….projeto do CP e o jogo dos 7 erros…. (3)

 

(3) O desbalanceamento
dos crimes e penas

 

Uma das principais funções
da codificação, na área penal, é justamente o balanceamento dos crimes.

A edição de leis extravagantes,
em momentos distintos, com preocupações imediatistas em regra impede esse
equilíbrio da tutela dos bens jurídicos. A questão costuma se resolver com os
códigos, quando todos os tipos podem ser reequilibrados no mesmo momento,
condensando as diversidades de tratamento que as influências do tempo marcaram.
Desperdiçar essa oportunidade é quase como jogar o esforço de produzir um
Código fora.

As lesões corporais, por
exemplo, por mais graves que sejam (e o projeto cria lesões graves de
diferentes graus) são sempre tênues perto da dimensão de outros crimes, como os
patrimoniais ou provenientes da emergência penal. O furto qualificado equivale
à lesão dolosa que provoca enfermidade
grave e incurável; incapacidade permanente para o trabalho
então exercido ou
debilidade permanente de membro, sentido
ou função.

O roubo de uma carteira
equivale à lesão que causa perda de
membro, inutilização de sentido, incapacidade para qualquer trabalho ou
deformidade permanente
. Afinal, entre patrimônio e integridade física, o
direito penal nunca teve dúvidas qual tutelar melhor; continua não tendo.

O desnível do sequestro
(pena de um a quatro anos) que tutela só a liberdade com os crimes patrimoniais
se mantém –profundo, quando se compara com a tutela da mesma liberdade na
extorsão. Com a elevação das penas dos crimes contra a honra, torna-se muito
mais grave ofender alguém pela internet do que mantê-lo em cativeiro por até
quinze dias.

O furto de automóvel, se o
objetivo for levar o veículo a outro Estado, é mais grave do que o de uma
residência. O bem jurídico tutelado tem pouco a ver com o direito penal -é, na
verdade, o interesse das companhias seguradores –porque existe bem mais seguros
de automóvel do que residências.

Na mesma linha do interesse
de grandes corporações, reside a gravidade mantida aos crimes de violação de direito
autoral de videofonograma. O camelô, vendedor de CDs e DVDs piratas, que são
basicamente os únicos alcançados pela seletividade do sistema de repressão pela
proteção do direito autoral, continuam párias da suspensão condicional do
processo.

Na ânsia de aumentar penas,
o projeto amplia a punição das falsidades até a sanção de cinco a mais de dez
anos (se na atividade comercial, art. 262, § 2º) e revoga a falsidade e uso de
atestado e certidão, sob o pretexto de unificar a figura do documento,
aumentando sensivelmente a punição que o legislador anterior reconhecera de
menor gravidade.

A receptação culposa (art.
166, §3º) também está entre os crimes que teve sua pena ampliada, no caso para
se equiparar ao furto doloso –e a receptação dolosa torna-se mais grave do que
o próprio furto (que deve gerar no cotidiano forense situações inusitada de réu
que prefere confessar ter subtraído o bem, por ser menos grave do que adquirir
de quem o subtraiu). Afinal, receptação é crime grave que desassossega a
coletividade…

E na figura de lavagem de
capitais o projeto fez o que parecia inimaginável criando uma elasticidade na
pena ainda maior que a do tráfico de entorpecentes e que beira a
inconstitucionalidade, pois oscila nada mais do que entre o mínimo de 3 e o
máximo de 18 anos.

A preocupação ecológica cria
outros tantos monstros –além da já propalada omissão de socorro animal.

Nenhum deles parece mais
desproporcional do que crime contra a fauna do art. 388, com o acréscimo de seu
§5º (caça profissional) que, entre outras barbaridades, leva uma conduta como perseguir espécimes da fauna silvestre a atingir a pena de seis a doze anos
de reclusão -praticamente a mesma do homicídio, mas sem a necessidade de um
cadáver, nem mesmo do mundo animal.

Talvez se equivalha à
promoção ou mera participação de confronto de animais que possa levar à
mutilação ou morte (art. 395). Se ocorre a lesão grave do animal (nesta rinha
de galo criminalizada) a pena mínima é de três anos de reclusão (§1º); mas se a
mesma lesão for praticada intencionalmente no ser humano, com debilidade
permanente de membro, sentido ou função, ou causando enfermidade grave e
incurável (por exemplo, art. 129§2º), a pena mínima é de apenas dois.

Mas o desbalanceamento do
direito penal não se dá apenas pelo quantum,
mas também pelo conteúdo da proibição.

E nesse sentido, o projeto
corrompe seus próprios princípios, ao fazer tábula rasa da ofensividade que
trouxe como estandarte na Parte Geral, com a expansão das hipóteses do perigo
abstrato, a coqueluche do direito penal preventivo.

É o caso mais
especificamente do crime contra o patrimônio de “Dano aos dados informáticos”,
por equiparação. Na mesma pena de quem destrói, danifica, deteriora, etc,
incide quem produz, mantém, vende, obtém,
importa ou distribui
programas e
outros dados informáticos, destinados a destruir, inutilizar ou deteriorar
coisa alheia
(art. 164, § único).

É a transposição para o
campo cibernético da antiga contravenção de posse de gazua ou chave falsa, de
discutível constitucionalidade. O legislador optou por dar um passo atrás,
tornando punível a simples conduta de obter ou manter um programa desse tipo,
inaugurando a criminalização do perigo abstrato ao patrimônio.

A punição do perigo abstrato
também se repete na sabotagem informática
(art. 210), em que à ação do hacker se equipara quem produz, mantém, vende, obtém, importa ou distribui códigos de acesso
–mais ou menos como punir o fabricante da arma pelo crime posterior com ela
empregado, ou o porte de arma com a mesma pena do crime de dano com realizado
com o instrumento.

Antecipação de tutela,
aliás, que o projeto herda acriticamente do ECA, em relação à posse, aquisição
e armazenamento de fotografia ou vídeo com sexo envolvendo crianças e
adolescentes (art. 496)

E a ânsia de antecipação do
punir acaba por provocar inexplicáveis inversões, como o fato de que guardar moeda falsa seja punida com pena
de 3 a 8 anos (art. 259, §2º), ao passo que a aquisição de produtos de pequeno
valor com ela só é punido com pena de 1 a 4 anos de prisão.

No estelionato massivo, outra badalada inovação, o projeto contempla a
ideia de causa de perigo (destinada a
produzir efeitos em um número expressivo de vítimas
) para aumentar a pena em um crime de dano.

E na tumultuada legislação
de trânsito, a que mais sofre alterações de emergência, na direção sob influência de álcool, o projeto
optou pela solução de manter convivendo um tipo de perigo abstrato (sendo manifesta a incapacidade para fazê-lo
com segurança
) e outro de perigo concreto (expondo a dano potencial a segurança viária), ambos com a mesma
pena e ainda sem prejuízo da
responsabilidade por qualquer outro crime cometido
.

A redação sugere a
possibilidade de uma cumulação inédita, na mesma ação, de crime de dano, perigo
concreto e perigo abstrato –o que certamente será repelido pela jurisprudência
(quem sabe mais adiante acusada de amolecer
com os criminosos de trânsito
).

 

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