A ideia que deputados tenham cota do orçamento para distribuir a currais eleitorais é a mais pura expressão do patrimonialismo e da fisiologia
O recente escândalo na Assembleia Legislativa de São Paulo nos dá oportunidade de perceber o absurdo das emendas parlamentares.
O deputado Roque Barbieri (PTB) declarou em entrevista que cerca de um terço dos deputados estaduais vende suas emendas, recebendo em troca, percentuais dos valores reservados para as respectivas obras.
O também deputado Bruno Covas (PSDB), atualmente secretário do Meio Ambiente do governo Alckmin, chegou a admitir ter sido procurado por um prefeito, que lhe ofereceu 10% do valor que o Município receberia.
Soube-se, então, por intermédio de reportagens do jornal O Estado de S. Paulo, que a origem e destinação das emendas da assembleia paulista não eram tornadas públicas e, quando o foram, em razão do episódio, mostraram alguns deputados que apadrinhavam obras de lugares de onde jamais receberam votos. Isso só aumentou a suspeita sobre a negociação das emendas.
O jornal apurou, ainda, que até mesmo deputados federais paulistas tinham, por vias transversas, acesso a essas emendas.
Roque Barbieri já ficou conhecido como o ‘Roberto Jefferson’ da Assembleia Legislativa, referência ao deputado federal que em entrevista-bomba denunciou a existência de mensalão na Câmara dos Deputados.
Mas, em São Paulo, dificilmente a questão resultará na abertura de uma CPI, pela forte resistência do bloco governista, amplamente majoritário na casa.
Independente da veracidade ou não da negociata das emendas parlamentares, é preciso entender que a perversão reside na própria existência delas.
A ideia de que deputados tenham uma cota do orçamento para distribuir a seus currais eleitorais é a mais pura expressão do patrimonialismo e da fisiologia.
O dinheiro do orçamento, o conjunto dos gastos públicos, deve ser dirigido a obras prioritárias, construções e serviços que mais demandam a intervenção do poder público. E não necessariamente aos lugares mais bem representados, mais providos de deputados ou senadores.
Que os parlamentares possam fazer parte das escolhas do orçamento, compartilhando as responsabilidades com o governo, é aceitável. Afinal, a eleição das prioridades é também um atributo da política.
Mas daí a que sejam agraciados com cotas apadrinhadas às suas bases vai uma enorme distância.
Deputados mantêm rincões eleitorais com favorecimentos às suas cidades e são continuamente reeleitos também em razão das verbas que conseguem destinar a elas. Cria-se um círculo vicioso que na verdade os reduzem, na melhor das hipóteses, à condição de despachantes.
Mas e as cidades que não elegeram parlamentares, como fazem?
As denúncias do deputado Barbieri e as reportagens do Estadão oferecem uma pista.
O problema das emendas parlamentares não é apenas paulista, tampouco federal.
É a própria estrutura que em si alimenta a formação de coronéis locais, estimula a distribuição de verbas como favores e instaura a negociação privada do interesse público.
Quando a verba estatal é endereçada a uma cidade com o carimbo de um deputado, pode-se ter a impressão que é ele e não o município que merece a atenção dos governos.
A coisa pública e as causas políticas, todavia, devem estar acima do critério da pessoalidade, no contexto de uma democracia republicana.
É preciso empregar a energia da indignação contra a corrupção e alterar as estruturas viciadas e não desperdiçá-la para apenas alavancar a luta partidária.
Porque se o sistema é em si desigual e fisiológico, se é suscetível ou permeável ao patrimonialismo, não tenhamos ilusões. Todos se aproveitarão dele.
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