Os serviços públicos estão cada vez menos afetos ao controle público
Deixo minha filha em um show. Na hora de buscar, tento encontrá-la pelo telefone celular. Mas quem consegue linha nas imediações do evento?
Réveillon na praia é sinônimo de fila longa no supermercado. Oportunidade ideal para ler e-mails ou navegar pelas redes sociais. Mas onde encontrar o tal sinal 3G pelo qual pagamos religiosamente ao final de cada mês?
Todo dezembro, os aparelhos de telefonia celular são recordistas entre os presentes de Natal. Mas quantos dos felizardos conseguiram mandar a tempo uma prosaica mensagem de fim de ano?
É o típico overbooking –venda de produtos que, ao final, não podem ser usados ao mesmo tempo. Muitos ficam do lado de fora, numa gigantesca fila de espera.
Enquanto isso, a publicidade nos envolve com promessas de planos ilimitados.
Na telefonia celular, ilimitada é só a paciência do consumidor.
Problemas para nós, em regra, não são problemas para eles.
Quanto mais os sinais desaparecem, mais as empresas estimulam novos consumidores, sem possuir estrutura para abrigá-los. Às vezes, tem-se a impressão de que esse sistema todo está construído sobre um frágil e perigoso castelo de cartas.
A telefonia celular foi cantada em verso e prosa como a peça de resistência do processo de privatização –seu resultado mais bem sucedido. A prova, enfim, de que a mão do mercado é a tábua de salvação. Mas, afinal, de que náufragos exatamente estamos tratando, daqueles que se tornaram os homens mais ricos do mundo?
Junto com as privatizações foram formatadas as chamadas agências reguladoras, que o ex-presidente FHC tanto quis “independentes” do governo –mas o quê e a quem efetivamente regulam com essa independência toda?
As concessionárias estão entre as líderes de reclamação da proteção ao consumidor e seus problemas, como cobranças indevidas e serviços não prestados, entopem de demandas o Judiciário –habitat que, curiosamente, parecem preferir para resolvê-los.
Por acaso, ela são punidas por levar os consumidores ao inferno e depois à justiça, ou vice-versa?
A concorrência, pedra fundamental dessa ‘livre iniciativa’, está cada vez mais estreita, vítima de profundos e ininterruptos processos de concentração empresarial.
Praticamente sem fazer qualquer movimento ou opção, tornei-me da noite para o dia, cliente da mesma empresa na telefonia fixa, na telefonia móvel, na internet banda larga e no sinal de TV a cabo.
Oligopólio é pouco perto desse quadro –mas por onde anda o sistema antitruste que tanto discutiu a aquisição de uma fábrica de chocolate por outra?
A concentração na difusão da TV a cabo talvez seja ainda mais profunda do que na própria telefonia, cumprindo, afinal, um curioso paradoxo: quanto mais alternativas, mais somos submetidos aos programas das mesmas emissoras, que se repetem e se replicam no ar.
A ‘democracia nos meios de comunicação’ fica cada vez mais longe e não mais perto com esses canais pagos.
Bem pagos, aliás.
Quando a primeira TV cabeou o bairro, apresentou na praça a transmissão pública de um clássico de futebol. Queria mostrar como poderíamos assistir o jogo de nosso time, mesmo quando era na cidade.
Só omitiu o fato de que, logo em seguida à instalação, justamente esse serviço, que foi o chamariz de assinatura, seria remunerado à parte.
E apesar de tanto “pagar para ver”, continuamos massacrados por anúncios publicitários que, em tese, existiriam para subsidiar a tevê gratuita –e com os mesmos vícios, como a propaganda ilimitada e nociva em programas infantis e a grotesca estratégia de aumentar o som no intervalo, tal qual o alto-falante de uma velha Kombi gritando “pamonha” no meio da rua.
O que se diz da telefonia não destoa muito de outros serviços estratégicos e de massa, supostamente liberados do jugo do leviatã estatal.
A questão está longe de ser apenas um problema de consumidores insatisfeitos, que se encontra, aliás, em tantos outros campos.
Está no fato de que os serviços públicos estão cada vez menos afetos ao controle dos agentes públicos.
O Estado não está apenas emagrecendo –está gradativamente sendo tutelado e engolido pelo mercado.
Gostaríamos de republicar seu texto em veículos de nosso grupo de comunicações (www.grupoahora.com.br). Solicitamos sua autorização. barone2008@ahora.com.br
À vontade.
Vale lembrar que esse é um problema essencialmente brasileiro, em outros países, por exemplo, no Japão, qualquer internet é cinco ou dez vezes mais rápida do que a internet no Brasil, sendo essas empresas privadas.
O Estado brasileiro também não é de se orgulhar, não sei a que pé estaria as telecomunicações no país se elas fossem controladas pelo Estado. As telecomunicações ainda conseguem perder pra entes estatais, como o INSS e a Caixa, quando o assunto é litigiosidade.
Eu não sei como milhares de brasileiros conseguem ficar tranquilos com o fato de que dependerão no futuro do INSS e suas resoluções, e leis, e portarias.
E pra completar: no site impostômetro, você pode consultar a quantia de impostos paga pelos brasileiros. No ano de 2012, foram pagos aproxidamente 1 trilhão e 500 bilhões de reais de impostos. Por que o Estado Brasileiro não consegue garantir minimamente os direitos sociais das pessoas, haja vista recursos tão vultosos?
A barbárie é tamanha que a Claro tem propaganda na Nickelodeon voltada especialmente para crianças "meu primeiro Claro ilimitado". É um insulto! É tanta mentira que até cansa!
Prezado Sr. Marcelo Semer,
Sempre leio seus oportunos textos, com abordagens corajosas, em se tratando de um magistrado. Sugiro a possibilidade de "linkar" seus artigos com o Facebook (ícone), onde poderíasmos divulgar aos nossos amigos.