Avanço da privatização e terceirização de serviços públicos podem fazer a campanha eleitoral retomar o debate dos anos 90; em questão, as funções e os limites do Estado
A disputa eleitoral pode propiciar um segundo round de privatizações, repetindo, de certa forma, os debates que permearam as eleições dos anos 90.
Naquela época, as privatizações estavam sendo dirigidas, sobretudo, às empresas públicas.
Hoje, no entanto, são os serviços que estão na mira dos novos ou velhos liberais.
Enquanto se critica o fato de que as contratações e salários de funcionários incharam as folhas de pagamento da União, a partir do segundo mandato do presidente Lula, com expansão das carreiras públicas, as experiências paulistas, capitaneadas por Serra, em sentido contrário, são todas focadas na privatização de serviços – o que tem levantado, inclusive, uma série de controvérsias jurídicas.
Está na pauta do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, ação declaratória de inconstitucionalidade da lei das organizações sociais.
As OSs se traduzem hoje na peça de resistência da privatização do serviço de saúde em São Paulo.
Parte considerável de hospitais e postos de atendimento estão sendo transferidos para a administração das organizações sociais, que representam alguns dos maiores hospitais particulares do Estado.
O que se discute no STF hoje é a forma pela qual as organizações sociais são remuneradas por dinheiro público, mas, ao mesmo tempo, dispensadas de realizar concursos para contratar funcionários e licitações para obras ou aquisição de materiais.
Essa sublocação, que também envolve serviços e mão-de-obra, se assemelha à terceirização, que tem enchido os olhos do poder público do Estado em vários setores.
A mais recente controvérsia tem se dado no ensino superior, um dos poucos campos na área de educação em que o setor público é melhor avaliado do que o privado.
A USP tem apresentado altíssimos índices de funcionários terceirizados, contratados sem concurso e com salários mais reduzidos. Seu reitor, João Grandino Rodas, se apresenta, ainda, como incentivador do novo mecenato, capaz de atrair investimentos privados para a educação superior.
Na Faculdade de Direito, onde foi diretor, Rodas já havia causado polêmica aceitando recursos de um famoso escritório de advocacia e de um banco para a reforma de duas salas, mas não conseguiu que a comunidade do Largo de São Francisco aceitasse que as dependências fossem batizadas com os nomes de seus mecenas.
Serra avançou ainda, no ano passado, sobre uma das mais antigas atividades estatais, a cobrança de impostos.
Com projeto que aprovou na Assembléia Legislativa, abriu caminho para estabelecer a negociação bancária de créditos tributários e se chocou de frente com os procuradores do Estado, responsáveis legalmente pela cobrança da dívida ativa.
A chamada securitização foi especialmente montada por um banco de investimentos e, se superados os vários questionamentos jurídicos, permitirá ao governo antecipar dez anos de recebimentos de créditos com deságios, e aos bancos transacionarem as dívidas cuja cobrança sempre foi de natureza pública.
O debate da privatização de serviços públicos, contudo, não deve parar por aí.
A recente legislação federal do rastreamento à distância de condenados, por intermédio das tornozeleiras eletrônicas, pode acabar abrindo espaço, inclusive, para privatizações no sistema penitenciário.
Como já discuti neste mesmo espaço, as tornozeleiras não vão diminuir número de presos ou reduzir gastos, porque aplicadas justamente a quem já têm autorização para cumprir a pena ou parte dela em liberdade.
Mas o rastreamento abrirá definitivamente o nicho da segurança pública para a iniciativa privada.
Saúde, educação, cobrança de tributos, segurança pública.
Todos serviços historicamente tidos como essenciais, estão agora entrando na mira das privatizações.
Na eleição presidencial passada, o candidato de oposição, coincidentemente também governador de São Paulo como Serra, preferiu evitar o debate da privatização, que lhe havia sido ardilosamente proposto por Lula, porque as empresas privatizáveis eram aquelas de maior apreço social.
Alckmin teve de desmentir por várias vezes, mesmo sem tê-lo demonstrado, o interesse em vender o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás.
Mas é bem possível que nesse ano, o tema das novas formas de privatizações acabe por retornar às campanhas eleitorais, justamente porque é um dos aspectos mais visíveis de contraposição dos programas partidários.
Pois se na esfera da macroeconomia, as distinções entre os últimos governos são mínimas, permitindo que Lula recrutasse no partido do oponente seu presidente do Banco Central, e com ele a mecânica das taxas de juros, das metas de inflação e do controle do câmbio, na concepção do Estado, seu tamanho, funções e limites, as diferenças entre os candidatos provavelmente se revelarão mais significativas.
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