….invasão corinthiana….

Livro relata invasão épica da torcida corinthiana ao Rio em 76

Que time de futebol seria capaz de celebrar, trinta e cinco anos depois, o jogo de um campeonato que acabou perdendo?

Só quem tenha a fidelidade e dedicação de seus torcedores como os principais títulos.

Wladimir, o jogador que mais vestiu a camisa na história do clube, sintetizou esse espírito em uma frase: “Todo time tem uma torcida, o Corinthians é uma torcida que tem um time”.

O depoimento está em “A Invasão Corinthiana” (LF Editorial), de Igor Ojeda e Tatiana Merlino, que, em um verdadeiro trabalho de fôlego, mas nem por isso desapaixonado, produziram impecável reconstrução histórica de um dos mais marcantes jogos do Corinthians: a semifinal com o Fluminense, no Campeonato Brasileiro em 1976. Ou, como explica o subtítulo da
obra: “O dia em que a fiel tomou o Rio de Janeiro para ver seu time no maior estádio do mundo”.

Mais de setenta mil torcedores viajaram para a Cidade Maravilhosa e ocuparam as arquibancadas do estádio, em vantagem sobre a torcida local, numa movimentação de público que até então não se tinha visto antes no país. E tampouco se viu depois.

Embora a onda corinthiana fosse perceptível desde o início da semana, diante do frenético aumento nas locações de ônibus, no volume de aquisição das passagens e na própria venda antecipada dos ingressos, a multidão alvinegra tomando arquibancadas cariocas como se fosse um jogo em casa, surpreendeu a todos, inclusive e principalmente, aos próprios jogadores.

Zé Maria, o capitão do time, encabeçou a fila ao entrar em campo e foi buscar o canto da torcida do Corinthians para saudá-la. Mas não havia canto algum: “A gente subiu, olhou e viu que metade do anel superior era corinthiano… Parecia que a gente estava entrando no Morumbi”.

Um casal de Pirituba ‘grávido’ do primeiro filho, um grande grupo de metalúrgicos da Massey Fergusson, motoqueiros do “Café Concerto”, um jovem ativista ainda na clandestinidade, em plena ditadura militar. O livro acompanha a história de vários torcedores que viveram
intensamente e, cada qual a seu modo, esse momento histórico.

Sem perder a emoção, os autores realizaram um detalhado trabalho de reportagem para reproduzir a época e o impacto da viagem, desde a “Operação Corinthians” montada pelo DNER na Via Dutra ao vertiginoso crescimento da venda de material de “despachos” naquela semana. Não deixaram de lado a intensa cobertura da mídia, que contou com suplementos especiais nos jornais diários e reportagens de destaque nas revistas semanais.

Osmar Santos comentou que a Jovem Pan chegou a alterar sua linha editorial: “a rádio destinava-se a conquistar a classe média, mas nessa atual fase do Corinthians decidiu se popularizar”.

A invasão seduziu até mesmo os cariocas.

Nelson Rodrigues, apaixonado cronista do esporte, definiu o Rio daquele domingo como “uma cidade ocupada”. Outro fanático torcedor do Fluminense, Chico Buarque, reconheceu que foi “qualquer coisa”, a saudação daquela maioria barulhenta no estádio. A revista Manchete, como era seu hábito, considerou este episódio “o maior espetáculo da terra”.

Até o presidente do Fluminense, Francisco Horta, que deitou provocações antes do jogo, reconheceu, com esportividade, que “foi uma invasão festiva, que a torcida do Corinthians deu um show no Rio de Janeiro”.

Festiva, mas custosa, segundo a reclamação do então ministro das Minas e Energia do regime militar, Shijeaki Ueki, que contabilizou o equivalente a dois milhões de litros de combustível gastos pela movimentação da torcida. Pouco tempo depois, sob o impacto da crise do petróleo, viveríamos um racionamento de gasolina.

Mas nenhum desses relatos presentes no livro supera a história do “trabalho” realizado por Pai Guarantã, à noite, na véspera do jogo, no hotel em que a delegação corinthiana estava hospedada.

Entre incensos e imagens de santos, garrafas de cachaça e muitas velas, o pai-de-santo vaticinou a Ruço que o Corinthians não só ganharia, mas que ele marcaria o gol. Tudo com uma condição: a de que passasse a mão por três vezes na bunda de Rivellino –o tricampeão mundial, que
recentemente trocara o Corinthians pelo Flu.

Ruço se escandalizou com a tarefa, mas pelo sim pelo não, encontrou numa falta a oportunidade de se desincumbir dela. Derrubou Rivellino com um carrinho no meio de campo e ainda no chão, deu rapidamente três tapas em seu traseiro. Levantou correndo, pedindo desculpas a um Rivellino extremamente irritado.

No tempo normal, o jogo terminou empatado em 1×1 e foi justamente Ruço que marcou o gol do Corinthians, em uma meia bicicleta. Na disputa de pênaltis, a vitória, com outro gol de Ruço e duas milagrosas defesas de Tobias.

“Invasão Corinthiana” ajuda ainda a entender um pouco mais essa simbiótica relação entre time e torcida. Analisa o impacto sofrido pela migração nordestina em São Paulo e o enigmático crescimento da torcida corinthiana com duas décadas de seguidos fracassos.

Lembra que o time teve uma invejável campanha internacional na década de 50, mas que ganhou o apelido de Timão, depois de uma reportagem do jornal Gazeta Esportiva, quando a diretoria investiu pesado em 1966 para tirar o time da fila. Até Garrincha veio, mas não deu resultado.

A inusitada classificação para a final, contra a favorita “Máquina Tricolor”, que jogava em seu estádio e com vários convocados para a seleção, fez os corinthianos voltarem como heróis para São Paulo. A torcida comemorou nas ruas até mesmo o vice-campeonato que se seguiu, depois da derrota na semana seguinte para o Internacional de Falcão.

Afinal, a superação contra o Flu não fora em vão. Não só prenunciava que estava perto o fim da seca dos títulos -que de fato ocorreu em 77, como abriu o caminho para um novo sonho. Com o vice-campeonato, o Corinthians se classificou para disputar, no ano seguinte, a sua primeira Libertadores.

Começava aí uma nova epopeia, ainda sem data para terminar.

3 Comentários sobre ….invasão corinthiana….

  1. Bruno de Pierro 29 de maio de 2012 - 20:24 #

    Caro Marcelo. Tudo bem? Aqui é Bruno de Pierro, repórter do Blog do Luis Nassif. Entro em contato pelo seu blog, primeiro para dizer que estou indicando ele no meu blog pessoal. Está muito bom, parabéns!
    E segundo, para enviar um post que coloquei lá, sobre Direito e Liberdade de Imprensa: http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/

    Abraços.

  2. Victor Farinelli 4 de junho de 2012 - 01:03 #

    Pô, uma das coisas chatas de estar fora do Brasil é ver essas coisas e não poder comprar. Vai prá minha lista prá quando puder ir de novo ao Brasil. Valeu pela dica, excelente post também!!

  3. CONCURSOS E OAB 11 de julho de 2012 - 17:12 #

    E em 2012 o Corinthans reescreve sua história ao ser Campeão da Copa Libertadores da América (Invicto).