Artigo põe a luz contradições da Ficha Limpa e desigualdades do sistema penal
Com o artigo “E se a Justiça do Trabalho se agregasse à Ficha Limpa?”, convido os leitores do Sem Juízo a conhecer o Blog do Barberino. Marcus Barberino é Juiz do Trabalho, um baiano bom de papo e de cabeça que São Paulo teve a felicidade de importar.
Nesse texto, Barberino faz uma provocação que põe à luz algumas contradições da Ficha Limpa, e as desigualdades da repressão.
O senador, cujo reconhecimento da condição de escravocrata, já se deu na Justiça do Trabalho em três instâncias, está livre da sanção de inelegibilidade, pois seu julgamento penal depois de longos oito anos apenas se iniciou no STF.
“Fico a me perguntar se esses efeitos fossem alcançados também com as condenações da Justiça do Trabalho se teríamos mais sanções de inelegibilidades do andar de cima ou veríamos instalada no interior da Justiça do Trabalho a mesma instabilidade processual e procedimental que grassa no processo penal e seu sistema de justiça.”
A resposta aos idólatras do direito penal se dá com outra provocação: como aumenta a população carcerária sem que o sistema de segurança se aperfeiçoe? Prendendo os mesmos de sempre.
“E se a Justiça do Trabalho se agregasse à ficha limpa?”, Marcus Barberino
A Lei Complementar 64 que regula as hipóteses de inelegibilidades morreu. Quer dizer, foi apelidada pela opinião pública como “lei da ficha limpa”, por força de proposta de iniciativa popular que a alterou e que foi extraída à fórceps do Congresso Nacional. Quem sabe até negando aquela máxima atribuída a Bismarck de que ” se a população soubesse como são feitas as salsichas e as leis, não comeria as primeiras, nem cumpriria as últimas”.
Agora que o STF integrou definitivamente ao sistema infraconstitucional a alteração proposta pela iniciativa popular, cabe um olhar sobre a limitação da lei das inelegibilidades, por força do vício moderno de se elevar o direito penal a condição de purificador do corpo da sociedade e do vezo canhestro de dividir, segmentar e insular o exercício da jurisdição. O sintoma mais grave da elevação do direito penal ao altar do processo civilizatório está na vertiginosa elevação do número de tipos penais, juntamente com a elevação da população encarcerada e, pasmem, do número de mandados de prisão não cumpridos.
Para ser justo, ou ao menos tentar, vale ponderar que a criminalização da vida não é apenas um movimento conservador. Mesmo militantes de direitos humanos e defensores de minorias históricas trazem no cardápio das alterações regulatórias que propõem não apenas políticas públicas inclusivas.
Sempre há a política pública sombria: tipos penais, aumentos de penas, restrição de direitos de acusados e presos. Vale dizer, mais demanda (e gasto potencial) com o aparelho de segurança e justiça. O mesmo aparelho de estado que sabemos ser pouco inteligente e técnico para investigar e claramente ineficiente para processar e julgar acusados.
Mas como essa equação fecha? Como é que a população carcerária aumenta, sem que o sistema de segurança se aperfeiçoe? bingo: prendem e processam os mesmos, nessa ordem. Os diferentes, do estrato superior, serão submetidos à baixa capacidade técnica de investigação e aos caminhos tortuosos, lentos e instáveis do processo penal.
Pois bem. antes que o cidadão pense que o Judiciário sancionará o estrato superior (políticos eleitos e candidatos a tais) após a revisão de sentenças em órgãos colegiados, fica aqui o meu alerta preventivo ao dissabor decorrente da não profilaxia dos “costumes políticos” ( e econômicos, acrescento eu, pois é disso que também se trata). Nem toda sentença submetida a revisão ensejará inelegibilidade. Veja o caso do Senador João Ribeiro. Desde 2004 se vê às voltas com acusações – não provadas e não transitadas em julgado dirão seu advogados e apoiadores. Dos vários processos que responde o senso comum dirá que se espera a mesma solução. Os juristas batem a plenos pulmões pela chamada “unidade de convicção”.
No caso específico foi o parlamentar submetido a investigação criminal desde 2004. Dada a função que ocupa, o STF cuidava do seu inquérito. Neste ano de 2012 o Plenário admitiu a abertura do processo penal. Oito anos. Antes que me acusem de disseminar o gélido e frustrante ar de impunidade quero salientar que o parlamentar já foi condenado por violação do artigo 149 do Código Penal. Não em 1ª instância, dita romântica. Não em 2ª instância, supostamente mais sóbria. Mas nos três níveis ordinários do Poder Judiciário, incluindo-se aí a 3ª instância e seus ares de saber férreo e incontestável ou, para os mais modestos, a que erra por último. Neste caso não houve impunidade, tecnicamente falando.
Em março de 2011, pela terceira vez e na sua terceira camada, a Justiça do Trabalho reconheceu a prática de trabalho escravo contemporâneo, na modalidade de trabalho degradante. Mas essas decisões judiciais não contam para fins de aplicação da lei de inelegibilidades. Fico a me perguntar se esses efeitos fossem alcançados também com as condenações da Justiça do Trabalho se teríamos mais sanções de inelegibilidades do andar de cima ou veríamos instalada no interior da Justiça do Trabalho a mesma instabilidade processual e procedimental que grassa no processo penal e seu sistema de justiça.
Diga o STF, que precisou de oito anos para deliberar sobre um inquérito.
Agora “habemus” processo penal no caso do parlamentar. E também mais parolagem sobre a “inocência” especial do homem bom, simples “irregularidades administrativas”, para usar eufemismo ao gosto dos potentados do atraso . Inclusive de parlamentares estaduais de origens ideológicas tão vastas como as cores do arco íris.
Na “justicinha” o tempo também foi longo. Mas o processo acabou um ano antes do outro processo poder começar. Para os que gostam da criminalização da vida fica a tranquilizadora ideia de que ao menos os quase quinhentos mil encarcerados não são elegíveis. Mas não o são desde o nascimento, né?
Interessantíssima abordagem. Certa feita estivesse conversando com um Juiz de uma vara criminal de Goiânia – Go, acerca da crescente criminalização. Utilizam-se o direito penal como eixo purificador do homem e de sua alma, se não incorreu em tipos penais, é um anjo. Parabéns ao articulista. Kássio Costa.