….Roubaram o Chimbal do Ringo….

“Roubaram a perua da mãe do Jhonny. Levaram até o chimbal do Ringo”

O conto que segue, Festival de Rock está no livro “Roubaram o Chimbal do Ringo” (SSUA-Editora), de autoria de Jurandir Pinotti*, e justamente o que lhe dá o nome.

Jura foi juiz e hoje é advogado. Mas sempre um belo escritor. Confira:

Festival de Rock

Numa noite quente e enluarada de domingo, no início da década de 1960, quatro jovens cabeludos conversavam em frente ao cinema da cidade. Eles vestiam calças boca-de-sino cujas barras quase encobriam as botinhas de salto carrapeta e, curiosos, olhavam as meninas que saíam da sessão das oito.

Eles já sabiam da novidade e, portanto, o assunto não podia ser outro: numa cidade vizinha chegara um parque de diversões, o qual, aos sábados à noite, promovia festivais de rock.

Os rapazes apenas não gostaram da parte do regulamento da competição. Mas, o que fazer se as regras determinavam que em cada sábado dois conjuntos (naquele tempo ainda não se falava banda) deveriam apresentar dez músicas cada um?

“Caramba, Jhonny, dez músicas!… O que você acha Ringo?”. Eles não tinham instrumentos musicais. A experiência prática que possuíam havia sido conseguida pelo desejo de tocar e cantar, e pela ajuda dos integrantes de outros conjuntos. Estes, de vez em quando, nos intervalos dos ensaios, embora a contragosto, os deixavam usar as guitarras, o baixo, a bateria, todo o equipamento, enfim.

Desse jeito, após inúmeros intervalos de alheios ensaios, os jovens conseguiram formar um pequeno, mas poderoso –como eles acreditavam- repertório: duas canções dos Beatles, uma dos Rolling Stones e a indefectível A Casa do Sol Nascente, cantadas com um simulacro de pronúncia inglesa.

Depois de muitos planos, confiantes, os moços decidiram participar do festival. Inscreveram-se, mas pediram para tocar em segundo lugar, Justificaram-se alegando que, à tarde, iriam “abrilhantar a festa de casamento da filha de um usineiro com um advogado de São Paulo”, e que, diante desse compromisso anteriormente assumido, talvez necessitassem chegar após o início do show. A simpatia dos rapazes lhes valeu também outra condescendência: os organizadores do festival aceitaram que eles concorressem com um conjunto que não fosse da cidade deles, “por causa da rivalidade que lá havia entre os músicos”, como explicaram os jovens ao fazer a solicitação.

No sábado do festival, terminada a apresentação do primeiro conjunto, todos aguardavam com impaciência a chegada do segundo concorrente. Mas, para aflição da platéia, nada dos rapazes aparecerem.

De repente, surge em alta velocidade uma viatura policial com a sirene ligada. Assustados e curiosos, após o veículo frear bruscamente cantando os pneus, os expectadores viram saltar do interior da radiopatrulha, agitados, gesticulando muito, os quatro jovens integrantes do segundo conjunto.

O apresentador, depois de ser informado sobre o que ocorrera, gritou à platéia que o conjunto havia sido assaltado durante a viagem. Acrescentou que os ladrões levaram a perua Kombi da mãe do Jhonny, na qual os rapazes transportavam os instrumentos musicais. Por isso, os moços iriam usar o equipamento do conjunto anterior, “se os donos assim o permitissem”. O público vibrava quando o apresentador repetia: “Roubaram a perua da mãe do Jhonny. Levaram até o chimbal do Ringo”.

Primeiro, os rapazes cantaram as duas músicas dos Beatles e A Casa do Sol Nascente. Quando Jhonny, o mais bonito e cabeludo dos rapazes, começou a rebolar e cantar “I can’t get no, satisfaction”, várias garotas invadiram o palco e interromperam a apresentação. Elas derrubaram os microfones, agarraram e beijaram os artistas, rasgaram a roupa deles e depois fugiram correndo do local. Houve uma explosão de gritos, palmas e vaias.

A platéia só se acalmou após o apresentador voltar ao palco e gritar que os rapazes estavam abalados por causa do roubo e da interrupção do show. O homem também esclareceu que por esse motivo o conjunto não tinha condições de continuar a apresentação. O público novamente vibrou quando o apresentador disse que em pouco tempo voltaria para anunciar o resultado do festival.

Após retornar e fazer alguns comentários jocosos sobre a invasão do palco, o apresentador explicou ao público que o júri entendera que os quatro rapazes haviam vencido o festival, embora não tivessem tocado as dez músicas. E sapecou: “Eles tiveram muito ‘denôdo’ e determinação. Assim mesmo, ‘denôdo’. Dessa vez a platéia quase entrou em delírio.

Naquela madrugada, já de volta à cidade deles, os rapazes do conjunto vencedor e as moças que tinham invadido o palco conversavam na estação de trem. Eles diziam que elas seguiram o plano direitinho. Acabaram com o show na hora certa. “Onde nós iríamos arrumar mais seis músicas?”, perguntaram-se os jovens músicos.

Felizes, eles comiam os dois frangos assados que receberam pela vitória. Os frangos eram insuficientes para todos. Mas as meninas tinham trazido cada maçã….

*Jurandir Pinotti é autor de Dedos Sonâmbulos (poesia); A vida em baixo relevo (contos) e Beijos Engolidos (poesia).

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