Advogado público é advogado do próprio Estado, não do governo. Não tem obrigação de concordar com qualquer ato do governante e muito menos em servir de álibi para a corrupção
O prefeito Gilberto Kassab está com os bens bloqueados pela Justiça, após ter descumprido orientação de sua pasta jurídica. Ressuscitou um antigo contrato, com empresa condenada por improbidade, para fazer o tal controle ambiental dos veículos.
José Roberto Arruda, ex-governador de Brasília, chegou a ser preso por denúncias de corrupção no chamado “mensalão do DEM”. O dinheiro ilícito teria vindo de uma contratação que descumpria parecer de sua própria procuradoria.
Está mais do que na hora de fortalecer as procuradorias que representam o primeiro controle de legalidade dentro das administrações.
A Constituição de 1988 fez o Ministério Público crescer e ganhar plena autonomia. O resultado foi extremamente positivo, principalmente para a defesa da probidade administrativa.
Só teremos a ganhar se processo similar for empreendido com os órgãos da advocacia pública, que também lutam no Congresso por autonomia e fortalecimento.
O projeto de emenda constitucional que prevê a autonomia, reduzindo a dependência de chefes do Executivo, está parado em Brasília, justamente pela oposição dos governadores e prefeitos. Estes não querem o crescimento incômodo de agentes públicos que estejam aptos a controlar de forma mais incisiva as irregularidades em licitações, contratos e outras obras públicas.
É importante compreender, todavia, que a advocacia pública, que congrega advocacia da União e procuradorias dos Estados e Municípios, é uma carreira típica de Estado.
O advogado público é, sobretudo, um advogado do próprio Estado, não do governo.
Tem responsabilidades que o impedem de simplesmente concordar com qualquer ato do governante e não têm obrigação de defendê-lo de desvios do nosso dinheiro, muito menos em servir de álibi para a corrupção.
Representa, assim, um importante papel na delimitação de meios legítimos para a administração.
A indignação contra a corrupção não deve ser desperdiçada nos escaninhos da luta partidária, pois já percebemos que deste mal padecem políticos dos mais variados partidos, que se revelam no poder.
A repulsa deve ser canalizada para a construção de mecanismos que inviabilizem ou ao menos dificultem a apropriação privada de bens públicos. Em resumo, que diminuam as oportunidades e as ocasiões que, segundo o dito popular, são ótimas para criar ladrões.
Fortalecer a advocacia pública com autonomia gerencial pode ter ainda um outro efeito positivo.
É comum que os governos se utilizem das demandas judiciais apenas para atrasar pagamentos. O expressivo volume de precatórios a serem quitados por débitos antiquíssimos é um forte exemplo das dívidas roladas indefinidamente.
Uma maior competência para os advogados públicos seria interessante também para evitar o exagero de recursos inócuos e meramente protelatórios. Com o amplo conhecimento da jurisprudência que detêm, os advogados poderiam evitar prosseguir em demandas cujo resultado já conhecem de antemão.
Ou mesmo, ter autorização para que possam realizar acordos em processos de pequenas causas. A justiça como um todo sairia ganhando.
É preciso ainda pensar em mecanismos que possam atribuir maior força aos pareceres jurídicos, de modo que pelo menos a atenção dos órgãos de controle seja despertada quando os governos os desprezarem.
Não faz sentido construir uma carreira de profissionais altamente especializados, para que os governos simplesmente ignorem, sem quaisquer sanções, suas recomendações.
Em boa parte dos casos, como já estão percebendo os membros do Ministério Público, é por aí que costumam ser abertos os tortuosos caminhos da ilegalidade e da corrupção.
Exato. Perfeito. O primeiro e principal respaldo para a preservação da ordem jurídica e dos fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito, dada a atual organização político-jurídico-administrativa, é a Advocacia Pública (em todas as esferas da federação – Municipal, Estadual e Federal). Há que se concluir o trabalho iniciado pelo constituinte de 1988.