Penalista narra história do direito penal e exorta luta
pelos limites do poder punitivo
pelos limites do poder punitivo
O poder punitivo verticaliza a sociedade, preparando-a
para colonizações e apartheids.
para colonizações e apartheids.
O papel do juiz é a contenção deste poder, pois a
história ensina que na ausência de limites, acontecem as maiores barbáries e os
grandes massacres.
história ensina que na ausência de limites, acontecem as maiores barbáries e os
grandes massacres.
Uma criminologia cautelar deve ser contraponto ao anseio neopunitivista que se expande em alta
velocidade e com apoio da mídia.
velocidade e com apoio da mídia.
“La cuestión criminal” é um extraordinário vôo de Eugenio
Raul Zaffaroni sobre a evolução, as dimensões e as perspectivas do direito
penal, desde sua pré-história romana até o incerto e temerário futuro.
Raul Zaffaroni sobre a evolução, as dimensões e as perspectivas do direito
penal, desde sua pré-história romana até o incerto e temerário futuro.
Escrito em uma linguagem simples e acessível, mas nem por
isso menos profundo, o livro nasceu de uma série de artigos para o Diário argentino
Página 12, com base em seu “La palabra de los muertos”.
isso menos profundo, o livro nasceu de uma série de artigos para o Diário argentino
Página 12, com base em seu “La palabra de los muertos”.
Sua proposta é criar o ambiente para uma criminologia cautelar
-sinônimo de prudência, não de antecipação- exortando os operadores do direito a
uma conduta atenta e militante, para estabelecer freios ao poder punitivo, no momento
em que ele mais tende a crescer como reflexo da luta do estado gendarme contra o legado do bem-estar.
-sinônimo de prudência, não de antecipação- exortando os operadores do direito a
uma conduta atenta e militante, para estabelecer freios ao poder punitivo, no momento
em que ele mais tende a crescer como reflexo da luta do estado gendarme contra o legado do bem-estar.
Há vários méritos nesse esforço de Zaffaroni.
O primeiro deles é descrever uma história crítica do
direito penal, começando por desmentir o mito de que ele existe porque sempre
existiu –naturalidade que já se atribuiu antes à escravidão, monarquia e
tortura.
direito penal, começando por desmentir o mito de que ele existe porque sempre
existiu –naturalidade que já se atribuiu antes à escravidão, monarquia e
tortura.
Um direito de coerção (que nos remete ao poder de polícia
administrativo) e um direito de reparação (antepassado do direito civil) sempre
existiram nas sociedades, por menos complexas que fossem. Mas o poder punitivo
nasce quando quem está no poder se substitui à vítima e confisca um conflito que
não vai resolver, nem permitir que outras formas terapêuticas, conciliatórias
ou reparadoras o façam.
administrativo) e um direito de reparação (antepassado do direito civil) sempre
existiram nas sociedades, por menos complexas que fossem. Mas o poder punitivo
nasce quando quem está no poder se substitui à vítima e confisca um conflito que
não vai resolver, nem permitir que outras formas terapêuticas, conciliatórias
ou reparadoras o façam.
O segundo grande mérito das lições está na compreensão do
poder punitivo a partir do que é externo ao direito penal. Tratando-se de um
fato político, não se encontrará justificativa dentro do sistema. Hora de os penalistas
deixarem de discutir funções da pena, porque não a encontrarão, e pensar na sua
contenção.
poder punitivo a partir do que é externo ao direito penal. Tratando-se de um
fato político, não se encontrará justificativa dentro do sistema. Hora de os penalistas
deixarem de discutir funções da pena, porque não a encontrarão, e pensar na sua
contenção.
No apanhado histórico, Zaffaroni demonstra como o Malleus
Maleficarum, Manual de Martírio às Bruxas, escrito em 1484 e fundado na doutrina
da demonologia, continua atual e íntegro na sua estrutura básica, prova de que a
Idade Média ainda não terminou…
Maleficarum, Manual de Martírio às Bruxas, escrito em 1484 e fundado na doutrina
da demonologia, continua atual e íntegro na sua estrutura básica, prova de que a
Idade Média ainda não terminou…
O arcabouço desse manual de martírio pode ser, sem
demasiado esforço, reconhecido em tantos discursos de legitimação da expansão
do poder punitivo: o crime que provoca a emergência é o mais grave de todos e
só pode ser combatido efetivamente com uma guerra; sua frequência é alarmante;
toda autoridade que diga o contrário deve ser neutralizada; o delírio punitivo
encobre os delitos praticados para reprimi-lo etc.
demasiado esforço, reconhecido em tantos discursos de legitimação da expansão
do poder punitivo: o crime que provoca a emergência é o mais grave de todos e
só pode ser combatido efetivamente com uma guerra; sua frequência é alarmante;
toda autoridade que diga o contrário deve ser neutralizada; o delírio punitivo
encobre os delitos praticados para reprimi-lo etc.
A ineficiência, todavia, é uma marca indelével nesse
processo, porque o poder punitivo jamais conseguiu afastar os perigos que o
justificassem –seja porque não existiam, não eram perigosos, ou apenas porque
pereceram por conta própria.
processo, porque o poder punitivo jamais conseguiu afastar os perigos que o
justificassem –seja porque não existiam, não eram perigosos, ou apenas porque
pereceram por conta própria.
O livro narra como a insurgência do discurso médico
perverteu ainda mais a criminologia, escancarando a porta ao racismo, representando
as noites ainda mais sombrias da história penal, como o positivismo
criminológico, que desemboca no horror do Holocausto.
perverteu ainda mais a criminologia, escancarando a porta ao racismo, representando
as noites ainda mais sombrias da história penal, como o positivismo
criminológico, que desemboca no horror do Holocausto.
Chama a atenção, todavia, a observação que a primeira lei
sobre esterilização forçada foi aprovada em 1907, no Estado de Indiana (e logo copiada
por outros estados norte-americanos) -também por lá a proibição do casamento inter-racial,
ambas normas declaradas válidas pela Suprema Corte, assentada na então pacífica
jurisprudência de então de iguais, porém separadas,
base da segregação, que vigorou até os anos 50.
sobre esterilização forçada foi aprovada em 1907, no Estado de Indiana (e logo copiada
por outros estados norte-americanos) -também por lá a proibição do casamento inter-racial,
ambas normas declaradas válidas pela Suprema Corte, assentada na então pacífica
jurisprudência de então de iguais, porém separadas,
base da segregação, que vigorou até os anos 50.
O terceiro ponto de destaque da obra é a sua contemporaneidade
propositiva.
propositiva.
O estudo mais detido da criminologia midiática, seu
ingresso no discurso jurídico e a transformação autoritária que empreende na
sociedade, adverte para a necessidade urgente de contrapontos: o jurista deve
sair da academia e falar a linguagem que lhe permita ser entendido.
ingresso no discurso jurídico e a transformação autoritária que empreende na
sociedade, adverte para a necessidade urgente de contrapontos: o jurista deve
sair da academia e falar a linguagem que lhe permita ser entendido.
Diante de uma revolução comunicacional, manter-se em
guetos acadêmicos significa abrir mão da luta no momento mais crítico da encruzilhada civilizatória.
guetos acadêmicos significa abrir mão da luta no momento mais crítico da encruzilhada civilizatória.
Na comunicação, aliás, tão importante é o discurso feito,
quando o silêncio cúmplice –não por outro motivo, das estatísticas de
homicídios, jamais fazem parte as vítimas dos massacres, praticados com a ação efetiva
ou a omissão irresponsável dos governos, que só no século XX, teriam feito nada
menos do quem cem milhões de mortos fora das guerras.
quando o silêncio cúmplice –não por outro motivo, das estatísticas de
homicídios, jamais fazem parte as vítimas dos massacres, praticados com a ação efetiva
ou a omissão irresponsável dos governos, que só no século XX, teriam feito nada
menos do quem cem milhões de mortos fora das guerras.
É a palavra dos mortos, segundo Zaffaroni, que deve guiar
os operadores do direito penal: como perceber os sinais autoritários na
sociedade e impor limites ao Estado e ao risco da autonomia de suas agências
executivas, para evitar que os massacres se reproduzam diante de nossos narizes.
os operadores do direito penal: como perceber os sinais autoritários na
sociedade e impor limites ao Estado e ao risco da autonomia de suas agências
executivas, para evitar que os massacres se reproduzam diante de nossos narizes.
Entre os famosos silêncios cúmplices, o autor cita os
jornais franceses que ignoraram o extermínio dos armênios, porque seus
diretores tinham estreitas relações comerciais com empresas otomanas e o fato
de que o noticiário sobre criminalidade é costumeiramente pequeno nas
ditaduras, criando uma falsa noção de que o autoritarismo resolve sem percalços
a questão da segurança.
jornais franceses que ignoraram o extermínio dos armênios, porque seus
diretores tinham estreitas relações comerciais com empresas otomanas e o fato
de que o noticiário sobre criminalidade é costumeiramente pequeno nas
ditaduras, criando uma falsa noção de que o autoritarismo resolve sem percalços
a questão da segurança.
Sem uma preocupação dogmática, Zaffaroni pontua em breves
conexões, as principais ideias que formaram e principalmente questionaram o
direito penal e a criminologia. Do darwinismo
social de Herbert Spencer ao abolicionismo que se imbrica com as lutas
antimanicomiais; das abordagens psicológicas, que explicam a tradução da
angústia coletiva em medo, à criminalização racial e social descortinada por
Wacquant.
conexões, as principais ideias que formaram e principalmente questionaram o
direito penal e a criminologia. Do darwinismo
social de Herbert Spencer ao abolicionismo que se imbrica com as lutas
antimanicomiais; das abordagens psicológicas, que explicam a tradução da
angústia coletiva em medo, à criminalização racial e social descortinada por
Wacquant.
E um alerta atual que não deve ser ignorado por certas
autoridades:
autoridades:
“O maior risco política em nossa região é que
os próprios políticos comprometidos com a restauração dos demolidos estados de
bem-estar, fazendo concessões, acabem por serrar o galho em que estão sentados,
pois a criminologia midiática é parte da tarefa de neutralização de qualquer
tentativa de incorporação de novos estratos sociais”.
os próprios políticos comprometidos com a restauração dos demolidos estados de
bem-estar, fazendo concessões, acabem por serrar o galho em que estão sentados,
pois a criminologia midiática é parte da tarefa de neutralização de qualquer
tentativa de incorporação de novos estratos sociais”.
Não se espere do apanhado a organização de um tratado,
nem a exaustiva indicação de notas de referência. É um livro para ser lido, não
consultado. Não serve como um compêndio, mas se presta a muitas provocações. O
leitor não sai dele inerte ou indiferente.
nem a exaustiva indicação de notas de referência. É um livro para ser lido, não
consultado. Não serve como um compêndio, mas se presta a muitas provocações. O
leitor não sai dele inerte ou indiferente.
O ponto negativo, por ora, é que a obra, que ganha em uma
leitura agradável com inúmeras charges do artista plástico Rep, ainda não está
traduzida e nem editada no Brasil (A Palavra dos Mortos, sim, pela Ed. Saraiva). Por seu fôlego, contundência, graça e oportunidade,
espera-se que isso não demore demais.
leitura agradável com inúmeras charges do artista plástico Rep, ainda não está
traduzida e nem editada no Brasil (A Palavra dos Mortos, sim, pela Ed. Saraiva). Por seu fôlego, contundência, graça e oportunidade,
espera-se que isso não demore demais.
A ideia de discutir o direito e as políticas envolvidas
em sua formação, numa linguagem que seja acessível ao leigo, sem ser ofensiva
ao técnico, e possibilite sua disseminação a quem deve compreender o poder, sem
pagar tributo ao juridiquês, tem sido, aliás, a grande aposta deste Blog Sem Juízo.
em sua formação, numa linguagem que seja acessível ao leigo, sem ser ofensiva
ao técnico, e possibilite sua disseminação a quem deve compreender o poder, sem
pagar tributo ao juridiquês, tem sido, aliás, a grande aposta deste Blog Sem Juízo.
Está aí o link com uma postagem que traz em sequência 25 fascículos dos suplementos de "A Questão Criminal" no formato .pdf, podendo ser aberto e copiado para o computador utilizando a ferramenta 'salvar como'.
Gosto e sempre leio o blog Sem Juízo, recomendo sempre a amigos!
Forte Abraço!
…esqueci o link, vai aí:
http://asambleadescargas.blogspot.com.br/2012/04/la-cuestion-criminal-eugenio-raul.html