….o juiz brasileiro na Corte Interamericana….

Voto de juiz ad-hoc na Corte Interamericana é uma aula de direitos humanos; omissão de discussão sobre Convenção Americana no STF é preocupante

Roberto de Figueiredo Caldas foi o juiz indicado pelo Estado brasileiro para participar ad-hoc do julgamento do Caso Araguaia na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Sem qualquer nacionalismo, mas como afirmou “sob a perspectiva de um juiz nacional de onde os graves fatos e crimes contra direitos humanos ocorreram”, expôs seu voto concordante com uma aula de direito internacional, que se dirige a todos aqueles que ainda acreditam que pactos, tratados e convenções são apenas normas “morais”, ou letras mortas de pura poesia.

Caldas explica que para todos os Estados do continente que a adotaram, a Convenção equivale a uma Constituição supranacional atinente a Direitos Humanos. Todos os poderes públicos e esferas nacionais, bem como as respectivas legislações federais, estaduais e municipais de todos os Estados aderentes estão obrigados a respeitá-la e a ela se adequar.

Assim agindo, os Estados se comprometem a adotar medidas pala eliminar normas legais e práticas de quaisquer espécies que signifiquem violação à Convenção e explicita: “nenhuma lei ou norma de direito interno, tais como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua obrigação inalienável de punir crimes de lesa-humanidade, por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade”.

A completa omissão na discussão do STF sobre o controle de convencionalidade (a compatibilidade das normas internas com a Convenção Americana) é revelador e, para dizer o mínimo, preocupante.

De que lado do direito, nossa Corte Suprema nos colocou?

Leia a íntegra do voto:

VOTO FUNDAMENTADO DO JUIZ AD HOC ROBERTO DE FIGUEIREDO CALDAS
COM RELAÇÃO À SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO GOMES LUND E OUTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL DE 24 DE NOVEMBRO DE 2010

I. INTRODUÇÃO

1. O presente voto fundamentado, concordante de modo geral quanto às fundamentações e conclusões colegiadas da Corte, todas elas unânimes, cumpre o objetivo de esclarecer e enfatizar alguns pontos fundamentais para as sociedades brasileira e continental, além de seus respectivos Estados,

2. sob a perspectiva de um juiz nacional de onde os graves fatos e crimes contra direitos humanos ocorreram.

3. O caso julgado envolve debate de transcendental importância para a sociedade e para o Estado como um todo, particularmente para o Poder Judiciário, que se deparará com caso inédito de decisão de tribunal internacional diametralmente oposta à jurisprudência nacional até então pacificada.

4. A jurisprudência brasileira firme, inclusive placitada por decisão recente do mais alto órgão do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, esbarrou em jurisprudência tranquila desta Corte ao deixar de observar o jus cogens, ou seja, normas peremptórias, obrigatórias aos Estados contidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos2 (também conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”, doravante indicada também somente como “Convenção”). Em apertada síntese, é por esta razão que o País está sendo condenado nesta sentença, pelas violações à Convenção, a saber:

a) desaparecimento forçado e os direitos violados das 62 pessoas3 desaparecidas – violação dos direitos à personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal (artigos 34, 45, 56 e 77), às garantias judiciais e proteção judicial (artigos 88 e 259), em combinação com a obrigação de respeitar os direitos previstos e o dever de adotar disposições de direito interno (artigos 1.110 e 211, todos da Convenção);

b) aplicação da Lei de Anistia como empecilho à investigação, julgamento e punição dos crimes – violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial (artigos 8.1 e 25), em combinação com a obrigação de respeitar os direitos previstos na Convenção e o dever de adotar disposições de direito interno (artigos 1.1 e 2), em detrimento dos familiares das vítimas desaparecidas e da pessoa executada;

c) ineficácia das ações judiciais não penais – violação dos direitos às garantia judiciais e à proteção judicial (artigos 8.1 e 25), em combinação com a obrigação de respeitar os direitos previstos na Convenção (artigo 1.1), detrimento dos familiares das vítimas desaparecidas e da pessoa executada;

d) falta de acesso à informação sobre o ocorrido com as vítimas desaparecidas e executada – violação do direito à liberdade de pensamento e expressão (artigo 13), em combinação com a obrigação de respeitar os direitos previstos na Convenção (artigo 1.1), em prejuízo dos familiares das vítimas desaparecidas e da pessoa executada, e

e) falta de acesso à justiça, à verdade e à informação – violação do direito à integridade pessoal (artigo 5), em combinação com a obrigação de respeitar os direitos previstos na Convenção (artigo 1.1), em detrimento dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada, pela violação e sofrimento gerados pela impunidade dos responsáveis.

II. CORTES SUPREMAS E CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

5. Continuando na breve incursão sobre temas pontuais relevantes, se aos tribunais supremos ou aos constitucionais nacionais incumbe o controle de constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados, à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema encerre debate sobre direitos humanos. É o que decorre do reconhecimento formal da competência jurisdicional da Corte por um Estado, como o fez o Brasil.

6. Para todos os Estados do continente americano que livremente a adotaram, a Convenção equivale a uma Constituição supranacional atinente a Direitos Humanos. Todos os poderes públicos e esferas nacionais, bem como as respectivas legislações federais, estaduais e municipais de todos os Estados aderentes estão obrigados a
respeitá-la e a ela se adequar.

III. ADEQUAÇÃO DO DIREITO INTERNO ÀS NORMAS DA CONVENÇÃO AMERICANA

7. Mesmo as Constituições nacionais hão de ser interpretadas ou, se necessário, até emendadas para manter harmonia com a Convenção e com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com o artigo 2º da Convenção, os Estados comprometem-se a adotar medidas pala eliminar normas legais e práticas de quaisquer espécies que signifiquem violação a ela e, também ao contrário, comprometem-se a editar legislação e desenvolver ações que conduzam ao respeito mais amplo e efetivo da Convenção

8. Um bom exemplo jurisprudencial é o Caso Última Tentação de Cristo (Olmedo Bustos e outros vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Série C No. 73), como se observa da fundamentação acerca da exata interpretação e alcance que se deve dar ao artigo 2º da Convenção Americana:

89. Esta Corte tem presente que, em 20 de janeiro de 1997, a Corte de Apelações de Santiago ditou sentença em relação ao presente caso, a qual foi confirmada pela Corte Suprema de Justiça do Chile em 17 de junho de 1997. Por não estar de acordo com os fundamentos destas sentenças, em 14 de abril de 1997, o governo do Chile apresentou, ao Congresso um projeto de reforma constitucional para eliminar a censura cinematográfica. A Corte valora e destaca a importância da iniciativa do Governo de propor a mencionada reforma constitucional, porque pode conduzir a adequar o ordenamento jurídico interno ao conteúdo da Convenção Americana em matéria de liberdade de pensamento e de expressão. O Tribunal constata, entretanto, que apesar do tempo transcorrido a partir da apresentação do projeto de reforma ao Congresso, ainda não foram adotadas, conforme o previsto no artigo 2 da Convenção, as medidas necessárias para eliminar a censura cinematográfica e permitir, assim, a exibição do filme ‘A Última Tentação de Cristo’”. (destacamos)

9. Naquele caso, no voto concorrente do Juiz Cançado Trindade, têm-se expressões ainda mais incisivas:

“4. […] A convenção Americana, juntamente com outros tratados de direitos humanos, “foram concebidos e adotados com base na premissa de que os ordenamentos jurídicos internos devem se harmonizar com as disposições convencionais, e não vice-versa” (parágrafo 13). [e]m definitiva, adverti, “[N]ão se pode legitimamente esperar que essas disposições convencionais se „adaptem‟ ou se subordinem às soluções de direito constitucional ou de direito público interno, que variam de país a país […]. A Convenção Americana, ademais de outros tratados de direitos humanos, buscam, a contrario sensu, ter no direito interno dos Estados Parte o efeito de aperfeiçoá-lo, para maximizar a proteção dos direitos consagrados, acarretando, nesse propósito, sempre que necessário, a revisão ou revogação de leis nacionais […] que não se conformem com seus parâmetros de proteção.” (parágrafo 14) (destacamos)

9. No quarto item do parágrafo 40 do mesmo voto, o Juiz Cançado Trindade expõe que:
[Q]ualquer norma de direito interno, independentemente de seu status (constitucional ou infraconstitucional), pode, por sua própria existência e aplicabilidade, per se comprometer a responsabilidade de um Estado Parte em um tratado de direitos humanos. (destacamos)

10. Portanto, em prol da garantia da supremacia dos Direitos Humanos, especialmente quando degradados por crimes de lesa-humanidade, faz-se mister reconhecer a importância dessa sentença internacional e incorporá-la de imediato ao ordenamento nacional, de modo a que se possa investigar, processar e punir aqueles crimes até então protegidos por uma interpretação da Lei de Anistia que, afinal, é geradora de impunidade, descrença na proteção do Estado e de uma ferida social eternamente aberta, que precisa ser curada com a aplicação serena mas incisiva do Direito e da Justiça.

IV. RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PELO ESTADO

11. A Corte em regra pronuncia-se acerca do reconhecimento de responsabilidade internacional efetuado pelo próprio Estado.

12. O artigo 53.2 do Regulamento estabelece que “Se o demandado comunicar à Corte seu acatamento às pretensões da parte demandante e às dos representantes das supostas vítimas, seus familiares ou representantes, a Corte, ouvido o parecer das partes no caso, resolverá sobre a procedência do acatamento e seus efeitos jurídicos.”

13. Portanto, o Tribunal, no exercício de seus poderes inerentes de tutela judicial internacional dos direitos humanos, poderá estabelecer seu livre convencimento sobre se o reconhecimento de responsabilidade internacional efetuado por um Estado demandado oferece substância suficiente, nos termos da Convenção, para dar ou não seguimento ao conhecimento do mérito e a determinação das eventuais reparações e custas. Para tanto, a Corte deve fazer a análise da situação apresentada nos casos concretos.

14. No caso, o Estado brasileiro, durante todo o procedimento perante este Sistema Interamericano de Direitos Humanos, não controverteu a responsabilidade pelos fatos afetos a detenção arbitrária e ilegal, a tortura e a desaparecimento forçado, nos moldes propostos pela Lei No. 9.140, de 4 de dezembro de 199516. Pelo contrário, em
sua contestação às alegações finais dos representantes de novembro de 2006 no trâmite perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Estado reconheceu “[o] sentimento de angústia dos familiares das pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia, pois considera direito supremo de todos os indivíduos ter a possibilidade de prantear seus mortos, ritual no qual se inclui o enterro de seus restos mortais”17

15. No livro-relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP, o Estado reconheceu que a Lei No. 9.140/95 “firmou a responsabilidade do Estado pelas mortes, garantiu reparação indenizatória e, principalmente, oficializou o reconhecimento histórico de que estes brasileiros […] morreram lutando como opositores políticos de um regime que havia nascido violando a constitucionalidade democrática erguida em 1946”.

16. Desse modo, tendo a Comissão apontado o citado reconhecimento, os representantes consideraram que tal possui plenos efeitos jurídicos no procedimento perante a Corte e solicitaram que este Tribunal tome nota do reconhecimento dos fatos e da aceitação da responsabilidade feitos pelo Brasil, e que os seus alcances sejam incorporados a esta sentença. Ressaltaram, entretanto, o cunho limitado desse reconhecimento fático e pugnaram pela análise mais aprofundada do feito a fim de alcançar os fatos não reconhecidos de forma expressa pelo Estado.

17. A Corte admitiu o reconhecimento dos fatos e a aceitação de responsabilidade realizados pelo Estado, bem como reconheceu seus esforços e boa-fé na atualidade, porém entendeu que tal reconhecimento não ocorreu de forma plena e eficaz quanto a todas às violações trazidas a exame da Corte. Ao invés, o reconhecimento estatal guarda importantes limitações, tanto que sua defesa atual ainda é de não permitir a investigação, processamento e punição dos responsáveis pela aplicação da Lei de Anistia, em interpretação julgada incompatível com a Convenção, de dispositivos que carecem de efeitos jurídicos.

V. COMPETÊNCIA PARA CLASSIFICAR CRIMES COMO DE LESA-HUMANIDADE

18. Não obstante a questão de fundo do Caso Guerrilha do Araguaia não tratar de discussão sobre a competência específica da Corte para proceder à ampliação material do conceito de jus cogens, teço alguns comentários sobre a possibilidade e a pertinência de examinar os crimes de lesa-humanidade. Na esteira do caso Goiburú, o julgamento do caso Almonacid demonstra que o jus cogens transcende o Direito dos Tratados e abarca o Direito Internacional em geral, inclusive o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

19. Desafia a finalidade com a qual a Corte foi instituída não permitir que ela considere como imperativos determinados direitos. A Corte pode e , mais do que isto, tem a obrigação de atribuir natureza de jus cogens àqueles direitos mais caros à pessoa, componentes do núcleo duro de proteção (“hard core of human rigths”), de modo a protegê-la e a cumprir a finalidade de proteção aos direitos humanos agasalhados na Convenção Americana.

20. A noção do crime de lesa-humanidade produziu-se já nos primórdios do século passado, estando consubstanciado no preâmbulo da Convenção de Haia sobre as Leis e Costumes de Guerra (1907), segundo o qual os Estados pactuantes submetem-se às garantias e ao regime dos princípios do Direito Internacional preconizados pelos costumes estabelecidos entre as nações civilizadas, pelas leis da humanidade e pelas exigências da consciência pública.

21. Do mesmo modo, deve-se atentar para o papel exercido pelo Estatuto de Nuremberg no estabelecimento dos elementos caracterizadores dos crimes de lesa-humanidade. Reconheceu-se a existência de um costume internacional, como uma expressão do Direito Internacional que proibia esses crimes (Caso Almonacid, parágrafo 96). Diferentemente deste caso, Almonacid referiu-se a um único atentado, mas difícil portanto de classificar como crime de lesa-humanidade, e mesmo assim esta Corte estabeleceu o precedente memorável.

22. O ex-presidente da Corte, A.A. Cançado Trindade, em seu voto separado no Caso Almonacid, relembrou que a configuração dos crimes contra a humanidade é uma manifestação mais da consciência jurídica universal, de sua pronta reação aos crimes que afetam a humanidade como um todo. Destacou que com o passar do tempo, as normas que vieram a definir os “crimes contra a humanidade” emanaram, originalmente, do Direito Internacional consuetudinário, e desenvolveram-se, conceitualmente, mais tarde, no âmbito do Direito Internacional Humanitário, e, mais recentemente no domínio do jus cogens, do direito imperativo (Almonacid, parágrafo 28).

23. Os crimes de desaparecimento forçado, de execução sumária extrajudicial e de tortura perpetrados sistematicamente pelo Estado para reprimir a Guerrilha do Araguaia são exemplos acabados de crime de lesa-humanidade. Como tal merecem tratamento diferenciado, isto é, seu julgamento não pode ser obstado pelo decurso do tempo, como a prescrição, ou por dispositivos normativos de anistia.

24. A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas adotou, em 26 de novembro de 1968, a Convenção Sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade. Deve-se identificar como característica desta convenção que ela não é criadora-inovadora do Direito, mas sim consolidadora, razão pela qual ainda que não ratificada ela deverá ser aplicada pelo Estado. Na mesma esteira, em 1974, o Conselho da Europa elaborou a Convenção Européia sobre a Imprescritibilidade dos Crimes contra a Humanidade e dos Crimes de Guerra.

25. Assim o fizeram não por uma imposição de tratativas. Não é fruto, pois, de conclusão alcançada por meio do processo de negociação, assinatura, ratificação e referendo parlamentar que pressupõe toda a adoção de tratado internacional. A bem da verdade, esses instrumentos supranacionais só fazem reconhecer aquilo que o costume internacional já determinava.

26. Também ocorreu, no tocante à Convenção de Viena de 1969, tratado multilateral de consolidação das regras costumeiras de celebração de tratados entre Estados soberanos. Desde a sua efetiva entrada em vigor em âmbito internacional, em 1980, passaram-se longos 29 anos até que o Brasil internalizasse a Convenção, vindo a fazê-lo sob a imposição de duas reservas aos termos da Convenção.

27. Por outro lado, 42 anos após a sua adoção no âmbito internacional, o Brasil permanece sem a devida ratificação da Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa-Humanidade, não obstante tê-la assinado. Essa omissão certamente foi fruto de pressão política daquele grupo de militares que praticou as atrocidades descritas neste processo. Entretanto, essa falta de ratificação é superada, pois, como já entendeu esta Corte, a sua observância obrigatória decorre do costume internacional e não do ato de ratificação. A imprescritibilidade desses crimes surge como categoria de norma de Direito Internacional geral, que não nasce com a dita Convenção, mas sim é nela reconhecido (Caso Almonacid, parágrafos 152 e 153).

28. É bom frisar que embora esta Corte tenha competência para guardar e interpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em certos casos é levada a tomar conhecimento de crimes. A Corte carecerá, por óbvio, de competência para julgar penalmente os indivíduos pelos crimes, mas terá a competência para analisar os fatos e a eles aplicar consequências em sua esfera de atuação, condenando o Estado que permitiu ou agiu para que os crimes fossem perpetrados. E ao conhecer da matéria, a Corte tem a obrigação de aplicar o Direito à espécie concreta, sob pena de injustificável omissão. E ao classificar um crime como de lesa-humanidade ou crime grave contra direitos humanos, a Corte faz de maneira incidental (obeter dictum) e não vinculante da esfera penal, nacional ou internacional.

29. O exame de conceito da esfera do Direito Penal Internacional não deve melindrar a Corte ou instancias judiciárias nacionais, dada a evidente confluência de várias circunscrições do Direito Internacional, o que vem sendo propalado pela doutrina e pela jurisprudência não é de hoje. Assim o é porque são largas as fronteiras entre os sub-ramos como os Direitos Humanos, o Direito Humanitário e o Direito Penal Internacional. Suas normas e suas fontes são necessariamente complementares, senão correr-se-ia o grave risco de divergência entre as interpretações desses nichos jurídicos que jamais seriam uniformizadas, com lamentável insegurança jurídica para a humanidade.

VI. CONCLUSÃO

30. Finalmente é prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua obrigação inalienável de punir
os crimes de lesa-humanidade, por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade.

31. É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas.

Roberto de Figueiredo Caldas
Juiz ad Hoc

Um comentário sobre ….o juiz brasileiro na Corte Interamericana….

  1. Anônimo 19 de dezembro de 2010 - 12:22 #

    Ora, direis: "estão mortos, não podem nos fazer nada". Certo, estão mortos. Não podem mover-se, não podem falar, não podem reclamar, não podem pleitear justiça. Estão mortos e apenas esse fato é verdadeiro. Ainda se movem, ainda falam, ainda clamam por justiça…
    Cada vez mais é dificil a pessoa humana ser uma ilha. Isto vale, também, para um país. Tratados, convenções, uma vez aderidos, valem e devem ser cumpridos. Porque é anseio da humanidade, para o progresso da justiça, para o bem coletivo e comum.
    Há muitos anos o Brasil vem enrolando nessa matéria e, assim procedendo, cria embaraços. Passeia pela orla do Guarujá, a caminhar e ver o sol nascer e se por, o torturador na nossa Presidente.
    Caminha por ai, a cumprimentar os vizinhos, quem amarrou uma moça em um toco no quintal da casa amarela, às margens do Araguaia. E depois de a fazer sofrer, por vários dias, depois de lhe prometer a liberdade e um novo futuro, num entardecer, saiu da casa, caminhou alguns passos e lhe desferiu um tiro na cabeça. Como não se faz nem em cachorro sarnento. Deu ordem para que o corpo (e outros também) fosse queimados com pneus, tal qual fizeram a Tim Lopes no morro do Alemão… Um mesmo fato, duas soluções.
    E de tolerância em tolerância, em dois pesos e duas medidas, vamos caminhando, formando o caráter da nação, tendo nas narinas, muito tempo depois do fato consumado, ainda o fedor dos defuntos, vapores e miasmas malígnos, a envenar todos nós e a construir uma nação covarde, incapaz de enfrentar os nossos fantasmas. Um abraço a vc e a todos, saio de viagem e só volto o ano que vem, deixo então um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de realizações, idéias e sonhos… (Sidney)