….Soledad….

Es probable que aún siga mirando
soledad compatriota de tres o cuatro pueblos
el limpio futuro por el que vivías
y por el que nunca te negaste a morrir

O texto que segue é extraído de “Luta: substantivo feminino. Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura”, publicado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo federal, em 2010, que resenhei aqui no Sem Juízo (….Luta: substantivo feminino….)

Retrata a dramática história de Soledad Barret Viedma, ex-companheira do cabo Anselmo (que com o codinome de Daniel, agia como agente policial infiltrado na VPR, organização de que ela participava). Soledad foi vítima do Massacre da Chácara São Bento, em Recife, em janeiro de 1973, quando estava grávida.

Soledad foi ainda homenageada pelo consagrado poeta uruguaio, Mário Benedetti, em poema que imortalizou sua história e segue transcrito na sequência.

SOLEDAD BARRET VIEDMA (1945-1973)
Filiação: Deolinda Viedma Ortiz e Alex Rafael Barrett

“Nascida no Paraguai e tida como mulher de rara beleza, Soledad era neta de um importante escritor, jornalista e intelectual paraguaio, nascido na Espanha: Rafael Barrett. Tanto o pai quanto o avô foram perseguidos por suas ideias políticas.

Assim, quando Soledad tinha apenas três meses de idade, a família fugiu para a Argentina, onde viveu cinco anos; em quatro dos quais o pai esteve preso ou foi perseguido, tanto pela polícia paraguaia quanto pela argentina. A família regressou ao Paraguai, mas voltou a se exilar – agora no Uruguai – após a implantação da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989).

No Uruguai, de acordo com sua irmã Namy Barrett, Soledad foi raptada em julho de 1962, aos 17 anos, por um grupo neonazista, que a colocou em um automóvel e, sob ameaças, quis obrigá-la a gritar palavras de ordem contrárias às suas ideias. Por ter se negado, os raptores gravaram em sua carne, com uma navalha, a cruz gamada, símbolo do nazismo.

Começou assim um ciclo de perseguições e prisões mostrando que, para a polícia uruguaia, Soledad passou de vítima a culpada. Ela decidiu deixar o país e seguiu para Cuba, onde conheceu o exilado brasileiro José Maria Ferreira de Araújo – militante da VPR conhecido como Arariboia ou Ariboia, desaparecido no Brasil em 1970 –, com quem se casou e teve uma filha, Nasaindy de Araújo Barrett.

No Brasil, onde passou a militar pela mesma organização, Soledad foi morta, juntamente com mais seis companheiros, no chamado Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7 e 9 de janeiro de 1973 em Paulista, na grande Recife. A militante era companheira do cabo Anselmo, codinome Daniel, apontado como agente policial infiltrado na VPR e responsável por levar os agentes do Estado até as vítimas do massacre.

A versão oficial de que havia ocorrido um tiroteio foi desmontada pelas investigações posteriores. Os processos formados no âmbito da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) reuniram provas consistentes de que, na verdade, os seis militantes foram presos em locais diferentes e mortos sob tortura.

Mércia de Albuquerque Ferreira, advogada de presos políticos na época, conseguiu ter acesso aos corpos removidos para o necrotério. Sobre Soledad, Mércia declarou, em depoimento formal:

“Ela estava com os olhos muito abertos, com expressão muito grande de terror. A boca estava entreaberta, e o que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade. Eu tenho a impressão de que ela foi morta, ficou algum tempo deitada e depois a trouxeram. O sangue, quando coagulou, ficou preso nas pernas, porque era uma quantidade grande. E o feto estava lá nos pés dela, não posso saber como foi parar ali ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror.”

A análise das fotos feitas pelas forças de segurança no local mostra que Soledad recebeu quatro tiros na cabeça e apresentava marcas de algemas nos pulsos e equimoses no olho direito. Os legistas que assinaram seu laudo fizeram também referências a equimoses espalhadas pelo corpo.

A militante paraguaia foi enterrada como indigente, sem qualquer identificação, no cemitério da Várzea, no Recife. O cantor e compositor Daniel Viglietti, espécie de Geraldo Vandré uruguaio, quando se apresenta em turnês mundiais, sempre canta a canção que compôs em homenagem a Soledad Barrett. Além disso, o poeta maior do país vizinho, Mario Benedetti, escreveu para ela um belo poema, “Muerte de Soledad”.

Muerte de Soledad Barret”, Mário Benedetti:

Viviste aqui por meses o por años
trazaste aqui uma recta de melancolia
que atravesó las vidas y las calles
hace diez años tu adolescencia fue notícia
te tajearon los muslos porque no quisiste
gritar viva Hitler ni abajo fidel

era otros tempos y otros escuadrones
pero aquellos tatuajes llenaron de assombro
a certo uruguay que vivía em la luna

y claro entonces no podías saber
que de algún modo eras
la prehistoria de ibero

ahora acribillaron em recife
tus veintisiete años
de amor templado y pena clandestina

quizá nunca se sepa como ni por qué

los cables dicem que te resististe
y no habrá más remédio que creerlo
porque lo certo es que resistías
com sólo colocárteles enfrente
sólo mirarlos
sólo sonreir
sólo cantar cielitos cara el cielo

con tu imagen segura
con tu pinta muchacha
pudiste ser modelo
actriz
miss paraguay
carátula
almanaque
quién sabe cúantas cosas

pero el abuelo Rafael el viejo anarco
le tironeaba fuertemente la sangre
y vos sentías calada esos tirones

soledad no viviste em soledad
por eso tu vida no se borra
simplemente se colma de señales

soledad no moriste en soledad
por eso tu muerte no se llora
simplemente la izamos em el aire

desde ahora la nostalgia será
um viento fiel que hará flamear tu muerte
para que así aparezcan ejemplares y nítidas
las franjas de tu vida

ignoro si estarías
de minifalda o quizá de vaqueiros
cuanda la ráfaga de pernambuco
acabó com tus sueños completos

por lo menos no habrá sido fácil
cerrar tus grandes ojos claros
tus ojos donde la mejor violência
se permitia razonables tréguas
para volverse increíble bondade
y aunque por fin los hayan clausurado
es probable que aún sigas mirando
soledad compatriota de tres o cuatro pueblos
el limpio futuro por el que vivías
y por el que nunca te negaste a morrir

3 Comentários sobre ….Soledad….

  1. C Sidney 19 de outubro de 2011 - 14:39 #

    Desculpe ocupar o teu espaço para comentar. Assisti a entrevista do Anselmo, que nem cabo era. Não era e nem é nada ainda agora. Traidor, apenas traidor, da mais desqualificada qualidade.
    Em certa altura da entrevista perguntam-lhe sobre Soledad. Ele dá uma resposta desinteressante. Mas, mais do que palavras inúteis, é a expressão do seu rosto e do seu olhar que traem o homem. Reveja, se for possível. É impressionante como é ainda uma questão que ele não tem coragem de enfrentar. Um dos entrevistadores, percebe e pergunta a ele se Soledad é uma questão não resolvida. Ele admite, mas diz que colocou-a em lugar separado (compartimentado) da sua consciência e que a vida segue. Lembrei, nessa hora, de um antigo poema, que transcrevo, para quem não conhece:

    (poema segue em separado)

    Foge ainda o Anselmo e sempre fugirá, sem nunca se afastar dos olhos que o interrogam. Mas, não creio que ele saiu do sepulcro para contar a verdade, creio sim, que ele ainda é um traidor e foi trazido por alguém, como instrumento para novamente espalhar morte.
    Um abraço.

  2. C Sidney 19 de outubro de 2011 - 14:40 #

    "Caim, fugindo de Deus, carregando seus filhos,/
    lívido, desgrenhado, após mil empecilhos,/
    ceta noite alcançou a paragem estranha/
    de uma enorme planície, ao pé de uma montanha./
    A mulher fatigada e seus filhos exaujstos/
    pararam a sorver o ar em largos haustos./
    "É melhor que se durma aqui" – disse ele, então./

    E, apenas, não dormiu o assassino do irmão/
    que, sob o jugo atroz de temores cruciantes,/
    viu surgirem no céu dois olhos vigilantes,
    que o fitavam por entre a escuridão noturna./

    "É demasiado perto!" – Acordou, com soturna voz,/
    filhos e mulher, já mortos de cansaço,/
    e a fuga continuou, sinistro, pelo espaço,/
    – Trinta vêzes andou a vagar, noite e dia,/
    pálido, a estremecer quando um ruído ouvia,
    sem sono, senm descanso, emudecido e triste,
    até que viu, por fim, uma praia que existe/
    em longínquo país. "É seguro este abrigo./

    "Fiquemos" – disse – "Aqui não pode haver perigo,/
    pois os confins do mundo alcançamos agora!"/
    E, ofegante, parou. Porém, na mesma hora,/
    idêntica visão viu no céu desenhada…/
    Um tremor sacudiu-lhe a carne amaldiçoada!/
    "Escondam-me!" – gritou; e, ao formidável brado,/
    o bando circundou o avô alucinado./

    Esse disse a Jabel, cuja estirpe ainda agora/
    nómademente vai pelo deserto afora:
    "Estende deste lado o pano de uma tenda!"/
    E, enquanto procurava encontrar alguma fenda/
    na muralha de lona, a meiga Tsila, linda,/
    como a aurora, inqueriu-lhe:"Ó meu avô, ainda vês qualquer coisa agora?"./
    E apontando com a mão,/
    respondeu-lhe Caim: "Sim! Os olhos lá estão!"/

    Foi ai que Jubal, pai dos soldados, vendo/
    a angústia do infeliz, acalmou-o dizendo:/
    "É melhor se fazer uma muralha". E, assim,/
    um bronzeo muro ergueu-se em tôrno de Caim./
    "Inda os vejo! Inda os vejo!" – este, porém, lhe disse…/

    Depois falou Enoc: "E se alguém erigisse/
    um abrigo perfeito e dispusesse em volta/
    compacta multidão de torres como escolta?/
    Façamos uma forte e grande cidadela/
    e encerremos Caim conosco dentro dela!"/

    Então Tubalcaim, o ancestral dos ferreiros,/
    empregou nessa empresa os seus dias inteiros,/
    ao passo que os irmãos, pela planicie em frente,/
    vigiavam. E, ao encontrar alguém, bárbaramente/
    atacavam, com raiva os olhos lhe vazando;/
    levavam toda a noite o céu trevoso olhando,/
    e, assim que viam nele uma estrela brilhar,/
    lançavam-lhe uma seta, ansiosos de a cegar!/

    E a lona deu lugar a moles de granito/
    presas com nós de ferro. O recinto maldito/
    ficou sendo um primor de cidade infernal,/
    desenrolando a sombra, além, de um modo tal/
    que em derredor reinava uma noite infinita;/
    da rígida muralha a grossura inaudita/
    somente uma montanha a podia igualar;
    na porta alguém gravou: "Vedado a Deus entrar"./

    A torre mais central, a mais fortificada,/
    foi que elegeu Caim para sua morada./
    "Ó meu Pai!" – disse Tsila – "Agora, certamente,/
    te sentirás seguro!". E Caim, já descrente/
    e a tremer de pavor, respondeu: "Maldição!/
    Ainda me persegue a maldita visão!…/
    Só me resta tentar o negro insulamento/
    de um tétrico sepulcro! O meu padecimento/
    há de acabar então! Nessa nova morada/
    ninguém mais me verá e não verei mais nada!"/

    — E ei-lo, então, cerrado em um fosso, por fim.
    … Mas os olhos lá estão, a interrogar Caim!…"

    ("A CONSCIÊNCIA" – de Vitor Hugo – tradução ee Mário Faccini – no "O livro de ouro da poesia universal" – volume II – Biblioteca divulgação Cultural).

  3. Marcelo Semer 24 de outubro de 2011 - 22:30 #

    Muito oportuno, Sidney. O episódio todo é de revolver estômagos mesmo.