anistia sob governo militar não pode apagar crimes contra a humanidade
O Supremo Tribunal Federal está sendo provocado a rever seu julgamento sobre a Lei da Anistia.
Por requerimento da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), inicia-se nessa semana a apreciação dos embargos da decisão de 2010, que afastou por 7 votos a 2 a possibilidade de julgar os crimes cometidos pelos agentes da ditadura.
Duas questões devem ser colocadas à mesa para os ministros, que não foram abordadas no julgamento anterior.
A primeira é a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que impõe o julgamento dos atos dos agentes públicos, ao considerar inválidas, à luz das Convenções Internacionais, todas as leis de autoanistia que pretenderam evitar apuração de crimes contra a humanidade.
A segunda, o movimento do Ministério Público Federal para o julgamento dos crimes que, diante do caráter de permanência, não sofreriam efeitos da Lei da Anistia ou da prescrição. Seriam assim os casos de sequestro ainda não solucionados.
A interpretação de que crimes de sequestro escapam à Lei da Anistia está longe de ser apenas uma doidivana aventura dos procuradores da República. Baseia-se em processos do próprio Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a validade da tese nos casos de extradição.
Em outros países, como o Chile e a Argentina, a mesma intepretação foi aceita e fundamentou processos contra dezenas de agentes do Estado.
A decisão da Corte Interamericana até agora foi desprezada pelo STF, que não se preocupou em fazer o controle de convencionalidade, ou seja, avaliar a compatibilidade da Lei da Anistia com as Convenções Internacionais que o país subscreveu.
Toda a estrutura do direito internacional reconhece, desde os estatutos do Tribunal de Nuremberg, a categoria de crime contra a humanidade a atos como assassínio e desaparecimento forçado da população civil, praticado por autoridades estatais. É pelo caráter de tutela da humanidade que não subsistiriam as leis nacionais de anistia.
Os argumentos do STF se centraram em três pontos: a anistia foi um acordo bilateral; foi o preço pago pelo retorno à democracia; a Constituição de 1988 a reconheceu.
É preciso lembrar que a Lei da Anistia foi aprovada em 1979, sob governo militar, e tendo o Congresso Nacional parte de seus membros nomeados pelo Executivo.
As eleições para governadores só aconteceriam três anos depois e para presidente esperaríamos mais uma década. Ainda havia censura a jornais e televisões, que em 1984não puderam sequer transmitir a derrota da emenda das Diretas-Já.
É difícil caracterizar este como um acordo democrático.
Se os militares praticaram um Golpe em 1964, que legitimidade teriam para impor uma anistia de seus atos como condição para o retorno da democracia? Em qualquer outra circunstância, essa prática seria simplesmente considerada como chantagem.
A anistia à repressão que partiu do próprio poder se equipararia a um acordo do carcereiro com o preso: eu te solto e você não me processa pelas torturas que te infligi. Mas que condições teria o preso para dizer não naquele momento?
Talvez em 1988 ainda não estivéssemos em condições políticas de reconhecer tais circunstâncias. Felizmente, a tutela militar não mais perdura entre nós.
Muitos que se insurgiram contra a ditadura vieram a ser processados criminalmente. Foram presos, aposentados ou banidos – além das punições informais que suportaram nas torturas, nos estupros, nos desaparecimentos forçados e nos assassinatos.
Mas os agentes que praticaram tais barbaridades, em nome de uma abjeta política de governo, se esconderam sob os arquivos cerrados e os silêncios impostos.
Que democracia pode conviver com esse esqueleto no armário?
A maioria dos países da América Latina, que sofreram com ditaduras na mesma época, já iniciou o acerto de contas com seu passado. O Brasil é o único que tem sido totalmente refratário aos julgamentos.
Há quem atribua isso a um extemporâneo temor reverencial aos militares, cujas vozes até hoje recebem desproporcional repercussão na grande mídia.
Antony Pereira, diretor do Instituto Brasil no King’s College em Londres, formula outra hipótese.
A jurisdicionalização da repressão no país estaria inibindo o Judiciário de apreciar atos da ditadura que direta ou indiretamente o julgariam.
“Os tribunais militares, mas também o STF, em que poderia haver apelação, foram responsáveis pelo processo de grande número de prisioneiros políticos – e por sentenciá-los, muitas vezes, com base em evidências extraídas sob tortura”, escreveu em artigo no jornal Estado de S. Paulo, sábado (17).
Recentemente, o plenário do STF mudou a decisão que acabara de proferir, ao se dar conta que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei provocaria a anulação de outras quatrocentas.
Muitos criticaram a mudança tão abrupta.
Mas o mais grave para um juiz não é alterar sua posição se novas razões se apresentam. É se manter prisioneiro de seus próprios erros.
Excelente análise dos motivos pelos quais existem ainda fortes forças que impendem o Judiciário brasileiro de enfrentar o tema, principalmente o Supremo Tribunal Federal. Aceitar enfrentar o tema, é reconhecer erros gritantes que o próprio Judiciário brasileiro convalidou. Kássio Costa
Agradeço a cada minuto da minha vida pelos militares terem derrubado João Goulart e combatido os terroristas de esquerda. Fidel quando desceu Sierra Maestra para derrubar Fulgêncio Batista jurou que ia instalar uma democracia, o que veio foi uma ditadura por outra mais horrenda. Gabeira mesmo admitiu que os terroristas de esquerda. Lembrando que terrorismo é imprescritível na constituição.
Como os grupos esquerdopatas aqui não lutavam por uma democracia, mas por uma ditadura, não podem ser considerados insurgentes, mas terroristas que não contaram com apoio da população.
O Livro do Elio Gaspari a Ditadura Envergonhada conta que os militares só deram um contra golpe, antecedendo a esquerda que ao PCB. havia grupos armados de esquerda aqui no Brasil pré-31 de março de 1964 como a Liga camponesa de Francisco Julião, longe de ter intenções pacificas e democráticas.
Que balelas, esse 'artista prudente' nos apresenta! Deram o golpe porque já planejavam dá-lo desde a morte de Getúlio, graças às pressões que eles criaram. Não queriam que JK assumisse, apesar de eleito. Não duvido que tenham de fato forçado Jânio Quadros a renunciar: ele era louco, mas nem tanto. Tentaram impedir que João Goulart assumisse o poder. Precisa explicar mais, precisa desenhar? O mesmo se deu em todo o continente, demonstrando que eram ações articuladas e planejadas de fora. A elite brasileira e os militares aderiram, fizeram o papel de carrasco, executor da ordem. Quanto à questão da anistia, bravo! Brilhante análise, acordo não, foi chantagem: – Se não aceitarem, continuam presos e não devolveremos o poder aos civis. Era disso que se tratava. O Estado não foi anistiado e nem o regime, nossos ministros têm que levar isso em conta. O Estado tem uma obrigação indeclinável com relação à segurança de seus cidadãos – no caso dos que foram torturados e até mortos e desaparecidos, essa responsabilidade foi negligenciada. Não há anistia possível, nesse caso. Talvez não consigam o direito de regresso contra os executores/repressores, mas o Estado, repito, não foi e não pode ser anistiado.