seres humanos e merecem respeito e espero que essa comunidade entenda que as religiões não seguem moda nem se modernizam, seguimos a bíblia e temos o direito de continuar seguindo a nossa lei,que é muito clara em relação a esse tema, e de expressarmos sim nossa opnião e defendermos o que acreditamos!
    Sou grata pelo espaço e peço perdão caso alguém sinta-se ofendido, não foi a intenção, foi apenas um desabafo!
    Grata ao

  6. Victor Hugo 3 de agosto de 2011 - 02:14 #

    A parte mais engraçada disto tudo, é que quando convém a eles (religiosos), vale a constituição (direito a liberdade de expressão), mas quando não convém é intolerância… affff
    Até quando algumas vertentes religiosas se colocarão a frente da constituição e do direito do próximo?? Até quando vocês acham que a "Igreja" irá reger e nortear as decisões políticas e sociais do nosso país??? Por favor gente não confundam "alhos com bugalhos" um direito não nega o outro, a tal liberdade que vocês falam é inconstitucional independente de crença!