Perdão judicial é a porta de entrada da vida real no processo criminal
Para responder a pergunta acima, começo contando o caso que me fez pensar nela.
Alguns anos atrás, julgava o processo de um funcionário público acusado de adulterar cartões de ponto, para justificar seus atrasos.
Depois de mais de quinze anos de serviço e nenhuma sanção disciplinar, o funcionário foi demitido a bem do serviço público, sem direito a qualquer verba indenizatória, já que estatutários não gozam de Fundo de Garantia.
À minha audiência, veio já em depressão, inclusive pelo desemprego que sua situação não conseguiu evitar –quem contrata uma pessoa após a demissão do Estado por falsidade?
Depois de ouvir todas as testemunhas, inclusive as chefes que falavam bem de seu trabalho e de sua assiduidade, até do conhecimento de alguns atrasos que foram abonados, absolvi o ex-servidor. As provas técnicas eram imprecisas quanto à adulteração e o conhecimento de rasuras pela chefia tornava a questão pelo menos controversa.
Mas antes de formar meu convencimento, uma questão me aturdiu.
Será que o processo administrativo e suas consequências já não teriam sido graves o suficiente para reprovar a situação?
Será que o tamanho de uma punição criminal, além das outras sanções, não seria desproporcional para o ato?
Muitas vezes nos deparamos no Fórum com questões do gênero.
Condutas em tese típicas que antes do processo geraram um volume tal de consequências gravosas para seu autor, que a força do direito penal se apresenta como excessiva, injusta até, diante da reprovação que a sociedade ou outros meios do direito foram capazes de impor.
Quantos casos já não vimos de pessoas que chegaram detonadas à audiência, humilhadas pelo constrangimento do processo por ninharias ou derrotados pelas perdas já ocorridas?
Para certos casos, o Direito Penal tem uma solução: o perdão judicial.
Acontece, por exemplo, em homicídio culposo, quando as consequências do crime são de tal forma graves para o autor, que o juiz pode deixar de aplicar a pena. Que punição poderia ser maior a um pai que causa um acidente do que a morte de seu próprio filho?
Ocorre que o perdão judicial só existe em algumas raríssimas hipóteses –diz o Código Penal que o perdão extingue a punibilidade só nas causas previstas na lei. E a doutrina penal sempre entendeu que causas restritivas não podem ser interpretadas por analogia (ou seja, exceções não viram regras).
O perdão judicial é, por excelência, a porta de entrada da vida real no processo criminal.
A cláusula que permite ao juiz criminal julgar por equidade. Que conclua pela responsabilidade penal do acusado, mas pelas circunstâncias posteriores, afirme o caráter draconiano ou inócuo da pena a ser aplicada.
Que permita, enfim, que se faça justiça, para além do atavismo de um direito penal todo ele estruturado na metafisica do crime e castigo.
Se eu pudesse mudar uma única coisa no direito penal, é isso que eu faria: instituiria a regra genérica do perdão judicial.
E você, se pudesse mudar uma única coisa no direito penal, o que seria?
Criminalizaria a homofobia ou descriminalizaria o aborto?
Tornaria expresso o princípio da insignificância ou legalizaria o porte de entorpecentes?
Aboliria a pena mínima ou buscaria de alguma forma tornar a punição ainda mais rigorosa?
O que está em seu desejo mais profundo?
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Para quem escreve pelos cotovelos, sempre é bom poder saber o que os leitores pensam.
Quem se atreve?
De bate-pronto, implantar a efetiva individualização da pena. O DP trata de crimes, não de indivíduos, porém, a pena não se dirige a fatos, mas a indivíduos. O CP tem vários artigos q possibilitam ao juiz individualizar a pena (o perdão é um, mas no próprio 59 há possibilidade, assim como no caso das atenuantes genéricas ou na aplicação da multa x10 ou na avaliação da real possibilidade da substituição, q hoje em dia é aplicada a quem não merece). A própria tipicidade conglobante, assim como a imputação objetiva, são critérios individualizadores. No próprio 59: o q se faz hj em dia é dar peso idêntico a cada circunstância, matematicamente, o q é absurdo! Poxa, é duro admitir, mas, em que pese a CRFB deixar claro que o norte para a dosimetria é a individualização, ninguém estabelece pena pesando cada ítem das 3 fases com olhar individual sobre o réu; faz de olho no q diz o STF, STJ…
Prezado Marcelo,
Com relação à possibilidade de aplicação do perdão judicial a hipóteses imprevistas na lei penal, penso que a aplicação do princípio da irrelevância penal do fato produz efeitos semelhantes e se aplica, precisamente, às hipóteses em que, pelas condições pessoais do acusado e a pequena dimensão da ofensa ao bem jurídico tutelado, fica autorizada a exclusão da punibilidade do fato que, embora típico, não comporta aplicação da pena. A tese foi desenvolvida a sobre o instituto da punibilidade – a que traduz a possibilidade de aplicação da pena ao fato típico, ilícito e culpável. A punibilidade como instituto que possibilita a adequação da (não) resposta penal ao fato para o qual ela seja desnecessária foi especialmente desenvolvido por Jorge de Figueiredo Dias, que a concebe como dignidade pena do fato, pressuposto necessário para a imposição de uma pena – a ser aferido pela avaliação da necessidade da pena no caso em concreto. A tese é adotada, já há alguns anos, pela 5ª Camara Criminal do TJMG(http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=144&ano=7&txt_processo=19701&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=irrelev%E2ncia%20penal%20do%20fato&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=). Me parece uma fundamentação racional o suficiente para se superarem as objeções acerca da inexistência de previsão legal dessa espécie de causa extintiva de punibilidade. Um forte abraço,
Antonio Godoi
Eu não entendo nada de direito penal. Mas, já que é p dar pitaco, fico com a primeira opção: criminalizar a homofobia e descriminalizar o aborto.
No entanto, acho que o pior aspecto dos processos no brasil é a demora. Leva muito tempo para que a justiça seja realizada e isso cria a imensa sensação de impunidade…desde casos pequenos como a violação de um contrato por uma empresa prestadora de serviço, até um homicídio como o caso do pimenta das neves.
Tinha q haver algo para tornar os processos mais ágeis.
Sem pensar muito, só da boca pra fora, vedaria qualquer tipo do uso dos princípios da proporcionalidade/razoabilidade no processo penal quando resultar em intervenção a direitos fundamentais do acusado. O Estado que se vire pra fazer provas, o cidadão JAMAIS pode ter direitos fundamentais relativizados. Proporcionalidade/Razoabilidade é um nome bonitinho para "tortura apoiada por 'filósofo'".
Repare que a maioria das doutrinas que advogam a relativização da vedação de provas ilícitas são, "misteriosamente", norte-americanas, ou seja, dos papais de guantánamo.
eu acho que deveria ter uma comissão específica para avaliar preliminarmente os casos antes do ingressao com qlqr tipo de ação penal. Cabendo a esta mesma comissão aplicar sanções disciplinares, prestações de serviços á sociedade, evitanto …assim o grande atraso do judiciario. Hj, qlqr coisinha leva a representação. E sem contar os infinitos B.O se necessidade e que não saem da delegacia. A vítima, talvez, por má informação, começa a "colecionar" BO e não leva adiante. Com a suposta comissão, limitariamos os BO repetitivos…e a representação sem necessidade.
Interpretando o "direito penal", no caso, como "legislação penal", estritamente, concordo com a generalização do perdão judicial.
Bom… "…uma unica coisa", "uma unica coisa…" é, eu não sei como ainda, por quais "inter" passar e como passar, mas eu me aventaria a efetivar o caráter subsidiário e minimo do Direito penal, efetivando-o a ser utilizado somente e tão somente no ultimo caso, como deveria ser, e não com a "ultima ratio de papel", como vem sendo usado. Ao conseguir essa façanha, a unica "coisa" que ficaria solta e ainda reinando no fazer sofrer, seria a homofobia, que continuaria propagando o sofrimento, infelizmente esta seria a ponta solta, todavia deveríamos buscar nos meandros da justiça algo para inviabilizar esse malfazejo…
Parabéns pela decisão tomada e parabéns pela "promoção" da reflexão!
Abraços!
😉
…Eu mudaria o sistema das execuções penais. Do Executivo para o Judiciário. Quem aplica a pena deve ser o responsável por sua execução.
Sou leigo em direito e fiquei em dúvida se deveria escolher uma opção aceitando as duas medidas propostas ou posso escolher… rs.
Eu Criminalizaria a homofobia, embora acredite que teríamos de tomar cuidado para não ocorrer exageros.
Eu tornaria expresso o princípio da insignificância para evitar que o roubo de um desodorante faça alguém cumprir pena por furto. Acho que somente ser preso e levado a julgamento é o suficiente.
Eu legalizaria o porte de entorpecentes se fosse mínimo, algo que deixasse bem claro ser para consumo e não para venda.
Sou estudante e fico um pouco insegura de falar.
Mas, se tivesse que escolher uma única coisa pra mudar no direito penal, eu aboliria a reincidência.
Aqui vai a opinião, talvez ultrajante, mas espontânea, de um leigo: eu gostaria que fosse abolida a prescrição das penas e que todos os operadores do Direito fossem pagos apenas pelo Estado. Primeiro, porque acho que, se um crime foi cometido, e há indícios da autoria preservados para julgamento, passado o tempo for, não entendo por que o considerar prescrito. Em segundo lugar, vejo que quem pode gastar muito dinheiro na Justiça tem a capacidade de prolongar o processo, recorrendo a várias instâncias e por motivos diversos, de modo a atingir o tempo da prescrição, extinguindo o processo, mesmo quando é culpado. Quem não tem $$$ suficiente, nem sempre tem acesso a todos os detalhes capciosos da letra da lei que estejam disponíveis em seu favor. No meu entendimento, essa desigualdade poderia ser reparada se todas as taxas judiciais fossem abolidas, e os salários dos operadores de direito, pagos pelo Estado.
Essa é fácil! Eu acabaria com as penas privativas de liberdade, por serem cruéis e, sobretudo, por recairem quase que exclusivamente sobre pessoas miseráveis.
Do jeito que a coisa anda fica até difícil de tomar partido, minha balança fica ponderada demais.
Realmente, entre decidir pelo garantismo penal – muito lindo e bonito, e a garantia de uma sociedade livre de criminosos de fato, hoje, particularmente hoje, fico com a segunda opção.
Com relação a ampliação dos efeitos do instituto do perdão judicial, nada mais coerente e condizente, não se trata de um criminoso de fato; e sim de um cidadão que veio a praticar delito, no caso citado pelo jurista Marcelo.
Finalmente, eu mudaria no direito penal o modo de execução das penas, ou seja, faria com que as penas fossem executadas durante o tempo decidido pelo magistrado, sem direito a grandes reduções como ocorre, mas para isso necessária seria toda uma reforma do sistema, haja vista que tentaria fazer a implantação de grandes colônias agrícolas, com escolas, direito a visitações de familiares, desde que o crime não houvesse ocorrido com violência ou grave ameaça. Sintetizando: O que resolve é o que prescreve a nossa teoria e legislação penal, mas que não conseguimos colocar em prática em razão da corrupção que assola nosso território e da falta de compromisso de nossa sociedade.
Poxa, Marcelo, vc não tinha uma pergunta mais fácil?
Minha resposta poderá parecer pueril, mas quem lida com a aplicação da lei penal entenderá.
Eu procuraria rever todas as penas, no aspecto quantitativo. Com a proliferação das normas criminalizadoras, perdeu-se totalmente a sistematização que havia por ocasião da instituição do Código Penal, estabelecendo-se penas totalmente desproporcionais, que muitas vezes visam exclusivamente a "resolver" questões momentâneas ou de interesse de grupos. Cito como exemplo o atual art. 184 do CP, no ponto em que combate a "pirataria".
Mas isso seria apenas o começo.
Olá, meu nome pe Reinaldo, sou Gerente Comercial de commodidies. Sinceramente vejo esta situação de "homofobia" como uma das maiores mediocricidade e inversão de valores já visto nos últimos séculos… Até porque, excessão as pessoas de "boas intensões" o que está sendo feito mesmo é uma enorme propagação de sexo livre, sem regra e um monte de conceitos depravados que foge à moral da sociedade. Respeito grandes homes e mulheres humosexuais que nada tem haver com este comentário; até porque não acho que para ter a "opção sexual" livre tenha que necessariamente ser de forma depravada… Aconselho aqueles que tem esta opção a passar uma imagem mais elegante e menos pornográfica, assim, nem precisaria de leis para legalizar o que é moral, difícil é legalizar e fazer a sociedade engulir o imoral. Um abraço aos humosexuais legais.
Deveria haver um poder judiciário específico para atender a área Publica para os casos de desvio de verba, má gestão dos recursos, recebimento de propina etc. Algo do tipo fast track americano, onde em um ano o processo seria julgado e o réu condenado e preso.