Quanto mais a imprensa trata como estranho, mais as pessoas se sentem à vontade para desovar preconceitos
Pode até parecer contraditório, mas a imprensa se chocou mais com a foto de Emerson Sheik beijando um amigo do que o próprio público conservador do futebol.
Na segunda-feira, menos de meia dúzia de pessoas foram reclamar no centro de treinamento do Corinthians. Ainda assim, as grotescas faixas ganharam enorme espaço nos informativos pela internet.
A ânsia de criar um escândalo era notória.
Sites esportivos se puseram a fazer enquetes sobre torcedores e a possível homossexualidade de seus ícones.
No Jornal da Band, a foto chegou a ser qualificada como “mais um capítulo na tumultuada história do
jogador”.
O sensacionalismo sobre o fato é nada menos do que tosco. Claramente destinado a impulsionar sentimentos e provocar reações, mais ou menos como a mídia tem agido na questão da criminalidade.
Parece não ser suficiente relatar ou descortinar os fatos, mas necessário estimular o leitor ou espectador a uma posição de repulsa, que mais tarde, coletada nas pesquisas dos próprios órgãos, será repudiada como falta de civilidade.
A incapacidade de tratar a foto como algo natural, seja ela uma brincadeira entre amigos, seja um afeto entre parceiros, parte do princípio de que a homossexualidade, admitida em tantos outros espaços de celebridades, está interditada no futebol, espaço supostamente destinado a “machos viris”.
Uma verdadeira estultice, que acaba por fazer com que a homossexualidade seja reprimida e torna as pessoas ao mesmo tempo mais infelizes e mais violentas.
A luta contra a homofobia, a tolerância com as diferenças e o reconhecimento das pessoas de suas próprias singularidades, que muitas vezes se escondem justamente no álibi da rejeição, devem ser incentivados, não apenas traduzidos como folclóricos, polêmicos ou tumultuários.
Quanto mais a imprensa trata como estranho ou inusitado, mais as pessoas se sentem à vontade para desovar seus preconceitos.
Por tudo isso, mesmo que o beijo pouco signifique do ponto de vista sexual, a foto foi uma bola dentro do jogador.
Se o fato de homens se beijarem torna-se corriqueiro, seguramente menos homossexuais serão agredidos em suas carícias. E menos gente talvez passe a entender o amor como algo anormal, simplesmente porque não é que aquilo que gosta de fazer.
Longe da vergonha, para o torcedor não deixa de ser um orgulho: cai muito bem na casa que abrigou a rebeldia da Democracia Corintiana dar um pontapé na luta contra a homofobia.
Para os condutores do preconceito, ou os que faturam estimulando-o, a resposta precisa veio do próprio jogador:
“Está na hora de mudar essa babaquice”.
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