….Defensoria Pública em Santa Catarina….

Defensoria é carreira essencial à Justiça; não pode ser apêndice da Ordem dos Advogados

A entrevista que segue foi concedida ao jornalista Felipe Silveira e foi publicada no Portal Joinville , tratando da pressão para implantação da Defensoria Pública em Santa Catarina, o único Estado do país que ainda não providenciou sua criação, conforme determina a Constituição Federal de 1988.

PJ – Qual é o papel da Defensoria Pública no sistema judiciário?

Marcelo Semer – A Defensoria Pública é a porta de acesso da população carente à justiça. Sua função é maior do que a simples assistência judiciária, abrangendo a assistência jurídica (em juízo e fora dele), a educação em direitos para a cidadania e, inclusive, a promoção de ações coletivas que integrem direitos à população mais carente. A Defensoria Pública foi criada pela Constituição de 1988 para que se estruturasse em uma carreira, como a Magistratura, o Ministério Público e as advocacias públicas. É uma obrigação constitucional, não apenas uma faculdade. O acesso à justiça é direito humano e não deve ser tratado de forma improvisada.

PJ – O que um estado como Santa Catarina perde por não ter uma Defensoria Pública?

Marcelo Semer – Santa Catarina é atualmente o único Estado que ainda não tomou providências para a criação da Defensoria Pública, mesmo passados mais de vinte anos da obrigação constitucional. O acesso à justiça continua desigual, os direitos não se mostram respeitados a contento e a falta de organização da Defensoria em uma estrutura própria condiciona a defesa dos carentes a interesses corporativos. Se os juízes não são dativos e os promotores tampouco, nem os procuradores do Estado, porque só os advogados dos pobres devem sê-lo? O interesse público no acesso à justiça deve se sobrepor a interesses corporativos: quem quiser trabalhar com a advocacia de carentes deve prestar concurso público. Por todo o país, os concursos para defensores têm níveis de dificuldade equiparados aos das demais carreiras, o que propicia a escolha de profissionais tão capacitados para julgar e acusar, como defender os interesses dos mais necessitados.

PJ – Recentemente, um deputado estadual declarou que vai votar contra a implantação da DF aqui e afirmou que a Defensoria Dativa da OAB cumpre o papel da DF. Isso é verdade? Qual seria a diferença entre as duas instituições?

Marcelo Semer – A Defensoria Pública é uma carreira criada pela Constituição Federal e não um apêndice da OAB. A defensoria dativa cobre a função de assistência judiciária, sem que seus membros estejam inseridos em uma carreira – não há teses institucionais, nem ausculta dos interesses dos mais pobres por meio de conferências com entidades da sociedade civil. Não se aperfeiçoa o serviço de educação para a cidadania, indispensável para o acesso à justiça (quem não conhece seus direitos, não tem como lutar por eles) e nem a dinâmica estruturada de ações civis públicas que insiram a população mais carente nas políticas públicas.

O trabalho da defensoria não pode ficar vinculado a questões corporativas e os pobres não podem ser usados para resolver problemas de mercado de trabalho para a advocacia. Quem pensa assim, quer se aproveitar do dinheiro público para resolver um problema privado.

Quanto ao gasto público, dificilmente subirá, em razão do que já é despendido com os advogados e com a OAB. A diferença é que passa a receber quem seja aprovado em concurso público – ou seja, melhora a qualidade da prestação de serviço por critérios de mérito, sem desrespeitar o princípio da igualdade.

Quanto a um deputado que vai lutar para que a Constituição Federal não seja cumprida, que se pode dizer? O mínimo é que viola seu próprio juramente ao assumir o cargo.

4 Comentários sobre ….Defensoria Pública em Santa Catarina….

  1. Anônimo 12 de julho de 2011 - 23:56 #

    Perfeito. Defensoria Pública não tem nada a ver com OAB. O Estado não pode "terceirizar" um direito constitucional, assim como não pode transferir para o particular a obrigação de acusar e julgar. (Sidney).

  2. Jaison Maurício Espíndola 13 de julho de 2011 - 01:55 #

    Concordo em gênero, número e grau com vossas sábias palavras! Parabéns por sua manifestação em defesa da Defensoria Pública, em defesa da própria Constituição e de nosso Regime Democrático de Direito!

  3. Marco Antônio Preis 13 de julho de 2011 - 14:00 #

    Sou catarinense, advogado e envergonhado com o fato de meu Estado estar descumprindo expressamente o mandamento constitucional há mais de vinte anos. Não é uma simples omissão. A postura da OAB/SC é inconcebível (e a OAB nacional não se manifesta). O modelo da Defensoria Dativa pode e deve continuar funcionando como suplementar.

  4. Anônimo 20 de julho de 2011 - 00:26 #

    Meu nome é Angélica, advogada e defensora dativa, concordo em partes com o colega, sou defensora dativa há 10 anos, e jamais tive meus problemas financeiros resolvidos pelo Estado de Santa Catarian, atuo por entender que preciso fazer a minha parte, se talmejasse qualquer sucesso financeiro não seria através da defensoria dativa que me rende no máximo R$ 3.000,00 ao ANO. Portanto este não é o discurso correto, é um discurso de quem não conhece a realidade do defensor dativo.
    No entanto, concordo quando o colega faz menção à necessidade da DEFENSORIA PUBLICA no Estado e do cumprimento da constituição, é um dever do Estado e não um opção, portanto ainda que atuante como defensora dativa entendo que a população de Santa Catarina mereça muito mais.