….revisionismo sobre ditadura é tortura que país não merece sofrer….

 
 
 
Os efeitos dos anos fechados são persistentes. É preciso lembrar, não reinventá-los.
 
 
 
 
 
 
No primeiro de abril próximo fará cinquenta anos o golpe militar que mergulhou o país em duas décadas de ditadura.
 
Eleições foram proibidas, comunicações foram censuradas, partidos tolhidos, políticos cassados, juízes aposentados.
 
Torturas, sequestros, desaparecimentos forçados e muitos homicídios contra quem se opôs ao regime de força.
 
As sequelas das violências ainda ecoam nos corpos que conseguiram sobreviver, mas muitas famílias permanecem na dúvida sobre o que aconteceu a entes que jamais reencontraram, depois que levados aos porões.
 
Militares saudosos costumam replicar a ideia de ordem e disciplina dos tempos de autoritarismo. 
 
Mas o que se verificou é que a parte expressiva das prisões e mortes, que afirmavam em confronto, não passaram de simulações toscas para ocultar execuções sanguinárias. Jamais estiveram na lei e nunca representaram a ordem. 
 
É certo que com os agentes públicos comprometidos com a repressão sem freios e a imprensa amordaçada, a verdade sobre tais fatos demoraram para vir à tona. 
 
A imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, praticadas em ações massivas por agentes públicos, como política mesmo de Estado, é por isso reconhecida no direito internacional.
 
A censura e a oposição manietada permitiram, ainda, que os governos militares realizassem, a seu bel-prazer, negócios sem a fiscalização que o rigor da democracia impõe aos governos de hoje. 
 
Um país do futuro era moldado a toque de transações bilionárias, que culminaram com a formação de uma dívida externa monstruosa que atormentou nossa economia por longos anos.
 
Se hoje a democracia é criticada pela fragilidade dos partidos, parte significativa da bagunça se deve aos anos de ditadura, quando agremiações foram fechadas e o bipartidarismo foi compulsório até quando interessou. 
 
Para assegurar que derrotas em eleições parlamentares jamais colocassem em risco a maioria governista, toda a sorte de estratagemas foi produzida no Congresso, como a alteração de quocientes eleitorais dos Estados ou a criação dos senadores biônicos.
 
A frustração na campanha das Diretas-Já e a solução conciliatória do Colégio Eleitoral acabou proporcionando um conjunto heterodoxo de alianças políticas que embaralhou e constrangeu a lógica partidária.
 
Os efeitos dos anos fechados são persistentes. 
 
Até hoje, a presença de grupos de extermínio em desvãos clandestinos de aparatos policiais mantém viva a política de execuções sumárias, tão conhecida dos tempos sombrios. E a tortura permanece uma chaga aberta.
 
Quase três décadas depois do fim do regime, o país ainda não conseguiu produzir uma versão oficial que apague as mentiras criadas especialmente para esconder as brutalidades e a Comissão da Verdade caminha sobre ovos, sem força suficiente para quebrá-los.
 
A maioria dos vizinhos latino-americanos, submetidos na mesma época a iguais regimes de força, tem-se voltado, de uma forma ou de outra, para esclarecer as barbáries das sombras e julgar os responsáveis por crimes contra a humanidade.
 
Entre nós, todavia, quem se assanha agora é justamente o revisionismo. 
 
Uma ação negacionista coordenada, que procura rescrever a história ora para reduzir o espaço temporal da ditadura, ora para acrescentar uma brandura que ela jamais teve ou ainda, de forma abusivamente hipócrita, comemorá-la como uma ‘revolução democrática’.
 
O Brasil não merece sofrer mais essa tortura.
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