….datena e o populismo penal no poder….

 

Sensacionalismo pretere a estatística na construção da realidade de nosso tempo

 

 

Para que intermediários?

Com a notícia de que o apresentador de TV José Luis Datena está sendo cortejado por diversos partidos para uma candidatura à Prefeitura de São Paulo, entre estes a agremiação do governador, que comanda o Estado há duas décadas, abre-se uma oportunidade real para instalar o populismo penal diretamente no poder.

Datena comanda nos fins de tarde um controverso programa policialesco, que expõe de forma sensacionalista a desgraça humana, rebaixa a dignidade de supostos autores de crime, não julgados, e glorifica a violência policial.

No vizinho Uruguai, seria objeto de proibição; no Brasil, se transforma em um ídolo.

Já faz tempo que o endurecimento penal tem sido um importante instrumento de propaganda eleitoral, a despeito de seu pernicioso legado – como a provável redução da maioridade que promete encher de adolescentes as precárias cadeias.

A depender do Congresso mais conservador desde o fim da ditadura, é de se supor que várias outras medidas regressivas e demagógicas nos aguardem, como a proliferação de crimes hediondos, a nova obsessão do legislador de ibopes.

O populismo penal promete resultados, mas não mede consequências.

É sabedor de que tem muito pouco além do marketing do medo para oferecer. Grandes alterações legislativas, frutos da demagogia na luta contra a impunidade, resultaram em expressivo encarceramento e nenhuma redução de criminalidade.

Ao revés, com o predomínio das facções no interior dos abandonados estabelecimentos penais, o hiper-encarceramento é o maior impulsionador do crime. O fator criminógeno da prisão é conhecido, mas ocultado por quem pretende vender segurança para aqueles que vêm sendo constantemente estimulados a viver com medo.

Datena é, lógico, apenas um símbolo. Como todos os atores do espaço televisivo, representa um personagem em busca de audiência.

Mas, que personagens sejam estimulados a trocar popularidades que dinamizam altíssimas cifras publicitárias pela disputa eleitoral e nesta sejam recebidos com tamanha euforia, é um sinal do quanto o processo vem sendo carcomido pelo ambiente midiático. O que já revelavam acordos nada ideológicos, visando exclusivamente a ampliação do tempo de propaganda e o volume de candidatos que se escondem nos quocientes eleitorais obtidos pelas subcelebridades do entretenimento.

Ratinho, Afanásio Jazadji, Vagner Montes, entre outros, provieram do mesmo espaço de programas populares destinados à violência, que os catapultaram para mandatos parlamentares. O sonho de consumo pode estar subindo para o Executivo.

Em recente artigo, Patrick Mariano nos alertou para o “sadismo que embasa a busca de audiência sem limites” e a depreciação da dignidade humana desses programas policiais, repletos de desgraças e até mesmo execuções transmitidas em horário nobre – bem como a profunda omissão do poder público em estabelecer mecanismos de controle[1].

Os programas buscam audiência a qualquer custo. Mas não apenas isso. A teatralização do crime tem efeitos concretos e bem delineados.

Estudo de Alex Niche Teixeira sobre programas policiais que retratam situações reais de crimes concluiu que: os programas produzem sua própria demanda por mais e mais punição; constroem uma forma de cidadania orientada pela desconfiança e pelo medo; o sucesso corresponde a uma forte tendência de reorientação das políticas penais, as quais configuram um endurecimento da ação punitiva do Estado[2].

O sadismo, a tragédia amplificada, a vitimização diária. A criação do medo é essencial à aceitação do recrudescimento do estado policial.

O rigorismo penal, a violência policial, a diminuição de direitos, tudo depende de um clima de insegurança e temor que não apenas fragilizem os controles do ético, mas admitam os métodos de guerra, supostamente inevitáveis.

O mundo cão diário tem uma função importante na supressão de garantias, no rebaixamento do debate político, na legislação de emergência e, até mesmo, na consolidação de uma jurisprudência do pânico.

Não são raras as decisões que replicam a tese de que “o juiz, homem de seu tempo, atento à realidade dos fatos e ao momento que atravessa, não pode deixar de considerar a importância de suas decisões na contenção da onda de violência que vem se alastrando e de maneira quase incontornável, alarmando a população e intranquilizando as famílias”[3].

Na cobertura midiática, todavia, o sensacionalismo pretere a estatística na construção da realidade de nosso tempo. Basta ver o espaço editorial dispendido com a divulgação de atos infracionais de natureza grave cometidos por adolescentes e sua irrisória proporção no mundo real – tudo com decisivos impactos nas pesquisas de opinião.

Não é possível ignorar a convergência de interesses que esse engrandecimento da violência provoca.

O fortalecimento do Estado policial corresponde ao sepultamento do já combatido Estado social. Os excluídos são cada vez mais casos de polícia. O Estado precisa ser grande no direito penal para que possa seguir mínimo no social, objeto de desejo dos pensadores do novo liberalismo e dos interesses das grandes corporações, incluindo-se aí as midiáticas.

Cada incentivo ao populismo penal, cada avanço do Estado policial, com mais rigor, mais pena, mais prisões antes da condenação e, enfim, mais mortes derivadas de falsos confrontos, representam um degrau abaixo na etapa civilizatória. Assim como os brados constantes por prisão perpétua, pena de morte, castração química, torturas e outras tantas atrocidades que povoam esses programas.

Pouco se pode dizer sobre a ideologia, a militância ou os conhecimentos do jornalista.

Mas o símbolo que um personagem apresentador candidato representa é a junção de duas grandes perversões: a supremacia político-eleitoral da mídia e a retórica populista e criminalizadora que a acompanha.

REFERÊNCIAS
[1] “O estado islâmico é Aqui e Agora”, http://justificando.com/2015/07/17/o-estado-islamico-e-aqui-e-agora/
[2] “Televisão, hipercrimes e violência na modernidade tardia” in Violência e Cidadania, Práticas Sociológicas e Compromissos Sociais”, editado pela UFRGS e Ed. Sulina, organizado por José Vicente Tavares dos Santos, Alex Niche Teixeira e Maurício Russo, 2011
[3] HC 65501/SP-STF, rel. Aldir Passarinho, 22. Set. 1987 (RTJ 123).

[publicado originalmente na Coluna Contra Correntes do site Justificando]

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