Mas não estão sozinhos no silêncio da verdade
Em plena vigência da lei de acesso à informação e diante de requisições da Comissão Nacional da Verdade, o comandante do Exército proibiu que unidades militares fornecessem informações sobre crimes na época da ditadura.
A recomendação foi descoberta pelo Ministério Público Federal com a recusa de informações requisitadas ao Hospital Central do Exército, segundo informou o jornal Folha de S. Paulo, que transcreveu parte do documento: “A respeito do assunto, informo a esse comando que pedidos/requisições de documentos realizados pelo Poder Executivo, Poder Legislativo, Ministério Público, Defensoria Pública e missivistas que tenham relação ao período de 1964 a 1985 serão respondidos, exclusivamente, por intermédio do gabinete do comandante do Exército”.
A recusa está longe de ser a primeira manifestação militar que oculta ou obstaculiza a recuperação da memória dos anos de chumbo.
A própria criação da Comissão da Verdade foi bombardeada por anos a fio por líderes militares e, também em razão disso, enfraquecida em suas competências.
Perdem, assim, os militares de hoje, e os que costumeiramente brandem pela ordem e pela disciplina, a chance de que o país possa conhecer os malfeitos e seus malfeitores, distinguir os excessos, responsabilizar aqueles que tenham infringido as leis, até para que a culpa não recaia sobre a própria instituição.
Mas se é patente a má vontade dos militares em descortinar as verdades da ditadura, o certo é que não estão sozinhos nesta empreitada pela omissão da verdade.
A grande imprensa, em sua predominância, fez carga contra um suposto revanchismo e, a despeito da propalada profissão de fé na liberdade de expressão, da qual o acesso à informação é um dos pilares, também combateu fortemente a criação da comissão da verdade.
O Judiciário, a seu turno, representa hoje o obstáculo mais concreto à responsabilização dos crimes da ditadura.
Embora com posicionamentos e decisões nem sempre coincidentes, o que é da essência da jurisdição, tem predominado a tese de que a Lei da Anistia veda qualquer tipo de responsabilização criminal –extraída de um acórdão do STF em 2010, julgando ação promovida pela OAB.
Decisão posterior da Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou a impossibilidade da arguição de autoanistia, e também da prescrição, para evitar julgamento de crimes contra a humanidade.
A sentença já teve reflexo em decisões das primeiras instâncias, que acolheram denúncias contra torturadores, mas ainda não foi discutida pelo STF.
Nesta semana, todavia, a ministra Nancy Andrighi do STJ foi além do acórdão do Supremo, acolhendo recurso do coronel Brilhante Ustra, reconhecido como torturador em uma ação cível.
O processo, movido pelos familiares de suas vítimas, postulava apenas e tão-somente o caráter declaratório e havia sido acolhido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Segundo a ministra Andrighi, no julgamento que ainda não terminou, a Lei da Anistia “foi uma benção para o país, na medida em que nos desarmou, nos libertando das amarras da vingança” e afirmou que a eternização dos conflitos “traz efeito pernicioso à pacificação nacional pretendido com o fim do regime militar”.
Embora surpreendente por ampliar a anistia ao simples reconhecimento da condição de torturador no âmbito civil, o raciocínio da ministra não difere muito daquele proferido pela ex-ministra Ellen Gracie no julgamento do STF: “A anistia foi o preço que a sociedade pagou para acelerar o processo de redemocratização”.
O problema é reconhecer que, enfim, nós podemos ter pago o preço duas vezes. A primeira, por ficar vinte anos sem democracia; a segunda, para esquecer os crimes de quem nos oprimiu, sob pena de não voltarmos jamais a ela.
Difícil crer que analisando situação similar a esta, em outros contextos, os juízes não identificassem alguma forma de extorsão
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