Insistir em guerra fracassada é um erro indesculpável
Se já não bastasse a eleição do pastor Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, a Câmara está perto de cometer outra atrocidade, alterando a lei de entorpecentes para torná-la ainda mais rigorosa.
O fracasso da “Guerra contra as Drogas” é tão evidente que chega a ser um contrassenso quase indesculpável uma proposta que visa endurecê-la ainda mais.
No futuro, certamente vai ser difícil explicar como tendo resultados tão estrondosamente deficitários nos objetivos, tantas autoridades tenham continuado a bater na mesma tecla de forma assim insistente.
Políticos de diversos países, de perfis até mesmo conservadores, vem sugerindo que é tempo de rever a política que sustenta a criminalização dos entorpecentes e que, indiretamente, castiga o próprio usuário que o legislador afirma tutelar.
O STF está prestes a decidir, inclusive, sobre a constitucionalidade da punição do porte de entorpecente apenas para uso pessoal.
E a par de tudo isso, o projeto do deputado Osmar Terra quer aumentar as penas do usuário, estabelecer cadastros, treinar professores para descobrir dependentes e vitaminar a pena do tráfico baseada na natureza do entorpecente –o que tende a incrementar ainda mais a seletividade da punição, por via do crack, negociado nas camadas mais vulneráveis.
Até o projeto do Código Penal, que não tem lá grandes arroubos progressistas, buscou estabelecer diferenças mais seguras entre tráfico e uso, para excluir o usuário do sistema penal.
Mas o projeto na Câmara procura aumentar a tutela sobre o usuário, incorporar professores e médicos no espectro da repressão e manter a ideia da internação compulsória, que só tem servido para propósitos higiênicos-urbanísticos.
O tráfico de entorpecentes é, hoje, a principal causa da hiperprisionalização.
Quem acompanha o cotidiano forense, ou mesmo o carcerário, sabe que a vigilância é seletiva, a ação das polícias se baseia nas ruas e nas favelas, de modo que é o usuário pobre e o microtraficante que superlotam os camburões, as audiências e, por fim, as celas.
Muitos supunham que a lei que entrou em vigor em 2006 teria condições de atenuar a punição –o resultado foi inversamente proporcional e o peso do tráfico nas condenações só vem aumentando.
Ao invés de o Parlamento discutir seriamente se essa guerra perdida deve continuar, se o maciço investimento em segurança deve mesmo desguarnecer a questão de saúde ou se os esforços de descriminalização não produzem resultados melhores, como está ocorrendo em Portugal, tudo o que o legislador quer é tentar deter o tráfico com mais prisões, estratégia que vem falhando há mais de trinta anos.
Os propalados projetos de cooperação na internação compulsória mostraram, sobretudo, que existe interesse familiar em internações não-judiciais, revelando principalmente a carência de postos de saúde e de acompanhamento psicológico ao longo do tempo.
E esta deficiência só tende a aumentar se continuarmos a dispender esforços, e, sobretudo recursos, para alimentar estruturas de repressão.
A política criminal de combate aos entorpecentes conseguiu aumentar sensivelmente o encarceramento e a sua seletividade, sem diminuir o consumo nem a criminalidade e, ao mesmo tempo, deteriorou a polícia, frágil na luta e suscetível à promiscuidade, diante da pujança do comércio ilícito, que enriquece justamente às custas da proibição.
Poucas estratégias podem se dar ao luxo de cometer tantos erros. E ainda assim continuar tão prestigiada.
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