….política criminal, drogas e democracia….

Política para entorpecentes em uma democracia não deve ser preferencialmente criminal. A repressão não protege a saúde pública que legitima sua intervenção.

O texto que segue é a base da palestra que proferi no X Congresso Nacional de Defensores Públicos, na cidade de Natal, no dia 17/11.

Nele abordo os equívocos da política criminal para os entorpecentes, permeada pelas duas grandes perversões do direito penal, a criminalização da pobreza e a criminalização da moral.

O debate contou ainda com a importante participação do jurista Pedro Abramovay (FGV-RJ) -que trouxe dados impactantes de estatística criminal após a criação da nova lei de entorpecentes: crescimento de 62% das prisões por tráfico de entorpecentes, desde a edição da última lei- e dos defensores Daniel Licury e Flávio Léllis.

É um enorme prazer estar presente no X Congresso Nacional dos Defensores Públicos, principalmente porque é entre os defensores que encontro meu melhor abrigo no meio jurídico. Foi exatamente em nome deste carinho que aceitei o encargo de discutir um tema do qual não sou propriamente um especialista, nem um estudioso acadêmico.

Pretendo dividir com os Defensores algumas vivências, reflexões e preocupações que, acredito, sejam comuns entre todos aqueles críticos opõem ao expansionismo do direito penal, que comprime a liberdade, projeta desigualdade e ameaça a democracia.

É imprescindível discutir novos paradigmas para tratar dos entorpecentes, porque os velhos estão fazendo água por todos os lados.

O consumo de drogas é crescente e não se abala pela proibição –os malefícios decorrentes dele também, aumentando progressivamente os casos de dependência química.

O tráfico ilícito não esmorece e a violência que é inerente a este mercado clandestino só recrudesce.

O convívio com o tráfico, por sua vez, proporciona alto custo à higidez da polícia, como se pode ver pela extensa rede de proteção a que continuamente estão submetidos os próprios traficantes, demonstrando o que já se conhece intuitivamente: não há crime organizado que não se organiza ao redor do Estado.

E a repressão policial também se torna cada vez mais aguda, já tendo ultrapassado os limites da militarização.

Como se não faltasse nada nessa explosiva mistura, fragiliza a relação polícia-cidadão, tão cara à democracia –como se pôde constatar nos exemplos recentes da forte repressão à Marcha da Maconha e no episódio da USP.

Poucas políticas criminais podem se gabar de causar tantos problemas ao mesmo tempo.

Mas a discussão de novos paradigmas mexe profundamente em questões ideológicas.

A repressão aos entorpecentes envolve as duas grandes perversões do direito penal, a criminalização da pobreza e a criminalização da moral. Só isso pode justificar a prisão de quem porta droga, hoje um dos crimes menos graves de todo o nosso Código Penal –mas jamais esquecido. Na lei, por não mais contar com qualquer tipo de pena privativa de liberdade, não há crime menos grave –mas é ele que justifica a ação da polícia.

E criminalização da pobreza e criminalização da moral são ideias recorrentes quando o preconceito aflora, especialmente em momentos como o nosso, que combinam ascensão social com incorporação de direitos civis (políticas de cotas, aceitação de relações homoafetivas).

Não à toa, a mídia e parte significativa das redes sociais reduziram o recente episódio da USP, que envolvia discussões sobre autonomia universitária, democracia interna e promiscuidade público-privado, à baderna de maconheiros à ação necessária da polícia. Assim carimbados, pouco mais havia para discutir ou contestar.

A discussão hoje proposta é essencial no sentido de se fazer um link entre política criminal e democracia.

É preciso superar a impressão de que elas sejam inconciliáveis, ou que necessitamos abrir mão de largos espaços da democracia para garantir segurança. Temos a noção de que discutir segurança e justiça são questões muitos distantes.

A sociedade tem se convencido que devemos entregar liberdade em nome da segurança, mas nos desfazer da liberdade tende a nos proporcional cada vez menos segurança.

Às vezes, tenho a impressão de que nos perdemos em algum lugar do caminho, tendo saído há anos da ditadura, sem ter conseguido alcançado a democracia.

Passo importante é compreender que segurança sem direitos humanos é apenas a reprodução da violência. E a violência que a reproduzimos mais tarde será a mesma que nos atinge

Um exemplo drástico, mas revelador, foi assassinato da juíza Patrícia Acioli, ao que se indica por PMs investigados por simular “autos de resistência”.

Se de um lado, o assassinato causou enorme comoção social, de outro é de se admitir que a sociedade têm convivido sem grandes dilemas, com os excessos e abusos policiais, que os “autos de resistência” existem para encobrir. Não deixa de ser contraditório.

Ou, nas preciosas palavras do juiz João Batista Damasceno: “O perigo de se criar cachorros bravos e deixá-los soltos para atacar os indesejáveis aos seus donos é que depois não mais distinguem a quem estão autorizados morder.

Discutir política criminal é extremamente importante antes da edição de uma lei; diria que imprescindível, para que a lei seja pensada com base na realidade, nos problemas, e nas expectativas que criamos a partir dessa leitura.

Mas faço sempre o apelo para que, caso a lei mude, nós nos reunamos de novo para discutir política criminal e não esquecer do porquê a lei mudou.

Alguns anos atrás, mudou-se o Còdigo de Processo Penal, para inserir no art. 366, a suspensão do processo com a revelia. A ideia, esposada por uma das autoras do projeto, professora Ada Pelegrini, partia do princípio de que algo tão grave como a instauração de um processo penal, ou ainda a aplicação de uma pena privativa de liberdade, não podia existir sem a certeza de que o réu tivesse conhecimento. Por este motivo, quando nos deparamos com uma citação por edital (citação que a própria doutrina apelidou de fictícia), sem um advogado constituído para defender o réu, devemos suspender o processo.

Qual foi a repercussão da alteração? Muitos juízes passaram a manter a prisão provisória durante o inquérito, para aguardar que o réu seja citado para conceder a liberdade provisória. O que era uma norma para aumentar a garantia acabou se transformando em acréscimo de prisão.

A mudança recente do sistema de prisão e liberdade passa hoje por um problema semelhante. A lei nasce da constatação de 45% de presos provisórios e cria medidas alternativas para estimular substituição de prisão. Todavia, de acordo com muitos entendimentos, acaba-se por tarifar ainda mais a liberdade, como é a ressureição da fiança. Não são poucos os casos em que, concedida a fiança, o réu continua preso pela absoluta incapacidade de saldá-la, revigorando a prisionalização que a lei buscou evitar.

O problema, a meu ver, se encontra na ideia impregnada de teoria pura que nos legou o positivismo jurídico e sua absoluta supremacia da lei.

A lei se desprega de motivos que a geraram, de conflitos que a fizeram nascer e vem como corpo autônomo para ser interpretada (ou novamente criada) pelo juiz. Ao invés da visão panorâmica, que nos permite entender de onde e porque veio ou onde se situa, somos convidados a pensar na lei por si mesmo, em sua “autonomia”. A lei é enormemente prestigiada –salvo, evidentemente, naquilo que é a sua essência de limitação do poder.

Desde o primeiro ano de faculdade, aprendemos que interpretar é conhecer a “vontade da lei”, muito mais importante que as vontades que agiram em sua criação. E essa hermenêutica positivista, nos impõe analisar lei com um microscópio eletrônico (para entender artigos, incisos, versículos, vírgulas), sem olhar para os lados, para entender o que a lei representa.

Fórmulas puras (e vagas), como “legislador não usa palavras inócuas”, “legislador usa termos técnicos”, “quando diz o mais, também quer dizer o menos”), se sobrepõem ao fundamento da lei e os princípios constitucionais que a norteiam.

Isso significa que, depois de enorme esforço para criar a lei, desde as discussões acadêmicas, campanhas de convencimento, consensos e as concessões, recomeça disputa, pela interpretação.

A nova lei de entorpecentes, por exemplo, causou uma certa perplexidade quando foi promulgada. Houve divergências quanto a ser “lei benéfica” ou mais rigorosa, porque, ao mesmo tempo, aumentava e diminuía a pena do crime-padrão (o tráfico de entorpecentes).

Nesta dúvidas, residia, na verdade, o principal conceito da lei: evitar a homogeneidade.

Esta é a ideia que permeia a nova legislação, que, sem qualquer lastro de esquizofrenia, pretendeu distinguir o grande traficante e o pequeno traficante, sobretudo para evitar que o tratamento dispensado ao primeiro, continuasse atingindo o segundo.

Interpretar a lei com base neste espírito e no espaço em que ela se inseriu serviu, inclusive, para acatar como regra a distinção que legislador optou em fazer e, por consequência, a aplicação para o pequeno traficante das penas restritivas de direito, cuja proibição, em face do próprio conceito da norma, se tornou sem qualquer legitimidade (como o STF, aliás, veio a decidir).

O “redutor” passou a ser, assim, o novo campo de disputa.

Deve ser entendido como a pedra de toque da lei, um mecanismo embutido para conformar a criminalização, depurar o excesso que se mostrava flagrante.

Não por outro motivo, o pensamento conservador visa destruí-lo, com os mais variados argumentos: todo tráfico é habitual; todo tráfico envolve organização, o volume inibe a redução.

Na verdade, demolir a distinção é a verdadeira atitude contra-legem –não aquela que a prestigia.

A meu ver, devemos revigorar o redutor e expandir seu âmbito de aplicação, justamente por ser o espaço de política criminal inserido na lei.

Nesse sentido, tenho entendido que, embora legítima a redução, torna-se ilegítima a proibição quando se direciona exclusivamente ao reincidente.

Explica-se.

Se a localização do agente na cadeia do tráfico não permitir concluir sua vinculação a organizações criminosas, genérica a noção de crime como hábito, a diferenciação se daria apenas entre o primário e o reincidente.

E, considerando que a redução de 2/3 é expressiva para o primário, temos de considerar, a contrario senso, que a aplicação de 200% de acréscimo para o reincidente é extorsiva.

Trata-se aqui de entender que o “desconto à vista” equivale ao “juros no pagamento à prazo”. E que uma pena que, em condições normais, seria de 20 meses, não pode se transformar em 60, apenas pena reincidência.

Estaríamos incidindo em dupla inconstitucionalidade: infração ao princípio da proporcionalidade e o estabelecimento de um direito penal do autor com a reincidência valendo o dobro da pena pelo crime praticado –direito penal do autor que é inconciliável com o estado democrático de direito.

Recentemente tive uma sentença reformada no TJ, que, diante da reincidência, não apenas negou o redutor, como acresceu de 1/6 à pena-base. Chegou-se ao paroxismo de 5 anos e 10 meses de reclusão, sendo a reincidência anterior pelo delito de “porte de entorpecentes” –porte para uso pessoal que acabou sendo punido com nada menos do que 4 anos e 2 meses de reclusão;

Problema da política criminal é, sobretudo, entender a realidade. A compreensão equivocada da realidade traz resposta equivocada.

O problema, todavia, se inicia no “conhecimento da realidade”.

Percebe-se, na área criminal, uma indigência estatística, inclusive porque os números raramente são confiáveis.

Na economia, contamos hoje com inúmeros indicadores: produção, consumo, transporte, energia, inadimplência, que se cruzam para tornar mais confiáveis os índices oficiais.

No âmbito criminal, os dados exíguos, não são cruzados, e ainda há uma intensa disputa política sobre eles.

A caricatura do filme Tropa de Elite, em que os policiais mudam o cadáver de lugar, para alterar os dados estatísticos da região, encontra amparo na realidade com a prática de desidratar mortes embutindo em autos de resistência, não submetidos ao juízo natural.

O “conhecimento público” da realidade é ainda distorcido pela mídia e amplo uso do sensacionalismo na área penal, que faz todos os espectadores e leitores se sentirem vítimas de todos os crimes.

O sensacionalismo é um enorme estímulo ao recrudescimento penal (nenhuma absolvição é justificada, nenhuma pena é suficiente, nenhuma progressão é admissível) que acaba por contaminar a atividade política.

Sensacionalismo vende jornal, como se costuma dizer. Mas não só.

Grande mídia que o estimula é também grande empresa, em regra adotando máximas da visão neoliberal: o Estado social deve ser o mínimo, mas o penal, máximo.

Vê-se claramente uma visão corrosiva do setor público que convive com uma visão pouco crítica do setor privado. O discurso da autoridade, de qualquer uma, é visto sempre de forma crítica, salvo o do delegado ou promotor, quando tonifica a repressão e o direito penal. Ou mesmo do juiz, mitificado quando prende, condena, nega benefícios.

Políticos agem cada vez mais de acordo com essa concepção e não raro produzem uma populismo legiferante, que vai distorcendo o direito penal.

Deve-se lembrar ainda que o medo é o combustível da supressão de liberdade. A ideia central do conservadorismo é que a liberdade é perigosa –como construir segurança sem medo?

Como diz, Mia Couto: “Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade”.

A ideia de que é preciso endurecer penas criou, por exemplo, a Lei dos Crimes Hediondos e suas extensões: não diminuiu casos de tráfico, casos de extorsão mediante sequestro, mas aumentou enormemente a prisionalização e trouxe como subprodutos o PCC e o encarceramento feminino (que, por sua vez, traz em cascata outras consequências terríveis, pela falta do cuidado materno).

Aumentar penas para combater criminalidade é apagar fogo com querosene -não é a toa que o incêndio vai ficando cada vez maior.

Penso que esses são as premissas para pensar qualquer política criminal, inclusive a de entorpecentes.

Ponto basilar da questão dos entorpecentes, a meu ver, é que a política da democracia não deve ser criminal

Se é uma questão de saúde pública, deve ser tratada preferencialmente na saúde pública. A repressão não protege a saúde pública que visa tutelar. E até piora, porque a criminalização afasta usuários do sistema de saúde.

E ao mesmo tempo, as drogas contam com enorme estímulo do capitalismo farmacêutico e sua pregação pelas soluções sempre imediatas. A partir da compreensão de que tudo se resolve com pílula (depressão, gordura, impotência, infelicidade), como explicar aos jovens que não é a solução dos problemas?

E, ainda, no âmbito do mercado, o estímulo do vício nem sequer é visto como negativo, como a queda de braço entre Fifa e governo para a permissão de venda de cerveja em estádios (em um evento do esporte!), bem ainda a impossibilidade de estabelecer legislação que proíba a publicidade de cerveja na televisão (a frustração de lei encaminhada neste sentido pelo governo anterior acabou resultando na edição da lei seca). A publicidade que estimula o vício é permitida, em troca, cria-se o direito penal que não o soluciona. Hipocrisia.

Recente estudo da Unifesp aponta que a letalidade do alcoolismo no país é quase tanta como crack –expondo à mostra o cinismo da repressão. Isso sem contar as vítimas produzidas nas madrugadas por quem abusa desta droga lícita.

É um equívoco tratar droga como causa quando muitas vezes é a consequência. Muitas crianças estão na droga por causa da rua, e não necessariamente na rua por causa da droga. Mas tirar crianças da rua é muito mais fácil na esfera criminal do que na social. O abolicionista nórdico Louk Houlsman costumava dizer, se referindo à legislação europeia dos anos 70: toa lei deve indicar as fontes de sua efetivação, menos a criminal. Assim, a lei penal serve para adiar os gastos. Dar respostas populares que não se traduziram em políticas públicas.

Ao pensar em questão sanitária, devemos ter em mente ainda não transformá-la em carcerária, como parece ser a intenção dos movimentos para a internação compulsória, com indisfarçável intuito higienista.

Penso que uma política criminal nos tempos presentes deve ter, sobretudo, um conteúdo negativo, de modo a recuperar o Direito Penal de sua perversão.

A essência do DP é construção de limites: como, quando, quanto e quem pode punir. A criação do Direito Penal representou ela mesma é um exercício de liberdade em face do absolutismo. Todos os princípios iluministas fazem parte da construção do DP como conhecemos, que moldou seus postulados.

É preciso resgatar essa ideia de Direito Penal como limite ao poder, e não seu enrijecimento.

Numa análise negativa da política criminal, ligada aos entorpecentes, penso que atinge em três princípios básicos que colidem com a criminalização:

a-) não criminalizar o que é impossível de proibir
(criminalização da droga é ineficaz, mas que nos obriga a conviver com o crime)

b-) não criminalizar comportamentos morais (atentado à pluralidade; moral não alcança a toda a sociedade e é mutável). No futuro, vamos nos arrepender de ter punido, como se deu com homossexualidade e outros delitos morais.

c-) não criminalizar o que mais prejudica o bem que se pretende defender
(se o objetivo é tutelar a saúde pública, é mais razoável dispender o dinheiro da repressão para a saúde, diminuindo viciados, consumidores e por consequência o comércio)

Estes mesmos princípios, por exemplo, ser aplicam à criminalização do aborto:
a) é impossível de ser evitado,
b) o crime parte de um comportamento moral que não alcança a todos
c) a pretexto de tutelar a vida, põe muito mais delas em risco.

Não posso dizer com precisão qual deve ser a política criminal para os entorpecentes na democracia, mas certamente não é essa que está aí.

Se não por princípio, quem sabe por pragmatismo, o reconhecimento do insucesso da guerra contra as drogas, deve nos levar a uma gradativa descriminalização.

Este deve ser, a meu ver o horizonte, de acordo com a nossa capacidade política: descriminalização do uso do entorpecente; criação de tipos penais distintos com penas distintas, que permitam graduar as condutas (quebrando a “ditadura” do tráfico, com a atecnia do tipos exageradamente abertos que a tudo congrega); avançar na desprisionalização, com aplicação de penas restritivas com base nos critérios tradicionais do Direito Penal.

Toda a legalização deve supor regulamentação, como já existe em relação aos análogos tabaco e álcool.

A proibição ao fumo em locais fechados, em inúmeras cidades (como São Paulo), aliás, mostrou o vigor de normas administrativas e a capacidade de sua aceitação: não foi preciso nenhuma norma penal para mudar um velho hábito, de há muito arraigado.

Outras regulamentações, como proibição de venda a menores, publicidade, de consumo associado a certas condutas (como dirigir) ou em certos locais (como estádios) pode ser implementada. Descriminalização não significa desregulamentação.

Creio que se caminharmos nesse sentido, tendemos a diminuir o custo social e financeiro da repressão. Porque se é verdade que a prisão de um pequeno vendedor de droga (95% hoje do movimento criminal no que se refere aos entorpecentes) em nada altera o tráfico, é certo que para ele tem enormes repercussões: a prisão fica no corpo como tatuagem, com consequências muito negativas.

Como dizia no começo, a política criminal não basta apenas para mudar a lei, também serve para sua interpretação. O juiz sempre pode fazer algo que a
princípio lhe parece interditado: (progressão nos crimes hediondos, liberdade provisória no tráfico de entorpecentes, garantia do apelo mesmo com a deserção, substituição por penas restritivas).

E se existe algo que o juiz pode fazer, existe algo que o defensor pode exigir, em seu trabalho. Pedindo, pressionando, tencionando, encontrando novos temas e novas perspectivas.

Como costumo dizer aos defensores, citando Arnaldo Antunes: “o seu olhar melhora o meu”: muito do que nós podemos fazer decorre da ação que vocês exigem.

Por este motivo, penso que a defensoria pública é hoje a grande arma para o balanceamento de uma desigualdade que o sistema de justiça devia combater e reproduz.

Se para Bobbio, o problema não é tanto o de fundamentar direito, mas protegê-los; não é hora de construir direitos, mas de efetivá-los, eu diria que a principal medida para o garantismo é o fortalecimento da democracia: onde houver juiz, há de haver um defensor

E assim teríamos a certeza de que todos os réus pudessem contar com uma defesa gratuita e eficiente, comprometida e diligente, cobrando juízes
para fazer valer os direitos que democracia promete, a Constituição assegura e a política recomenda.

Se pudesse lhes dar uma recomendação, parafraseando o divido, seria “crescei-vos e multiplicai-vos”, vocês não sabem a falta que fazem onde não estão presentes.

3 Comentários sobre ….política criminal, drogas e democracia….

  1. Fernando Calmon 21 de novembro de 2011 - 19:20 #

    Prezado Marcelo, eu estava lá e pude ver (ao vivo) como foi tocante a sua abordagem e a do Pedro Abramovay, lembrando, inclusive, que dificilmente um assunto como este era tratado em um painel central de um Congresso. Parabéns, foi excelente!

  2. Gustavo 23 de novembro de 2011 - 19:12 #

    Ótimo texto.
    Nós, brasileiros, precisamos de mais magistrados como o senhor. Sinto orgulho em ler esse tipo de esclarecimento. É tão nítido. Mas parece que a maioria dos juízes brasileiros nega essa obviedade. As únicas pessoas que se interessam com a vigência do proibicionismo são os traficantes (os grandes) e ao esquema montado que envolve parte de nossas polícias e governantes. É triste ver para onde caminhamos. Aqui em São Paulo acaba de ser nomeado comandante da ROTA um policial que participou do massacre do Carandiru (ainda está impune e assim ficará). O curioso, doutor, é que no meio de comunicação onde li a matéria os principais comentários (os que eram mostrados) apoiavam sua nomeação e diziam: "bandido bom é bandido morto", "só matou 111? poderia ter acrescentado mais um número 1 aí", "ah, então está em boas mãos". Para onde estamos indo? Tenho medo.

  3. Anônimo 28 de maio de 2012 - 01:23 #

    Excelente texto! Condensa uma reflexão que, infelizmente, a maioria da população, incluindo aí os juristas, ainda não parou para fazer. O pior comportamento que pode existir em uma sociedade é a violência extrema em que seus componentes começam a matar uns aos outros, isso a atinge em sua própria essência. O Direito Penal aplicado, nesses moldes, está mais para serviço de limpeza étnica do que qualquer outra coisa. Resta sonhar com uma sociedade mais esclarecida e justa.