….projeto do CP e o jogo dos 7 erros…. (4)

 
 

(4) O direito penal do autor

 

Da mesma forma que a
proliferação dos crimes de perigo abstrato esvazia a promessa da ofensividade,
os resquícios de direito penal do autor corrompem a vinculação da pena à
culpabilidade, merchandising do projeto estampado em seu artigo primeiro.

Se o agente é punido mais
pelo que é, do que pelo fez, a noção de culpabilidade perde força –trata-se de
carta marcada antes mesmo de ser sorteada.

Os resquícios desse
despropósito se encontram ocultos, disfarçados, mas ainda presentes no projeto.

A fúria punitiva que
determinou a criação da associação qualificada pela milícia produz um exemplo virtuoso –a causa de aumento, que
praticamente faz dobrar a pena, se a associação é integrada por agentes ou ex-agentes do sistema de segurança pública
ou das forças armadas
, ou por agentes políticos
(art. 256, §3º).

É certo que a realidade
demonstra há tempos que o crime organizado se escora no próprio Estado (daí a
dificuldade de punição, mais do que a falta de um tipo), mas querer combatê-la
com um apenamento de emergência chega às raias do absurdo –a qualificação por
ser o autor um ex-agente do sistema de
segurança
(ou seja, nem sequer pelo que é, mas pelo que foi) não se coaduna
minimamente com o conceito de direito penal do fato.

E eis que o direito penal do
autor também ressurge no ponto alto do projeto, a descriminalização do porte
para uso pessoal de entorpecente. Entre os critérios para determinar se a droga
se destinava a consumo pessoal, o juiz
atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, à conduta, ao
local e às condições em que se desenvolveu a ação, bem como às
circunstâncias sociais e pessoais do agente
.

Ao introduzir no tipo penal
as circunstâncias sociais e pessoais do
agente
como elemento distintivo do porte para uso pessoal ou comércio,
recria-se a ideia de que o agente pode ser punido pelo que é (ou foi) e não
pelo que fez.

Embora os indícios apontem
no sentido de que os autores até tenham agido de boa-fé, não afastam, ou ao
revés, estimulam, que determinado agente seja ao final punido pelo tráfico, havendo
alguma espécie de dúvida em razão, por exemplo, de uma reincidência. A partir
do momento em que uma reincidência pode ajudar a definir o crime praticado em
outro delito, o direito penal se afasta do fato –em um caminho sem volta.

E, a propósito, o Código
também perde a oportunidade de corrigir uma outra invasão do direito penal do
autor, com a importação quase sem alterações, da recente lei de entorpecentes
(estatísticas do Departamento Penitenciário estipulam que a proporção de presos
por tráfico de entorpecentes simplesmente dobrou depois de sua edição).

A hipótese do tráfico
privilegiado, que permite a redução de 1/6 a 1/3, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique
às atividades criminosas nem integre associação ou organização criminosa de
qualquer tipo
.

Temperar a punição, nestas situações,
é um dos poucos avanços da Lei de Entorpecentes. Mas, uma vez que o dedicar-se a atividades criminosas é
quase letra morta (criando uma circunstância não apreciável para além da
reincidência ou primariedade), e a integração a organizações criminosas em
regra de difícil prova, a redução tem mesmo sido expressivamente vedada nos
casos de reincidência (ou de maus antecedentes).

E nestes casos, a aplicação
do direito penal do autor exsurge com evidência. A diferença entre uma pena de
5 anos a quem não é primário (ou não tem bons antecedentes) e a de 1 ano e 8
meses a quem é, é tão profunda que se pode dizer, sem chance de erro, que dois
terços da pena são decorrentes não do tráfico que o agente praticou -mas do
reincidente que ele é.

E a reincidência aqui (ou os
maus antecedentes) nem são específicos: uma condenação anterior por porte para
uso pessoal, por exemplo, tem sido aceita na jurisprudência para impedir a
redução (e triplicar o valor da pena se assim não fosse). A ofensa à
proporcionalidade é manifesta.

 

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