Uma nova presidência e duas velhas mídias
Em três fotos, um pequeno relato de coisas interessantes da breve e gélida visita a Montevidéu, que fiz neste começo de inverno.
A foto que segue é da Presidência da República.
Parece um prédio comercial, de escritórios. Um prédio de banco ou quando muito de uma grande empresa.
Mas é a Torre Executiva, onde funciona a Presidência da República do Uruguai – o presidente, José Mujica, despacha no 11º andar (como se sabe, ele mora em uma chácara nas cercanias da Capital).
A Presidência do Uruguai já esteve no Palacio Estevez e no Palacio de la Libertad.
Agora está nesta torre, no centro de Montevidéu –Plaza Independencia.
O edifício foi construído originalmente para ser sede de um tribunal. Mas Tabaré Vasquez, presidente anterior, afetou o edifício ao Poder Executivo.
O prédio não aceita visitas além de seu hall com algumas esculturas.
Mas é sempre bom saber que o mandatário de uma República não se encontra escondido em um Palácio, como a grande maioria dos presidentes, em um atavismo quase imperial -e sim em um edifício, situado numa calçada por onde passam milhares de pessoas diariamente.
Pelo sim, pelo não, aumentam consideravelmente as chances de que o presidente ouça a voz rouca das ruas.
Se há algo de novo em uma Presidência da República, na grande imprensa uruguaia parece que não.
A matéria abaixo do Cronicas chama atenção pelo alarmismo.
No olho, o jornal reconhece: o dinamismo econômico, a criação de empregos e o aumento dos salários. Apesar de tudo isso, que não parece ser pouca coisa para épocas de crise mundial, o destaque da reportagem é, surpresa, para o “medo” da inflação.
O discurso do “medo” é tradicional numa imprensa cada vez mais sensacionalista e estimula a reprodução do conservadorismo.
Medo da violência, medo do terrorismo, medo das catástrofes, medo da inflação.
Parece ser importante manter as pessoas continuamente sob “medo”, principalmente para que não percebam, ou não sintam, quando as coisas andam no sentido certo –mas não na direção pretendida por quem tem medo de mudanças.
Alguma semelhança com o discurso dos jornalistas econômicos daqui?
E por falar em velhas mídias, a foto abaixo, que fecha o post, é simplesmente extraordinária.
É a foto de uma foto e foi tirada dentro do Museu do Futebol, no Estado Centenário.
É preciso lembrar que na primeira metade do século 20, o país do futebol era o Uruguai.
Campeão Olímpico de 1924 e 1928, sede e primeiro campeão mundial de futebol em 1930 –e de quebra, campeão de novo em 1950, no Brasil.
A foto registra a Plaza Independencia (onde fica o monumento do libertador Artigas, e atualmente o prédio da presidência da República que mencionei acima). Uma multidão acompanhava de pé a final do futebol nos Jogos Olímpicos de 1928, em Amsterdam, Uruguai x Argentina.
E como eles acompanhavam?
Ouvindo, em alto falantes, a narração dos telegramas informando o andamento do jogo.
A mídia era distante, muito distante –mas as pessoas fizeram o que era necessário para se informar, tendo a sorte de vivenciar juntas as boas notícias.
Há 27 anos atrás, presenciei aqui mesmo em São Paulo, um momento similar, embora sem o mesmo sucesso.
Já existiam telefones, rádios, televisão e a transmissão via satélite.
Mas o regime militar no Brasil interditou quase tudo isso para impedir que assistíssemos ao vivo a votação da Emenda das Diretas-Já no dia 25 de abril de 1984.
Ainda assim, milhares de pessoas se reuniram na praça da Sé para acompanhar a votação.
Havia um enorme outdoor como placar com o nome de todos os deputados. A cada voto recebido em Brasília, transmitido pelo telefone do plenário da Câmara, alguém afixava a plaqueta de Sim ou Não ao lado do nome do parlamentar.
Foi assim que vivenciamos a derrocada das diretas, depois de uma enorme campanha cidadã.
Houve uma frustração gigante.
Mas um aprendizado –quando quer, o povo faz a mídia.
Uma boa lição para os tempos de redes sociais, que estão assistindo a volta das marchas-cidadãs pelo país.
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