….estado policial e redução da maioridade: conversa no Quintal Amêndola…..

 

Premissas falsas estimulam crescimento do estado policial e as propostas de redução da maioridade

 

Em  17 de junho, estive no acolhedor espaço do Quintal Amêndola para uma conversa sobre o crescimento do estado policial e a redução da maioridade penal.

 

Saudei o novo espaço de palestras, cursos e debates, que nasce da ideia das primas Daniela e Tatiana Amêndola, como uma importante retomada do diálogo, tão ausente nos dias atuais. Desde um Congresso que faz tudo, menos parlamentar, até uma sociedade permeada pela intolerância, que não quer ouvir o outro, nem deixa-lo falar.

 

Sobre o tema, seguem as anotações da exposição (que pode ser conferida, na íntegra, no vídeo acima).

 

Parti da falsa premissa que alimenta o vertiginoso crescimento do estado policial: a ideia de um país de impunidade.

 

O Brasil é um país que prende muito (ultrapassou recentemente a marca de 600.000 presos e é um dos que mais cresce no mundo). O Mapa do Encarceramento estima um crescimento de 74% em prisões no intervalo de 7 anos, cerca de dez vezes o aumento populacional.

 

Prende rápido, pois cerca de 40% dos presos ainda não tem sentença definitiva (e, segundo o IPEA, 37% destes serão soltos ao serem julgados), desmistificando a ideia de que a polícia prende e o juiz solta. Neste campo, o sensacionalismo sufoca estatística

 

Prende mal, no sentido de que a seletividade é escancarada,

seja na escolha dos crimes e definição das penas (nos quais a tutela da propriedade se mostra sempre mais relevante) seja nas fiscalização e da repressão. Não á toa, o último censo penitenciário aponta 60% de presos sem ensino fundamental completo; 50% com idade inferior a 30 anos, 60% entre negros e pardos. Há nichos de impunidade, efetivamente; curiosamente, o maior deles, o da violência policial, permanece intacto em todas as reformas.

Prende de forma desumana, pois a infringência da lei que justifica a prisão deixa de ser importante na execução penal. Mapa do Encarceramento aponta uma média nacional de pelo menos 70% de superlotação (em alguns, 400%)

E, em razão, de tudo isso, ou seja de QUANTO se prende, de QUANDO se prende, de QUEM se prende e de COMO se prende, o que temos hoje é mais do que o crime que gera prisão, é a prisão que gera mais crime. Taxas de reincidência são altíssimas (maiores ainda quando a pena anterior é cumprida em estabelecimento prisional), inclusive pela proximidade e submissão dos presos às facções criminosas.

O rigor penal da LCH, por exemplo, só representou um crescimento no encarceramento e o fortalecimento das facções, que aumentou a criminalidade

Em resumo, o direito penal funciona como um dano reverso: quanto mais usa, mais dá prejuízo.

Ainda assim, continua como o único produto que quando mais falha, mais ganha prestígio.

Nesse quadro pre-falimentar do sistema penitenciário e do insucesso do direito penal que se pretende reduzir a maioridade, ou seja, numa canoa que tem dificuldade de se manter navegando, lotá-la ainda mais.

 

As premissas da redução da maioridade penal também são falsas.

 

Não é crível a tese de que “se punir, o crime diminui”; pois sendo assim não haveria crime entre os já imputáveis. É uma ideia gerencial de quem não entende que o crime envolve um esgarcamento do tecido social e familiar

Não sabemos exatamente o que leva ao crime, mas sabemos que a pena de prisão leva ainda mais ao crime. Taxas de reincidência são maiores

Tributo às facções envolvem muitos presos Ruptura do tecido é muito maior depois da prisão: quem contrata egresso? [estigmatização é muito grande]

 

Tendência é chegar no oposto: quanto mais punir, mais crime vai acontecer

 

Premissa errada, ademais, de que não há punição aos jovens. O mapa do encarceramento também estimou em 100 adolescente em restrição de liberdade por 100.000 habitantes; e o crescimento foi de 5% apenas no último ano (bem mais do que natalidade).

 

Sem esquecer que internação é muitas vezes pior que prisão; há certas garantias processuais que os adolescentes não tem; tem medidas mais curtas em certos crimes; as vezes mais longas em outros, mas sofrem muito mais violências na instituição.

 

Não se deve confundir sensacionalismo com estatística. Adolescentes são muito mais vítimas de crimes violentos que autores, mas imprensa seleciona um e repete ad nauseam. Grande apoio à redução vem de quem estima que crime de adolescentes crescem e são grande

 

Ao adentrar no penal, nos desistimos do social; ao invés de cuidar é mais simples estipular punição. Normalmente, como já ensinava Louk Hulsman: leis penais admitem adiar gastos.

 

A tendência, ademais, é diminuir a proteção. Modernidade tem se marcado pela proteção de crianças e adolescentes. Protege patrimônio (proibindo que contrate); tutela com penas maiores crimes cometidos contra ele (penal); impede condutas nocivas (trabalho infantil) e perigosas (como beber e dirigir). Reconhece o processo de amadurecimento.

Tratar jovem como adulto significa também deixar de protegê-lo.

 

Municiar facções criminosas com jovens ousados e com pouco a perder é apagar fogo com querosene

 

Por fim, as questões jurídicas: maioridade penal é cláusula pétrea, ademais da proibição do retrocesso.

 

Pitagoras sugeria ensinar as crianças para não punir os adultos. O momento atual é de ensinar os adultos para não punir as crianças

 

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