O padre, o farmacêutico, o delegado e o chefe da estação na sessão que o juiz executava a censura…
O texto abaixo me foi enviado pelo Sidney, comentarista mais assíduo do Blog Sem Juízo. Vale a pena conhecer um pouco de suas memórias de garoto em uma pequena cidade do interior de São Paulo e a conclusão desanimadora sobre a velha censura de cinema: “Pelo que leio, tem gente com saudades dos velhos tempos”
Quando eu era adolescente morava (e ainda moro) numa pequena cidade do interior de São Paulo. Naquela época a classificação do filme era feita pelo juiz de direito da jurisdição. Lembro que no cinema havia uma cadeira forrada com linho branco. Era a cadeira do juiz censor. Dependendo do filme ele (aliás eram duas as cadeiras – acho que a outra era pra esposa ou para o promotor), dependendo do filme ele assistia a primeira exibição. Liberava ou proibia para menores.
Quando o filme já vinha com fama ruim era exibido a tarde, em sessão exclusiva, para o juiz e convidados. Olhe… quando o filme era safado havia convidados em grande números, que assistiam atentos e depois, embuidos de falsa moral, pressionavam a decisão.
Por que lembro de tudo isto? Muito simples. No fundo do cinema havia um terreno baldio pra onde dava a saida de ar do ventilador. Eu era moleque, menino. Quando havia sessão exclusiva (eu e outros) entravamos pelo fundo, passavamos pelas grades do enorme ventilador e assistiamos o filme atrás da tela. Só tinhamos medo que alguém ligasse o ventilador, o que impediria fugir. O resto era delicia.
Uma ocasião (acho que estou aborrecendo), uma ocasião, lembro até o nome do filme “Houve uma vez um verão” ou “O verão de 1942″, o filme já chegou com fama suficiente pro vigário da paróquia condenar a danação eterna quem ousasse assistir ao filme. Como o padre sabia? Sei lá, acho que já tinha visto o filme escondido – só pode ser.
Pois bem, o padre, (os pastores naquele tempo não contavam), o farmaceutico, o delegado, o chefe da estação de trem, o gerente da Pernambucanas, (enfim, toda a turminha que se reunia à noite, uma vez por semana numa máquina de arroz pra ver filme sueco – onde a molecada, por mais que tentasse, não conseguia entrar), a turminha pressionou o juiz, que foi levado pela primeira vez na cidade à sessão exclusiva (lotação completa, dispensável dizer) executar a censura. Nós atrás da tela, claro.
O filme, se alguém não sabe, é quase uma poesia, quase uma comédia, a história de um garoto que faz sexo pela primeira vez com uma mulher adulta, viúva de um soldado da 2a. guerra (lembro até o final, quando ela deixa um recado de despedida: “que o mundo o livre das tragédias sem sentido”), o filme passaria hoje na televisão na sessão da tarde, tranquilamente. Mas deu um bafafá geral. Onde já se viu! Tem que ser proibido! Classificação 21 anos! Tem que fechar o cinema! etc e tal.
Um filme tão inocente quem nenhum dos moleques se lembrou do “mariquinha, maricota…”
O diacho é que o juiz tinha tomado posse naqueles dias, comarca inicial, veio da capital, tinha outras idéias na cabeça, e classificou o filme pra 16 anos.
Até hoje é lembrado, pelos mais velhos, como “Aquele? Um safado comunista !” Isto entre o que estão vivos, porque a maioria hoje dos velhos censores são aplicados estudantes de geologia no campo santo e nem sequer estão interessados no que se passa na superfície da terra.
Pelo que leio, tem gente com saudades dos velhos tempos
Muito obrigado pela publicação. Um abraço (Sidney)
Você já estava por merecer! Grato pela companhia