….XI de Agosto e Cracolândia….

Estudantes e professores de direito repudiam “dor e sofrimento”

A pedido, publico abaixo nota pública divulgada pelo Centro Acadêmico XI de Agosto (dos estudantes da Faculdade de Direito-USP), subscrita também por entidades e professores de Direito, a respeito dos episódios que envolvem a ação policial na Cracolândia em São Paulo.

Para a entidade, o plano é errado tanto na concepção, quanto na execução: “A simples e violenta retirada dos usuários de crack do espaço público não resolve o problema de uma população já desamparada, que não tem outro lugar aonde ir e que sofrerá forte repressão policial para somente então, e em visão equivocada, perambular em busca de uma ajuda incerta”, diz a nota.

NOTA DE REPÚDIO À POLÍTICA DE “DOR E SOFRIMENTO” NA CRACOLÂNDIA

O Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade representativa dos estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), vem a público manifestar repúdio ao Plano de Ação Integrada Centro Legal, iniciado em 03 de janeiro de 2012 na Cracolândia, região central de São Paulo.

O plano é errado tanto na sua concepção, quanto no modo como é executado. Esse projeto envolve a ação da Polícia Militar na região, buscando inibir o tráfico de drogas e dispersar os seus usuários, que também seriam impedidos de se fixar em outros locais. A denominada “política de dor e sofrimento” visa provocar abstinência nos usuários de crack, a partir da qual, em visão equivocada, eles buscariam tratamento junto ao Poder Público.

Deve-se atentar, primeiramente, à fragilidade desse plano, pois parte do pressuposto que o sentimento de fissura do usuário em abstinência ocasionará seu interesse em buscar tratamento, ignorando os demais efeitos, como outros problemas de saúde ou reações violentas à abstinência. Ainda que essa política agressiva e desumana em andamento efetivamente gerasse busca por tratamento, a cidade de São Paulo não teria condições para atender os usuários, pois carece de estrutura adequada para tanto. E pouco se faz a esse respeito.

Diversos agentes do Poder Público também têm reiterado que a migração dos usuários a outras regiões será combatida, concluindo-se, então, que a operação será estendida para outros pontos da cidade. Transparece, dessa forma, a adoção de uma estratégia que somente expulsa os usuários de um lugar a outro, continuamente, em detrimento da oferta de alternativas reais de reabilitação que respeitassem verdadeiramente a dignidade dessas pessoas e visassem, de fato, recuperar sua saúde.

A execução do plano é reflexo dos problemas em sua concepção. As autoridades afirmam que o crack é uma questão de saúde pública. A prática, entretanto, prova o contrário. A ação policial ostensiva, planejada e detalhada, reprime o usuário e contrasta com a nebulosidade do plano de ação referente à recuperação da saúde dessas pessoas. O alvo da polícia, que seria o tráfico, acaba sendo o usuário. A eficácia no combate ao tráfico é mínima e o desrespeito aos usuários, enquanto seres humanos, enorme.

O Plano de Ação Integrada Centro Legal limita-se, portanto, à ação policial direcionada aos usuários e tem ensejado constantes violações aos seus direitos. É inadmissível, em um Estado Democrático de Direito, que agentes do Poder Público cometam repetida e sistematicamente atos de agressão física e moral contra os cidadãos, em claro abuso de autoridade e desrespeito aos direitos humanos. O combate ao tráfico de drogas não pode servir de pretexto para ignorar a necessidade de implementação de políticas públicas de saúde e assistência social para uma população marginalizada e doente.

A simples e violenta retirada dos usuários de crack do espaço público não resolve o problema de uma população já desamparada, que não tem outro lugar aonde ir e que sofrerá forte repressão policial para somente então, e em visão equivocada, perambular em busca de uma ajuda incerta.

Sendo assim, as entidades e pessoas abaixo assinadas declaram que:
Não admitem que os usuários de crack, parcela vulnerável e marginalizada da nossa sociedade, tenham como tratamento estatal a ação policial repressiva no lugar da implementação de políticas de saúde pública e de assistência social;

Não admitem que essa população seja expulsa dos espaços públicos que ocupa, sendo forçada a uma migração permanente, em que não há real perspectiva de melhora de vida;

Não admitem que uma operação estatal seja realizada em desrespeito aos direitos humanos, e que agentes estatais cometam sistematicamente atos de agressão física, moral e patrimonial contra a população, de modo indevido e impunemente.

Centro Acadêmico XI de Agosto – Faculdade de Direito da USP
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Centro Franciscano – SEFRAS
Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama – Faculdade de Direito da USP
Instituto Luiz Gama
Instituto Polis
Instituto Práxis de Direitos Humanos
Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC
Núcleo de Antropologia Urbana da USP
Pastoral Carcerária
SAJU – Faculdade de Direito da USP
UNEafro-Brasil
Alamiro Velludo Salvador Netto – Professor Doutor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP
Alvino Augusto de Sá – Professor Doutor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e criminologia da Faculdade de Direito da USP
Alysson Leandro Barbate Mascaro – Professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP
Amando Boito Jr. – Professor da Unicamp
Antônio Carlos Amador Pereira – Psicólogo e Professor da PUC-SP
Antônio Magalhães Gomes Filho – Professor Titular de Processo Penal e Diretor da Faculdade de Direito da USP
Caio Navarro de Toledo – Professor do IFCH da Unicamp
Celso Fernandes Campilongo – Professor Titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP
Eros Roberto Grau – Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
Dimitri Dimoulis – Professor de Direito Constitucional da Direito GV
Geraldo José de Paiva – Professor Titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP
Gilberto Bercovici – Professor Titular do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da USP
Jorge Luiz Souto Maior – Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP
José Antonio Pasta Junior – Professor Livre-Docente da Faculdade de Letras da FFLCH USP
José Guilherme Cantor Magnani – Professor Livre-docente do Departamento de Antropologia da FFLCH-USP
José Tadeu de Chiara – Professor do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e tributário da Faculdade de Direito da USP
Lídia de Reis Almeida Prado – Professora Doutora do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP
Marcio Naves – Professor de Sociologia do IFCH – Unicamp
Marcio Suzuki – Professor da Faculdade de Filosofia da FFLCH USP
Marcus Orione – Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP
Mario Gomes Schapiro – Professor da Direito GV
Mariângela Gama de Magalhães Gomes- Professora Doutora do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP
Miguel Reale Júnior – Professor Titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP e ex-Ministro da Justiça
Nádia Farage – Diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
Otávio Pinto e Silva – Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP
Paulo Eduardo Alves da Silva – Professor do Departamento de Direito Privado e Processo Civil da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP
Ricardo Antunes – Professor de Sociologia do IFCH – Unicamp
Samuel Rodrigues Barbosa – Professor Doutor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP
Sérgio Salomão Shecaira – Professor Titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP“

5 Comentários sobre ….XI de Agosto e Cracolândia….

  1. rogerbatista 10 de janeiro de 2012 - 02:47 #

    @iamROGERBATISTA: Advogado. Assino também o repúdio, em nome da dignidade do ser humano! Aquilo que plantares colherás em breve! Duvidas tu ?!

  2. Regiane Caner 10 de janeiro de 2012 - 17:53 #

    Quando a bestialidade emerge, fica difícil encontrar palavras para descrever qualquer pensamento.
    Tenho um caso na família e posso dizer que com ou sem efeito da droga eles são violentos. Não é bomba ou a demolição dos prédios habitado por eles que vai mudar o estado mental de cada um. Tratamento adequado, sim! Agora, se vai resolver ou não…só o corpo deles é quem vai responder…
    Varrer o problema pra debaixo do tapete é que não dá.

  3. Anônimo 10 de janeiro de 2012 - 19:06 #

    Sugiro pensarmos no entendimento da questão como INTERSETORIAL.
    Sou terapeuta ocupacional e trabalho em um CAPS AD em São Paulo. A saúde tem seus alcances e limites assim como a seguranca e a assistência social. Os outros setores devem se responsabilizar! O sujeito que se trata mas nao tem família,escolaridade, renda ou moradia ( a maioria dos nossos atendidos) dificilmente consegue manter um ritmo de higiene, dignidade e "inclusão".
    Excelente manifesto! Assino também!

    Aline Godoy

  4. Mate-me, por favor !!!! 10 de janeiro de 2012 - 20:44 #

    Esse manifesto me dá esperança.

    Fábio Cunha

  5. Anônimo 11 de janeiro de 2012 - 11:39 #

    Ao Senhor Juiz Marcelo Semer , recomendo que more na região da cracolândia por uns tempos para poder avaliar melhor a situação que por lá ocorre , na verdade os moradores da região , que na maioria são trabalhadores honestos não podem sequer andar na rua pois são atacados pelos seres estranhos que por lá andam livremente usando drogas em plena luz do dia , sem serem perturbados , pois são patrimônio pessoal do Sr Prefeito . Como morador da região repudio toda e qualquer ação de punho humanitária , como por exemplo alimentar os drogados , como forma de "ajuda" pois só se deve ajudar a quem pede , e os que por lá estão não desejam outra vida à não ser aquela que vivem .
    O autoritarismo é bem vindo sim , quem não deve não teme . O cidadão de bem apenas deseja a libertação .
    Uma pena que não tenha havido uma intervenção Federal ( foi por pouco )para que todos no país e no mundo viessem a conhecer só mais uma realidade deste país .
    Eduardo ( morador do centro à 8 anos )