Policiamento não tem natureza militar. Hierarquia e disciplina não tem evitado distorções nem mesmo a forte articulação sindical.
Entre as várias discussões que a greve das PMs vai levantar, uma delas certamente será a desmilitarização da segurança.
Apesar de décadas acostumados ao trato e às posturas militares, em algum momento voltaremos à questão central: o policiamento é essencialmente uma atividade de natureza civil.
Nada há de militar no ato de policiar, seja ele ostensivo ou investigatório.
A dinâmica militar tem como princípio a defesa bélica do país, diante de seus inimigos, em estratégias de guerra e defesa territorial. Não a de proteger direitos de cidadãos violados ou ameaçados por conterrâneos.
Essa lógica enviesada que os anos de ditadura nos fizeram crer como natural já não resiste sequer a argumentos circunstanciais.
Muito além do controle estrito que se poderia esperar de uma tropa forjada na disciplina, as Polícias Militares têm demonstrado um alto índice de violência. Chegam a ser responsáveis por quase 1/5 dos homicídios no país, sem contar a proliferação de corpos encobertos por autos de resistência.
Como exemplos dos grandes centros têm nos mostrado, nem a hierarquia militar nem a formação em quartéis impedem a promiscuidade de vários de seus agentes com o crime organizado.
E apesar de todas as proibições legais e constitucionais, fundadas justamente no caráter militar, os PMs se mostraram muito mais articulados sindicalmente do que outros funcionários sobre os quais não recaem tantas vedações.
Do quê, afinal, o militarismo da polícia tem nos salvado?
A formação militar é pouco permeável às aparas cotidianas de uma democracia, como manifestações de movimentos estudantis ou sociais.
Grupos de extermínio ou milícias têm nascido dentro de seus quadros, sem que os comandos, por mais rigorosos que sejam, consigam evitar. A ideia de criação de pequenos exércitos locais, que é base da noção de polícia militar, mais estimula do que repele o nascimento de tais esquadrões.
A incipiência dos salários, por sua vez, jogou parcelas significativas da carreira na prática de “bicos” no setor privado, produzindo uma contraditória terceirização da segurança levada a efeito pelos próprios agentes do Estado.
Por fim, a divisão das polícias só alimenta conflitos internos, com corporativismos que não raro se enfrentam.
O saudoso Mário Covas, que estava longe de ser um revolucionário ou anarquista, começou seu governo em São Paulo propondo justamente a integração das polícias como primeiro passo para a unificação.
Com o tempo, todavia, o tema foi alojado entre aqueles entulhos autoritários que mandamos para debaixo do tapete.
A militarização da polícia foi levada ao paroxismo com a criação de uma justiça própria para julgar policiais e bombeiros. Depois do episódio do Carandiru, a competência para apurar homicídios por eles praticados, por motivos óbvios, foi excluída da Justiça Militar.
A desmilitarização não resolveria todos os problemas.
Continuaria sendo inaceitável, dentro de um estado democrático, qualquer tipo de manifestação armada, por mais justas que sejam suas reivindicações.
Mas, além de coerente com a democracia, ela impediria que essa articulação nacional, que vem se revelando desde a greve da Bahia, desemboque em uma delicada questão militar, como outras que já embaralharam nossa história política.
Os experientes e preparados policiais, que formam a maioria do corpo, certamente saberão exercer suas funções sob a disciplina civil.
Continua sendo um paradoxo, todavia, que os PMs sejam tratados como essenciais apenas nos deveres, não na remuneração, caso de outros profissionais como os área da saúde e da educação.
Pouco a pouco os servidores compreenderão a necessidade de concentrar esforços na discussão dos orçamentos, onde se elegem as prioridades e se reparte o bolo.
Quem sabe nessa hora possamos discutir ao mesmo tempo dos reajustes, o custo das emendas parlamentares ou o dinheiro desperdiçado na comunicação, quando pagamos aos governos para que façam propaganda para nós mesmos.
Entendo vosso possicionamento e concordo em partes, porém quanto desmilitarização, me parece que teria que realizar a união da Polícia Judiciária Civil com a Polícia Militar, gostaria de saber em vossa opinião como ficariam os ocupantes dos diferentes postos nas duas instituições como agentes de polícia, investigador, escrivão, perítos, datiloscopista com os praças e os oficiais e do que seria a carreira dos Delegados?WAY
Perfeito, Dr. Marcelo Semer. Não podemos viver em plena democracia com um modelo de segurança pública idealizado na época da ditadura militar.
A desmilitarização da segurança pública no Brasil é mais do urgente e os últimos acontecimentos, como a greve de policiais militares da Bahia, vem demonstrando essa necessidade.
Ilmº. Sr. Marcelo Cemer, a Constituição brasileira pode ser alterada através de emenda parlamentar, como já fizeram tantas vezes, no caso de desmilitarização das polícias, não seria diferente, só basta querer, já chega em dizerem que policia e bombeiros são militares, não sei como acharam essa brecha em titular policiais como militares, a força militar subtende-se as forças que defendem a soberania nacional, como em alguns países, são os guardiães da nação, não tem nada haver com polícia, isso foi ideia da Ditadura para não sair totalmente do regime, deixando os tentáculos.
É evidente que a polícia existente nos estados é arcaica e ineficaz; esse fato só melhorará quando se pensar a segurança pública separada dos interesses político-partidários.
O problema não reside apenas na militarização, mas na manutenção de uma polícia fracionada, mal formada e pessimamente remunerada.
A melhoria das PMs passa pelo fim visão romana de exército do imperador em que o executivo local manda ilimitadamente e o governo federal não interfere positivamente.
Não existe real interesse dos governates em desmilitarizar a polícia militar. Alguém acha que os governantes iriam perder uma "força armada" que os protegem dos seus mandos e demandos e de suas ingerências e falsas promessas? Quando não cumprem com seus "acordos" junto a servidores/trabalhadores na sociedade, eles se "sitiam em seus palácios sob a guarda "insatisfeita" da polícia militar que por força de um regulamento "descabido e arcaico" para a atual democracia, se limitam a obedecê-los, e não poucas vezes são(PM) utilizados com toda a força contra seus próprios compatriotas. O militar é treinado para utilizar-se de qualquer meio ou recurso para atingir seu objetivo na defesa da pátria, não existem regras na guerra, matar é uma opção. Na segurança pública esses valores não se coadunam com a democracia, dignidade humana e defesa da manuntenção da ordem pública.
Semer: parabens para sua (eufemismo!) lucidez no trato com a questao, e se lida com calma, mesmo por radicais que se (con)torcem quando escutam a proposta (sem nem se informar sobre o que a ONU realmente quis dizer), tem solidez coerente.