….novo manifesto dos criminalistas contra texto da reforma penal….

 

 “Este Código
não é digno do povo brasileiro”

 

 

 

 

O que já estava ruim ficou ainda pior.

A comunidade jurídica reage, novamente, de forma enfática
e contundente contra o PLS 236, que se pretende o novo Código Penal, de autoria
do senador Pedro Taques, com base no texto que havia sido produzido pela “Comissão
Sarney”, e já recebera fortes críticas de criminalistas de todo o país.

Por isso, e pelo frontal ataque aos princípios fundamentais
do Estado Democrático de Direito, é que o os juristas estão dizendo novamente não
apenas que o “texto não constitui a síntese das críticas e colaborações
científicas que lhe foram dirigidas”, como ainda, e o que é significativamente
mais grave, “surpreende ao manter inalterado ou mesmo promover e incrementar
seus vícios primitivos mais evidentes”.

O texto que segue foi produzido em Seminário realizado em
homenagem ao Doutor e Juiz da Corte Constitucional Alemã Winfried Hassemer, na
Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, entre os dias 20 e 21 de Março de
2014, foi abraçado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e está
aberto a subscrições (assine pela petição pública).

NOVO MANIFESTO DOS CRIMINALISTAS BRASILEIROS CONTRA O PLS 236
Oposição democrática contra o absurdo codificado

 

Os Professores, Magistrados,
Advogados, Defensores, membros do Ministério Público e Juristas que abaixo
subscrevem, na ocasião da homenagem à vida e obra do eminente Doutor e Juiz da
Corte Constitucional Alemã Winfried Hassemer, em Congresso realizado na Escola
da Magistratura do Rio de Janeiro, nos dias 20 e 21 de março de 2014,
manifestam seu veemente e inequívoco repúdio ao texto revisado do Projeto de
Lei 236, objeto de Parecer de autoria do Senador Pedro Taques, cujo conteúdo é
absolutamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado Democrático
de Direito.

 

O texto que precedia a
revisão, produto dos esforços da chamada “Comissão Sarney”, foi,
desde cedo e merecidamente, criticado por criminalistas de todo o país,
especialmente por suas grosseiras deficiências técnicas, em boa medida
determinadas pelo Programa de Política Penal que tem por base, tão conhecido
quanto atrasado.

 

Na tentativa de salvar um
Projeto de Lei além de qualquer possibilidade de salvação e após sucessivos
encontros com especialistas em Direito Penal, o trabalho de revisão coordenado
pelo mencionado Senador vem agora a público e surpreende ao manter inalterado
ou mesmo promover e incrementar seus vícios primitivos mais evidentes. Neste
sentido, ao contrário do que afirma, o texto não constitui a síntese das
críticas e colaborações científicas que lhe foram dirigidas.

 

Nele se descobre, infelizmente
e mais uma vez, que a classe política brasileira é carente da mínima informação
científica em matéria criminal, impedindo qualquer elogio dogmático ao texto.
Alguns pontos são graves: no que se refere à distinção entre dolo eventual e
culpa consciente, o texto adota a ultrapassada “teoria da
indiferença”, superada há mais de 100 anos e historicamente resgatada
pelos juristas nazistas para facilitar a imputação dolosa contra os
“inimigos” da “comunidade do povo”, tragédia que agora
corre o risco de se repetir como farsa. Mas a filiação a categorias
privilegiadas por fascistas – justificada porque “mais precisa”,
segundo os termos do Parecer – está longe de esgotar seu conteúdo
antidemocrático. De fato, o mesmo se pode dizer em relação à definição de
autoria, onde se pretende incorporar a chamada “teoria do domínio do
fato” para ampliar o alcance da lei penal e estender aos crimes comuns a
figura duvidosa dos aparelhos organizados de poder, que só poderia caber nos
regimes políticos autoritários. Temos, aqui, aliás, possível caso de erro
legislativo inescusável, pois bastaria ler a obra do autor que desenvolveu a
teoria – o celebrado Professor alemão Claus Roxin – para perceber que seu
objetivo fundamental é restringir, ao invés de estender, o chamado conceito
unitário, previsto no artigo 29 do atual Código Penal.

 

Mas não é só: preso à obtusa e
reacionária ideia de pena como “vingança social”, o Parecer também
pretende justificar a criação de novas hipóteses qualificadoras do homicídio de
natureza puramente subjetiva, ataca o princípio da legalidade ao admitir
expressões elusivas como “grave lesão à sociedade” para agravar
punições e propõe a criminalização temerária do terrorismo e pormenorizada da
eutanásia.

 

Para piorar, em relação ao
mais importante ponto do sistema de justiça criminal contemporâneo,
distancia-se da pesquisa criminológica das últimas décadas e aumenta a pena cominada
ao tráfico para até 21 anos, ao mesmo tempo em que “descriminaliza” o
consumo não ostensivo, perpetuando com isso uma Política Criminal de Drogas
contraditória, classista, fracassada e perigosamente suscetível a oportunistas
oscilações interpretativas.

 

Esse é, a propósito, o traço
distintivo do Projeto, com ou sem revisão: todo e qualquer aparente avanço é
imediatamente anulado por uma medida draconiana – por todas, o aumento do tempo
necessário para progressão de regime na execução da pena privativa de
liberdade, que passa de um sexto para um quarto da pena, mesmo para réus
primários em crime doloso.

 

Da mesma forma, se, por um
lado, o Projeto propõe abolir a lei de contravenções, por outro, transforma em
crimes a “exploração de jogos de azar” e a “perturbação do
sossego”, o que é simplesmente irracional.

 

O caráter meramente retórico
da tentativa de democratização do sistema penal, anunciada como propósito do
Projeto de Lei, é igualmente visível na ampliação do rol dos crimes hediondos,
no irresponsável desrespeito à proporcionalidade entre penas, bens jurídicos e
graus de lesão descritos nos tipos legais; no retrocesso quanto aos casos de
descriminalização do aborto; no aumento da pena de quase todos os crimes; na
eliminação da prescrição pela pena em concreto depois de transitada em julgado a
sentença para a acusação; na exclusão da circunstância atenuante especial (hoje
prevista no art. 66 do Código Penal); ao impedir a combinação de leis mais
favoráveis; ao eliminar a diminuição de pena para fato dolosamente distinto; ao
restaurar a antiga categoria da multa temerária, que é tipicamente de direito
civil; ao adotar no tocante ao erro a teoria extrema da culpabilidade, já
abandonada pela doutrina jurídica universal desde 1975; ao aumentar o valor do
dia-multa, considerando que para isso o valor máximo de referência será de 720
dias e não 360; ao abolir a distinção entre reclusão e detenção e de institutos
democráticos como o livramento condicional e a suspensão condicional da pena,
teses defendidas sem qualquer prognóstico realista sobre suas consequências
humanas e financeiras.

 

Mas, esforçando-se para soar
suficientemente “contemporâneo” e fugir de seu paradoxal anacronismo,
o Parecer defende adiante a criação de “novos crimes”, tão
desnecessários quanto caricatos, em mais uma demonstração de vulgar adesão ao
populismo penal. Assim, diante dos delitos de “stalking”,
“bullying”, “corrupção entre particulares” e “crimes
cibernéticos” não parece desarrazoado supor o predomínio da vontade de
atrair atenção midiática em detrimento do propósito real de efetivamente
atualizar o ordenamento jurídico-penal. Nem isso se conseguiu.

 

Em conclusão, considerando que
nenhum avanço eventualmente trazido pelo texto justifica os gravíssimos erros e
retrocessos que endossa, aqueles que insistirem em sua tramitação e eventual
aprovação prestarão um verdadeiro desserviço à democracia e à ciência
jurídico-penal.

 

Logo, este manifesto, abaixo
assinado e abraçado pelo sempre combativo Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais, não se resume à declaração de inconformismo com um projeto de lei
autoritário por parte de juristas politicamente comprometidos com democracia,
reunidos para homenagear um dos maiores expoentes na defesa de um Direito Penal
submetido à razão e coerente com a promoção dos direitos fundamentais. À sombra
dos 50 anos do golpe militar, esta declaração pública de repúdio ao absurdo
codificado também estende um convite a todos os criminalistas brasileiros, para
que resistam intransigentes à escatológica possibilidade de ceder a mais essa
tentação punitiva que se gesta no Congresso Nacional: este Código não é digno
do povo brasileiro.

 

Rio de Janeiro, 21 de março de 2014

 

Juarez Tavares (UERJ)

Juarez Cirino dos Santos (ICPC)

Nilo Batista (UERJ)

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR)

Geraldo Prado (UFRJ)

Maurício Dieter (USP)

Sergio Verani (UERJ/Diretor Geral da
EMERJ)

Jacson Zilio (MPPR)

Antonio Martins (Uni-Frankfurt)

Ulfrid Neumann (Uni-Frankfurt)

Dirk Fabricius (Uni-Frankfurt)

Sebastian Scheerer (Uni-Hamburg)

Rubens Casara (TJRJ/IBMEC)

Marcelo Semer (TJSP)

Alexandre Morais da Rosa (TJSC)

Ana Elisa Bechara (USP)

Cezar Roberto Bitencourt (Advogado)

Leonardo Yarochewsky (PUCMG)

Vera Regina Pereira de Andrade (UFSC)

Salo de Carvalho (UFSM)

Marcio Sotelo Felippe (Ex-Procurador Geral
do Estado de São Paulo)

Pedro Estevam Serrano (PUC-SP)

Amilton Bueno de Carvalho (TJRS)

Katie Arguello (UFPR)

Ademar Borges (UNB)

Alexandre Mendes (UERJ)

Patrick Cacicedo (DPSP)

Fauzi Hassan Choukr (MPSP)

Isabel Coelho (TJRJ)

Fernanda Tortima (OABRJ)

Reinaldo Santos de Almeida Júnior (UFRJ)

Luis Greco (Uni-Munchen)

Alaor Leite (Uni-Munchen)
 

Patrícia Kettermann (DPRS)

Tiago Joffily (MPRJ)

Marcos Peixoto (TJRJ)

Felipe Caldeira (Advogado)

Antônio José Pêcego (TJMG)

Maria Lucia Karam (LEAP)

Denis Sampaio (DPRJ)

Carol Proner (UFRJ)

Bartira Macedo de Miranda Santos (UFG)

Christiano Fragoso (UERJ)

Heloisa Estellita (FGV)

Bruno Cava (UERJ)

Alexandre Leite (TJRJ/EMERJ)

Leonardo Costa de Paula (UCAM)

Antônio Pedro Melchior (IBMEC)

Kenarik Boujikian (AJD- presidente)

José Henrique Torres (AJD-PUCCAMP)

Alexandre Mallet (UCAM)

Davi Tangerino (UERJ)

Mariana Sousa Pereira (Advogada)

Antonio Sergio Altieri de Moraes Pitombo
(Advogado)

Luciano Cirino dos Santos (Advogado)

Soraya Vieira Gomide (Advogada)

Simone Dalila Lopes (TJRJ)

Julia Thomaz Sandroni (Advogada)

Wadih Damous (Advogado)

Maria Gabriela Peixoto (Advogada)

Gisela Baer (Advogada)

Janine Fernanda Fanucchi de Almeida Melo
(Advogada)

Nathalia de Paula Moreira Frattezi (UFMG)

André Lozano Andrade (Advogado)

Gabrielle Stricker do Valle (UFPR)

Jair Cirino dos Santos (MPPR)

Denise Maldonado Gama (PUCMG)

André Vaz (TJRJ)

André B. do Nascimento (Advogado)

June Cirino dos Santos (UFPR)

Ellen Rodrigues (UFJF)

Caio Patricio de Almeida (UNICURITIBA)

Ricardo Krug (UNICURITIBA)

Elisa Blasi (PUCPR)

Wanisy Roncone Ribeiro (Advogada)

Leomar Wittig (Advogada)

Carlos Eduardo Machado (Advogado)

Luiza Labatut (MPPR)

Carla Viana (DPRJ)

Fernando Augusto Fernandes (Advogado)

Vitor Barra Veiga (Advogado)

Marcia Dinis (Advogada)

Lourinelson Vladmir (Advogado)

Priscila Pedrosa (Advogada)

Mayra Cotta de Souza (UNB)

Ana Carolina Andrade Carneiro (DPU)

Michel Asseff (Advogado)

Ana Cláudia Pinho (MPPA)

Patrick Mariano Gomes (RENAP)

Giane Ambrósio Álvares (RENAP)

Thiago Araujo (Advogado)

Lucas Sada (Advogado)

Frederico Figueiredo (UFRJ)

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