….a barbárie nunca é legal, mesmo quando está na lei….

A condenação à morte da iraniana Sakineh Ashtianni pela acusação de adultério viola regras mínimas de direitos humanos. Nazismo e apartheid também foram leis em seus países e nem por isso deixaram de ser condenados pelo direito internacional.

Premido pelas reações da opinião pública e pela corrente mundial que tenta salvar a iraniana Sakineh Ashtianni da execução, Lula enviou ao governo do Irã uma oferta de asilo, como alternativa para a morte pelo apedrejamento a que esta mulher de 43 anos está condenada, por uma suposta prática de “relações ilícitas” com dois homens.

Antes disso, o presidente Lula havia se recusado a intervir, sob a alegação de que a confluência de pedidos como esses, contrários à lei do país, resultariam numa “avacalhação”.

A condenação à morte por uma acusação de adultério é uma violência a direitos fundamentais, onde quer que seja proferida.

O apedrejamento simplesmente uma barbárie.

Considerar que ele ainda possa ser mais cruel quando a vítima é uma mulher, enterrada até o pescoço para que não possa se defender instintivamente das pedras, é repulsivo.

Que a sociedade teocrática do Irã ainda admita a confusão de direito e moral, estado e religião, é algo que se pode criticar doutrinaria ou politicamente.

Mas que despreze a vida humana de forma tão violenta por uma acusação deste gênero, é absolutamente inadmissível.

Sob a atual compreensão do direito internacional dos direitos humanos, nenhuma barbárie é legal. Nem mesmo se estiver na lei.

Repudiar o nazismo, que era lei na Alemanha, não teria representado uma avacalhação do direito, mas a sua própria afirmação.

Juízes que aplicaram os princípios mais bárbaros do racismo institucionalizado alegaram como defesa apenas o estrito cumprimento da lei, e nem por isso foram desculpados.

O apartheid também foi norma vigente na África do Sul por décadas, afirmando o injustificável.

Sua condenação internacional foi decisiva para a queda do regime racista.

Tradição do país, costume local, regra religiosa, multiculturalismo.

Nada pode servir de desculpa para violações tão intensas de direitos fundamentais.

Há certos valores intrínsecos à humanidade com os quais não se pode tergiversar.

Nenhuma soberania é tão absoluta a ponto de consagrar a negação do homem como seu fundamento. A lei não é uma engrenagem que funcione para qualquer fim. Nenhuma lei que atinja o direito do homem de existir pode ser justificável.

Admitir o contrário é solidificar o caminho para novos Holocaustos.

Mas, seguramente, este não poderá ser um elemento para Lula convencer seu parceiro iraniano, a quem chama de amigo carinhoso.

Ahmadinejad entoa a negação ao Holocausto, que representou nada menos do que seis milhões de mortos em campos de extermínio e câmaras de gás, como seu cartão de visita.

E a despeito da importância dos símbolos e das palavras nas relações internacionais, Lula trata a questão como apenas uma esquisitice de seu amigo mais incômodo.

Não deveria.

Negar o Holocausto é tão nocivo quanto reverenciá-lo.

A par de duvidosos interesses geopolíticos ou supostos proveitos econômicos, uma condenação veemente aos delírios de Ahmadinejad não faria nada mal a nosso presidente.

Afinal, há momentos em que, como ele mesmo diria, avacalhar não é apenas possível, como absolutamente necessário.

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