….um olhar feminista sobre a situação das mulheres no país….

Em que pé estão as lutas das mulheres no Brasil

O artigo que segue é de Ana Liési Thurler, Filósofa e socióloga, integrante do Fórum das Mulheres do DF e foi publicado no site da Universidade Livre Feminista

Oito de Março: as lutas continuam

Em torno do Dia Internacional da Mulher ocorrem, por toda parte e em todo mês de março, iniciativas do movimento feminista e de setores governamentais. A agenda é intensa neste ano. Pela primeira vez em nossa história, nós, brasileiras, comemoramos o Oito de março com uma mulher nos representando na Presidência da República. Conquistamos o direito ao voto em 1932, após lutas das sufragistas desde o século XIX. Só agora, entretanto — quase 80 anos depois —, conquistamos o direito a sermos votadas para governar o país.

O Oito de Março no mês inteiro

Em Brasília, as celebrações do Oito de março começaram no 1º dia do mês, com sessão conjunta – Câmara e Senado Federal – no Congresso Nacional. Foram homenageadas as cinco vencedoras do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, concedido anualmente a personalidades femininas com destaque na defesa dos direitos das mulheres. O nome da premiação homenageia Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976): feminista, sufragista e ex-deputada.

No Distrito Federal e nos estados, durante este mês, as feministas fazem manifestações e denúncias; pedem audiências a autoridades locais e entregam documentos com suas demandas para diversas áreas tais como saúde, direitos reprodutivos, combate à violência, educação, creches.

Entre 30 de março e 2 de abril ocorrerá em Brasília o Encontro Nacional da Articulação de Mulheres Brasileiras (ENAMB), com a chamada Transformando o Mundo pelo Feminismo.

Desde o início do ano, nos estados e no Distrito Federal, as mulheres preparam sua participação. Promovem atividades para viabilizar economicamente a participação de seus estados e debates preparatórios em torno dos “Eixos Mobilizadores” propostos:

Eixo 1 – O jeito que o mundo está e o que queremos transformar

Eixo 2 – Olhares feministas sobre a situação das mulheres

Eixo 3 – Juntando gente para mudar o mundo

Eixo 4 – Nossas lutas feministas.

Esse Encontro Nacional é promoção de feministas na sociedade civil. Estima-se a participação de mil mulheres de todos os estados do país e todas representadas: mulheres negras, indígenas, lésbicas, no movimento sindical, jovens feministas e feministas históricas, agricultoras, da floresta, da cidade

Qual a situação da mulher na sociedade brasileira? Compartilho alguns breves registros sobre a participação das brasileiras no poder; a luta contra as violências sexistas; os direitos reprodutivos e o aborto; as mulheres e o mundo do trabalho; o direito à creche.

Distribuição do poder, participação das mulheres

A Presidenta Dilma — com uma historia pessoal de luta contra o autoritarismo e a ditadura, em favor de uma democratização profunda do país, sensibilidade para questões como justiça e igualdade — anuncia, como prioridade máxima de seu governo, as mulheres. Ao organizar sua equipe, tentou chegar a 30% de participação feminina à frente dos Ministérios. Conseguiu nomear 9 Ministras (somente 24%) para dirigir os 37 Ministérios. De qualquer modo, trata-se de um compartilhamento inédito do poder.

As desigualdades entre mulheres e homens produzidas pela ordem sócio-sexual — neoliberal, capitalista, patriarcal — se manifestam na desigual distribuição de representação e de poder. Apesar do avanço com a cota de 30% para candidaturas, no Congresso Nacional as mulheres somos menos de 10% entre os parlamentares. O Brasil está na 111ª posição mundial quanto à participação de mulheres no Parlamento. (Na América Latina, a Argentina está em 11º lugar). Na Câmara, esse índice é em torno de 8%, e no Senado Federal, em torno de 15%. A nova legislatura iniciou este ano, com renovações, mas sem ampliação relativamente à legislatura anterior: são 43 deputadas e 12 senadoras. Nas Assembléias Legislativas estaduais o fenômeno se reproduziu: também não houve ampliação da participação das mulheres.

O movimento feminista investe em um diálogo com essa Bancada Feminina — incluindo as 55 parlamentares, suprapartidariamente. A luta é, inclusive, para não ocorrerem retrocessos na legislação e nas políticas públicas em relação a direitos conquistados, mas sempre sob riscos, diante de um Parlamento que se mantém conservador, com bancadas religiosas — até mesmo, fundamentalistas —, empenhadas em bloquear avanços. Especialmente, em relação aos direitos reprodutivos e à Lei Maria da Penha, uma conquista histórica das mulheres para o combate e a eliminação das violências sexistas.

As lutas contra as violências sexistas

As violências contra as mulheres, compreendidas como manifestações da ordem patriarcal, mobilizaram as mulheres e também suscitaram resistências dos homens. Nos anos setenta do século passado. as mulheres organizaram grupos de apoio e de reflexão sobre a violência e reivindicaram políticas públicas para combater e banir a violência. Nos anos oitenta, conseguiram a criação das primeiras Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM).

Em 2006, a Lei Maria da Penha foi aprovada e sancionada pelo Presidente da República, mas logo teve sua constitucionalidade questionada ante a mais alta Corte de Justiça do país (STF, Supremo Tribunal Federal, com 11 Ministros, somente 2 mulheres), que até hoje mantém silêncio, quanto à confirmação de sua constitucionalidade, o que contribuiria para reduzir os feminicídios que, mesmo no século XXI, não decrescem no Brasil. Essa lei vem sofrendo, também no Legislativo e no Judiciário, frequentes e sérias ameaças de retrocessos descaracterizando-a. São as fortes resistências masculinistas, diante das possibilidades de provocar mudanças nas relações sociais de sexo.

Direitos reprodutivos são Direitos Humanos:

legalização e não somente descriminalização do aborto

Estimativas apontam que, no Brasil, ainda atualmente, em torno de um milhão de mulheres são empurradas, a cada ano, para abortos clandestinos, expondo a riscos graves, sua saúde e sua vida. O aborto ilegal e inseguro se constitui na quarta causa de morte materna e o mais perverso: em intersecção com classe e raça/etnia, atinge principalmente as mulheres mais pobres e as negras. Ainda assim, esse quadro não sensibiliza os poderes constituídos — na maioria, androcêntricos e conservadores — para que sejam promovidas políticas públicas pela vida das mulheres.

Descriminalizar o aborto, impediria mulheres que praticassem o aborto a serem presas, mas é insuficiente. É necessário inserir o aborto no contexto das questões de saúde e dos direitos reprodutivos, compreendidos como uma expressão dos direitos humanos. É necessário legalizar o aborto, considerando-o questão de saúde pública, garantindo atendimento na rede pública de saúde.

Pretendendo ouvir a população no país, a ONG Católicas pelo Direito a Decidir com o IBOPE, em pesquisa realizada em novembro de 2010, perguntou a 2002 pessoas em 140 municípios: “Quem deve decidir pela interrupção da gravidez?” As respostas foram assim distribuídas: 61%, a própria mulher; 6% : o marido/o parceiro; 5%, o Poder Judiciário; 3%, a Igreja; 2%, o Presidente da República; 1%, o Congresso Nacional.

Uma grande maioria, portanto, considerou que a decisão de levar adiante ou não uma gravidez não planejada deve ser tomada pela mulher. Entretanto, a mulher depende do Legislativo para que essa decisão seja possível fora da clandestinidade. Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, em agosto de 2010, ouvindo 3.546 eleitores, revela um círculo vicioso a ser rompido. No universo pesquisado, 57% dos eleitores responderam que nunca votariam em defensores da legalização do aborto. Um/a candidat@ que se declarasse expressamente favorável à legalização do aborto, nesse momento da sociedade brasileira, não venceria uma eleição.

Retomando a pesquisa CDD/IBOPE, constatamos que a população, aceita o aborto nas situações já previstas na legislação de 1940. À pergunta “Em que circunstâncias é aceitável que uma mulher faça aborto?” As respostas foram: 66%, quando corre risco de vida; 52%, quando a gravidez é resultado de estupro. E ainda 65%, aceitou quando o feto não apresenta possibilidade de sobreviver (caso da anencefalia), situação que se encontra ainda no STF, para apreciação, sendo Relator o Ministro Marco Aurélio Mello.

Em 2004, foi criada a coalizão feminista Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro trabalhando na defesa da legalização do aborto no país, na perspectiva do aborto como questão de saúde pública. Em 2008, a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos aprovou a legalização do aborto, em nome do respeito à autonomia das mulheres. Em 2009, o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos inclui a questão do aborto, “considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos”. A manutenção do aborto na ilegalidade, está ligada à limitada autonomia das mulheres brasileiras.

Neste Oito de Março, data instituída para marcar as lutas das mulheres no mundo por liberdade e autonomia, as brasileiras ainda se mobilizam, para se constituir como sujeitos políticos, afirmarem sua liberdade e decidirem sobre suas vidas, seus destinos, seus corpos.

As mulheres, o mundo do trabalho e o direito a creches

Há algo novo, no Brasil, acontecendo no mundo do trabalho: mulheres ingressam em áreas até há pouco exclusivamente masculinas, como a construção civil e a mineração. Ao sul do estado do Pará, nas minas em Serra Pelada e Carajás, elas são 20% d@s trabalhador@s. Das 641 pessoas contratadas desde 2007 pela mineradora canadense Colossus, 131 são mulheres (20%). A Cia Vale do Rio Doce emprega, em sua mina de minério de ferro, 7.776 pessoas, entre elas 996 mulheres (13%), das quais 23% estão em funções de nível superior (são engenheiras, analistas, geólogas) e 58% estão em cargos de nível médio.

Há também um crescimento importante da presença das mulheres no mercado de trabalho, tendo quase triplicado entre 1970 e 2007, passando de 18% para 53%. Isso significa o aumento de mais de 32 milhões de mulheres na força de trabalho. Entretanto, na classe trabalhadora, as mulheres representam o contingente pior remunerado e, no mercado de trabalho, os mais altos índices de informalidade estão entre as mulheres, como no caso das trabalhadoras domésticas.

O país tem em torno de 8 milhões de pessoas no trabalho doméstico remunerado. Em 2009, 72,8% estavam na informalidade: não tinham carteira de trabalho assinada. Quase a totalidade são mulheres — 94,7% — e somente 5,3%, homens. O governo Dilma anuncia ações interministeriais em prol de formalização do trabalho doméstico, fazendo valer a legislação trabalhista e defendendo no Parlamento ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários, com acesso à aposentadoria.

Dignidade, Respeito, Justiça

As mulheres lutaram durante décadas, mas sua demanda por creches ainda não foi atendida. O Brasil tem em torno de 10 milhões de crianças com até 3 anos de idade. São as mães que precisam solucionar — individual e privadamente — o problema da guarda dessas crianças. Entre as mais penalizadas estão as mulheres negras, responsáveis por 60% dos domicílios com renda até U$ 300 (um salário mínimo).

A presidenta Dilma tem confirmado a meta ambiciosa de construir seis mil creches até o fim de seu mandato.

Portanto, os desafios são grandes em nosso país, mas neste Oito de Março, reafirmamos que a luta continua.

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