….Thomas Mann: uma crua e impactante descrição do ódio racial….

 
 

Era de um fanatismo soberbo e essa atitude negativa
construía todo o seu orgulho e conteúdo de sua vida



 

O post de hoje é escrito por Thomas Mann e extraído de seu
clássico Montanha Mágica.

Um belíssimo romance de formação, situado em um sanatório
para tuberculosos na Suiça, às vésperas da Primeira Guerra Mundial e recheado
de densos e preciosos debates filosóficos.

Mann é saudado ainda pelo senso agudo de percepção da
realidade e um tom profético do horror que se avizinhava na Alemanha já em 1924,
quando escreveu o romance.

O que segue é uma descrição crua e ao mesmo tempo impactante
do funcionamento do ódio racial –como o antissemitismo é combustível a uma vida
que só se preenche na tutela e repressão ao outro.

O resultado disso é amplamente conhecido.

 
“Um
homem entrou na comunidade do Berghof, um trintão, antigo comerciante, febril
desde muito tempo e que passava os anos indo de sanatório em sanatório. Era
inimigo dos judeus, anti-semita por princípio e por esporte; era-o com um
fanatismo soberbo, e essa atitude negativa construía todo o seu orgulho e
conteúdo de sua vida. Tinha sido comerciante; já não o era nada no mundo a não
ser inimigo dos judeus.

Estava
gravemente enfermo; sofria de penosos ataques de tosse; às vezes dava a
impressão de espirrar pelos pulmões, um só espirro agudo, breve, sinistro. Mas
não era judeu, e precisamente isso é que nele havia de positivo. Chamava-se
Wiedemann, tinha um nome cristão e não um nome impuro. Era assinante de uma
revista intitulada A Tocha Ariana…

(…)

Wiedemann
tinha um característico olhar rápido e insidioso. Literalmente, era como se andasse
com uma borla suspensa diante do nariz, em que cravasse os olhos com malícia,
sem nada enxergar atrás dela. A ideia fixa, absurda, que o acossava,
convertera-se numa desconfiança pruriente, numa constante mania de perseguição,
que o impelia a catar qualquer impureza oculta ou disfarçada que porventura
existisse a seu redor, e a expo-la ao desprezo público. Fosse onde fosse,
remoqueava, suspeitava, destratava.

Em
suma, o que lhe absorvia os dias era a tarefa de levar ao pelourinho todas as
criaturas vivas que não tivessem aquela qualidade única que ele possuía”.

 
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