O legislador costuma se aproveitar do espetáculo para prometer uma segurança que o direito penal não é capaz de dar
Não será surpresa se na onda do noticiário dos crimes de repercussão que nos cercam, o homicídio de Eliza Samudio, o serial killer carioca, ou o trágico atropelamento do filho de Cissa Guimarães, parlamentares resolvam propor medidas para endurecer as leis penais ou alterar de uma forma ou de outra as normas do processo.
Alguns a chamam de legislação da emergência, outros, legislação do espetáculo. Mas a tônica de mudar as leis de acordo com a repercussão midiática dos crimes, já se tornou uma prática constante no Congresso Nacional.
Foi assim depois do seqüestro do empresário Abílio Diniz, que acabou por desaguar na elaboração, de forma rápida e atabalhoada, da lei dos crimes hediondos.
O assassinato de Daniela Perez motivou campanha empreendida pela mãe, a novelista Glória Perez, que culminou pela introdução na mesma lei, da figura do homicídio qualificado, que os deputados haviam esquecido.
E anos depois, após um escândalo de falsificação de remédios, amplamente divulgado numa reportagem de TV, a adulteração de medicamentos também passou a integrar o rol destes crimes hediondos.
Produzida assim sob a égide da emoção, e na ânsia de servir como uma resposta pública e imediata, a legislação penal muitas vezes premia excessos e incorpora equívocos, que custam a ser retificados.
O exagero marcou, por exemplo, a própria lei dos crimes hediondos, corrigido anos depois pelo STF, que reputou parte de seu texto inconstitucional. O aumento de pena para falsificação de produtos médicos acabou gerando uma sanção mínima de dez anos de reclusão também aplicáveis a adulteração de cosméticos.
Como se sabe, até as minúcias, os detalhes mais sórdidos e as impressões e sentimentos das partes envolvidas, são exploradas à exaustão pela imprensa nos crimes famosos, a ponto de nos sentirmos quase íntimos, e por isso mesmo também vítimas, destes delitos.
E o legislador tem usado o direito penal para vender uma ilusão de segurança, de modo a aquietar os ânimos da sociedade, perturbada com as notícias dos crimes.
Mas o direito penal não vai muito além desta falsa ilusão.
Para combater o crescimento das extorsões mediante seqüestro, a lei dos crimes hediondos, por exemplo, tornou o tratamento ao crime bem mais severo.
Mas como aconteceu com outros delitos previstos na mesma lei, o volume de seqüestros foi muito mais expressivo depois do que havia sido antes dela.
A intimidação da pena mais severa em nada diminuiu a incidência dos crimes.
O crescimento do seqüestro tinha menos a ver com o tamanho da pena cominada ao crime, do que com a constatação de que a competência da ação policial, ou a proteção mais eficaz das vítimas, acaba por promover migrações na própria delinquência.
A maior proteção das agências bancárias, com segurança privada e portas com detectores de metal, provavelmente fez com que diminuíssem enormemente os roubos a bancos e aumentassem, ao mesmo tempo, os ataques aos carros-fortes. A maior segurança do transporte de dinheiro, então, com a proliferação das escoltas armadas, por sua vez, deve ter causado a redução destas abordagens e o aumento, quase concomitante, de assaltos a condomínios de luxo.
Ficar sucessivamente aumentando a pena dos crimes da moda têm pouca ou quase nenhuma influência na redução da criminalidade. Ao revés, o aumento das prisões apenas provocou o crescimento vertiginoso das facções criminosas nos presídios.
Mas o estímulo a esta ilusão se segurança, pode ser proveitosa para outros fins.
O holandês Louk Houlsman, um ácido crítico do gigantismo penal, costumava lembrar que todas as leis, nos parlamentos europeus, deviam explicitar os recursos empregados para sua efetivação, menos as leis penais. E assim, durante as crises econômicas, as leis penais serviam para adiar as despesas.
O direito penal serve bem a este exercício de diversionismo.
Veja-se o caso da chamada Lei Seca.
A discussão no Congresso estava centrada no projeto 2733/08, que reduzia o volume de álcool para a caracterização de bebida alcoólica, limitando, por conseqüência, os horários da publicidade de marcas de cerveja na televisão.
A ideia era, sobretudo, reduzir a incidência da propaganda (sempre associada a valores fortemente positivos, como alegria, bravura, vitória, charme) entre crianças e adolescentes, na tentativa de retardar o início do consumo de álcool.
A cerveja é, como se sabe, carro-chefe das programações esportivas, muito assistidas por jovens.
O Congresso não teve disposição ou coragem de mexer com a gama de interesses econômicos, carregada pelos anúncios e o projeto de lei não foi aprovado.
Mas para evitar a acusação de leniência com o consumo de álcool e seus danosos efeitos, em especial no trânsito, elaborou-se a toque de caixa uma legislação supostamente rigorosa para aumentar sensivelmente a punição pela direção embriagada.
O limite para a consideração da embriaguez baixou e foi expressamente inserido no texto da lei. Bafômetros passaram a ser empregados cotidianamente.
Na área penal, no entanto, o resultado foi simplesmente desastroso.
Como o nível de álcool passou a figurar no texto da lei, os juízes agora dependem de exames periciais para a configuração do crime.
Já que por previsão constitucional ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, a direção embriagada praticamente deixou de existir nos tribunais.
Seja pelos excessos produzidos pela demagogia, seja pelas incorreções derivadas da ansiedade, legislar sob o estímulo da emoção em regra não é proveitoso, especialmente no âmbito penal.
[consulte as colunas do blogueiro, no Terra Magazine]
parabéns pelo texto, muito bem escrito.
Se mudarmos o enfoque de "direitos" para "deveres", possivelmente depois de algumas décadas estaremos comtemplando situação de equilíbrio. "Nunca dantes neste país, se falou tanto em "direitos"", … se não sabemos ou não respeitamos os deveres, como saber sobre direitos !!!!!!!!!!!!!!!