….política, preconceito e religião vitaminam intolerância….

Homofobia, xenofobia, “orgulho branco” e os perigos da discriminação que nos rondam

Não se pode dizer, ainda, que as agressões da Paulista que vitimaram gays, tiveram motivação homofóbica. Infelizmente não seria nenhuma novidade.

Faz tempo temos convivido com extremismos discriminatórios, que vez por outra transbordam para o noticiário policial. Nordestinos, mendigos, índios e homossexuais estão entre as vítimas preferenciais de operações de limpeza étnica ou expressões de pura arrogância.

A forte oposição à criminalização da homofobia, como se viu nas páginas do site da Universidade Mackenzie, neste delicado momento, em nada contribui para evitar que a agressividade se espalhe entre os jovens.

Mas mesmo entre aqueles que não agridem, é de se notar que a intolerância e a discriminação têm alcançado índices alarmantes. Que o digam as violentas manifestações no twitter, culpando nordestinos pelo resultado da eleição.

Por pouco, a coisa não piora.

Recentemente soubemos que no começo de agosto grupos neonazistas preparavam manifestação em homenagem a Rudolf Hess, condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade, dos quais, aliás, morreu dizendo jamais se arrepender.

Denúncia de anarquistas ao Ministério Público paulista desarticulou a passeata que até então vinha sendo preparada em grupos de discussão na Internet, defensores do “orgulho branco”.

Os neonazistas chamam Hess de “mensageiro da paz”, mas as mensagens que eles mesmos produziam, entre louvações a Hitler e ao poder branco, estavam repletas de afirmações discriminatórias a “anarcos, judeus, pretos e comunistas”.

As comunidades afirmam: “somos brancos nacionalistas; há milhares de organizações promovendo os interesses, valores e heranças dos não-brancos. Nós promovemos os nossos”.

Lembrar o nazismo parece um absurdo de alucinados saudosistas da barbárie.

Mas o tom do recente manifesto “São Paulo para os Paulistas” não destoa muito destas palavras de reverência ao “orgulho branco”.

Trocados migrantes por judeus e paulistas por arianos, a idéia de “defender o que é verdadeiramente nosso”, tipicamente paulista, sem mistura, não está longe daquela que alavancou o nazismo, tenham eles consciência ou não disso.

O documento que circulou pela web se afirmou anti-racista e contra o preconceito. Mas está fincado, basicamente, na idéia de “soberania do paulista em sua terra”.

Os migrantes, sobretudo nordestinos, são acusados de promover bagunças, invasões de propriedade e ocupar empregos dos paulistas, com a mesma contundência que se vê nos grupos xenófobos europeus em relação a árabes e africanos.

“A grande maioria dos crimes, violências e fraudes, está relacionada a migrantes”, sustenta o abaixo-assinado, sendo estes, ainda, os que “mais se apoderam dos serviços públicos”.

A campanha, para além de glorificar o “orgulho paulista”, propõe absurdas limitações no uso de serviços estatais e acesso a cargos públicos, a serem restritos aos da terra. A migração deveria ser revertida, apregoam, lembrando que “os migrantes possuem altíssima taxa de natalidade e ocupam espaços que pertencem ao povo paulista”; ademais, “promovem arruaças em transportes públicos, saciam a fome e impõem seus costumes aos bandeirantes”.

A xenofobia não é nada nova, mas foi recentemente vitaminada por uma campanha eleitoral repleta de desinformação e despolitização.

Durante a eleição presidencial, muitos foram os analistas que atribuíam uma possível vitória de Dilma a seu desempenho no Nordeste. Ouvimos ad nauseam tais comentários, insinuando um país eleitoralmente dividido, além do preconceito enrustido sob a crítica da eleição ganha por intermédio de favores aos mais pobres.

Os números foram severos com esses argumentos, pois Dilma venceu expressivamente no Sudeste e teria sido eleita mesmo sem os votos do Norte e Nordeste. Mas a impressão de um país rachado entre cultos e incultos, Sul e Norte, já havia conquistado muitos corações e mentes na elite paulista.

Afinal, como dizia Sartre, o inferno são os outros. São eles que responsabilizamos por nossos fracassos, porque é custoso demais atribuir os erros a nós mesmos.

A tática do vale-tudo e a adesão desesperada à estratégia típica dos ultraconservadores norte-americanos, de trazer a religião para os palanques, ou levar a política para os cultos, estimulou ainda uma nova rodada de preconceitos.

Não bastasse a questão do aborto ter sido tratada como ponto central da disputa, religiosos exigiam dos candidatos rejeição ao casamento gay e a não-criminalização da homofobia, instrumentos que apenas aprofundam a discriminação pela orientação sexual.

Os níveis diferenciados de crescimento das regiões mais pobres, a ascensão social provocada pelos mecanismos de transferência de renda, a ampliação da classe média e a redução da sensação de exclusividade são, paradoxalmente, condimentos para a evolução da intolerância.

Tradicionalmente os momentos de mobilidade social são tão sensíveis quanto aqueles de depressão.

Que saibamos evitar no crescimento a intolerância de que sempre soubemos desviar nos momentos de crise.

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4 Comentários sobre ….política, preconceito e religião vitaminam intolerância….

  1. Anônimo 17 de novembro de 2010 - 11:43 #

    Parabéns pelo artigo, Sr. Semer.
    Sou policial federal e reputo incrivelmente vazios e aculturados a discriminação e intolerância noticiados recentemente em São Paulo, e logo no Brasil, um caldeirão de raças e de problemas sociais, sendo que os pretensos "brancos extremistas" (???) paulistas ou outros de qualquer parte do país são completamente tolos, uma vez que os próprios seriam eventualmente discriminados na Europa e EUA… Seria trágico, se não fosse cômico….
    Jakson

  2. Anônimo 18 de novembro de 2010 - 11:47 #

    Olá Maurício!
    Em que mundo estamos vivendo? Onde está o amor e a compaixão a estes irmãos nordestinos que apenas tentam fugir da seca e da fome, buscandi uma oportunidade de viver com mais dignidade? Quem declarou que existe no Brasil um palmo de terra sequer para essa ou aquela raça, esse ou aquele povo? Fico enojada com tamanha ignorância e imbecilidade daqueles que se julgam melhores que todos, por causa de sua raça, cor ou posição social!
    O que a gente pode fazer? Me dá uma orientação; sei que você é uma pessoa iluminada, precisamos começar o movimento… ou ele já existe? Preciso muito fazer algo para não me sentir tão à mercê dos acontecimentos.
    Um grande abraço cheio de indignação e esperança …
    Tahiana.

  3. Anônimo 18 de novembro de 2010 - 14:05 #

    Caro Marcelo,

    Quero parabenizá-lo pelo brilhante artigo escrito para o Terra Magazine. Acho que a ótica oferecida em seu texto mostra que a intolerância, seja ela qual for, não deve ser alimentada de maneira tão irresponsável, como aliás vem acontecendo. Sou paulista, filho de nordestino, e acredito que aqueles que estão ocupando posições profissionais ou sociais privilegiadas, o estão fazendo por sua capacidade e competência. E os intolerantes que apregoam o racismo e semitismo, sob o pretesto de estarem sendo prejudicados, não estão capacitados por simplesmente se preocuparem em buscar culpados por sua própria incapacidade.

    Clodoaldo Bragato

  4. Renato Cortez 18 de novembro de 2010 - 14:29 #

    O pior de tudo é que seu texto é fiel a realidade do nosso país passadas as eleições.

    Acredito que todos sabiam que essa campanha eleitoral seria suja, em face dos interesses e sobrevivências políticas em jogo. Mas foi um choque o baixíssimo nível perpetrado especialmente pelo PSDB na campanha.

    O que me traz mais angústia é saber que os (ir)responsáveis por essa baixaria realmente acreditam nessas mongolices propagadas ao longo da campanha.

    A verdade é que se pode perder uma eleição de duas formas: eleitoralmente e politicamente. A elite direitista e conservadora do Brasil perdeu nos dois quesitos. Pior para nós, o povo. O país perdeu demais ao trazer para o cenário político discussões que jamais deveriam fazer parte do processo eleitoral. Mas fazer o que, né? No vale tudo para assegurar os benefícios de poucos, jogam-se vários na vala.