….Ocupando Wall Street….

Não devemos nos perguntar porque estão lá, mas porque demoraram tanto

No filme “Capitalismo: uma história de amor”, o cineasta Michael Moore chama a viatura de polícia para denunciar a apropriação de trilhões de dólares do governo pelo sistema financeiro. Sarcástico, envolve a agência de um banco com a faixa amarela de “cena do crime”.

“Trabalho Interno”, documentário vencedor do Oscar, mostra como gastavam suas fortunas os responsáveis pelas instituições que ao final provocaram o crash: mansões, piscinas, aviões e prostitutas.

Com a economia dos Estados Unidos em franco declínio desde então e com o seu declínio provocando há três anos crises ao redor do mundo, é o caso de concordar com a ativista canadense Naomi Klein em seu emocionado discurso no movimento Ocupe Wall Street: o mundo não devia se perguntar o que vocês fazem aqui, mas porque demoraram tanto?

Desde 17 de setembro, manifestantes ocupam o centro financeiro dos Estados Unidos com o mesmo composto de frustração, espontaneidade e engajamento nas redes sociais que geraram a primavera árabe e os acampados nas praças europeias.

Os indignados, enfim, chegaram ao coração do poder.

Em pouco mais de três semanas, o movimento cresceu e se espalhou a grandes e médias cidades norte-americanas, inclusive a capital.

Parte do expressivo silêncio da mídia nesse tempo pode se explicar pelo compromisso dos manifestantes com a não-violência.

Não houve vitrines quebradas, saques ou incêndios que pudessem provocar comoções em nome da lei e da ordem, que sempre atraem a grande imprensa.

O movimento não tem lastro em partidos, nem propostas formais a serem por eles encaminhadas. Não se dirige a questionar o governo -mas algo que no seu imaginário está muito acima dele, o poder de quem faz a economia.

Por este motivo, não cercam a Casa Branca ou o Congresso -mas Wall Street, onde reside o dinheiro e o 1% que o comanda.

“Nós somos os 99%”, dizem os manifestantes. E relatam pelas redes sociais o calvário que a depressão econômica e a falta de esperança têm provocado: perda de emprego, de cobertura de seguro de saúde, crédito educativo e as residências retomadas após a crise.

Em 2008, os financistas finalmente puderam mostrar ao mundo que não havia limites para o próprio enriquecimento sem causa.

No início do movimento, a polícia chegou a prender 700 manifestantes, mesmo sem atos de violência. A Fox News, porta-voz do reacionarismo ianque, equiparou os ocupantes de Wall Street a militantes nazistas. Mas os liames de solidariedade que permeiam a manifestação e seu caráter ao mesmo tempo crítico e apartidário, só fizeram aumentar, com o passar do tempo, as adesões e as simpatias.

Mais do que a crise gerada pela desregulamentação do sistema financeiro, por quem vendeu a ideia de que o mercado sem regras é o melhor controle, a forma de resolvê-la é que revolta o turbilhão de indignados mundo afora.

Quem criou a crise se arroga no direito de ditar suas soluções.

E as lições são simples: dinheiro público aos bancos privados, socializando os gigantescos prejuízos, e cortes de verbas que atingem em chofre a população menos protegida, em empregos, salários, aposentadorias, educação, saúde.

Não há botes para todos no Titanic da economia e os primeiros a se safar do naufrágio são justamente os que o provocaram. Por que, afinal, a injustiça em escala mundial haveria de ficar tanto tempo sem reação?

Ninguém sabe ao certo até onde o movimento pode chegar. Se vai se esgotar no simbolismo ou será o ponto de partida de uma nova governança.

Mas a desconfiança crescente na capacidade de governos e oposições de cuidarem da coisa pública, recolocando o Estado acima do interesse das grandes corporações, é um sinal que os homens do poder não deviam ignorar.

A democracia está se reinventando sem intermediários. Vai sofrer para achar o seu caminho. Mas sofrerão mais os que não perceberem que algo está em transformação.

3 Comentários sobre ….Ocupando Wall Street….

  1. Anônimo 12 de outubro de 2011 - 16:24 #

    Não acho que o problema em si resida no capitalismo, mas sim no que os governos mundo afora tem feito: pego o dinheiro dos seus contribuintes e dado para o governo.

    Nenhum teórico capitalista liberal dirá que isso está certo. Aliás, os grandes liberais de hoje são completamente contrários a ideia do "too big to fail".

    Acredito que falte clareza no que se deseja protestar contra.

  2. agoraquando 12 de outubro de 2011 - 22:57 #

    O problema em si reside, sim no capitalismo. Há uma tese marxista que diz ser impossível transferir continuamente a renda do trabalho para o capital. Pois bem, há dezenas de textos de economistas liberais de importância escrevendo na atual crise sob o título de "Marx tinha razão"

    Sob a ótica liberal o "too big to fail" não pode sequer ser aceito, pois cairíamos no que chamam de "moral hazzard", ou seja, no estímulo para que ninguém pague os seus débitos. Mas são sempre os mesmos que, com cinismo e hipocrisia, salvam os grandes. O Lehman Brothers foi uma exceção na crise de 2008, quando chegou a vez do grupo AIG, o "too big to fail" funcionou de forma precisa.

    Agora, a grécia é "too samll to save", mas a Itália é o "too big to fail", o que acontecer à Grécia pode atingir Portugal e Espanha, mas dificilmente acontecerá à Itália.

    Agora dizem que os que ocupam Wall Street não sabem contra o que protestam, que não são politizados. Ah, pelo contrário, eles sabem sim.

  3. Irineu Tolentino 13 de outubro de 2011 - 01:41 #

    Convenhamos, dizer que o capitalismo falhou é um exagero. Disseram isso no crash de 29 e pouco tempo depois estava tudo bem com empresários e consumidores idolatrando o capitalismo.
    Crise é como parto: a mãe, sofrendo de dor, diz que nunca mais terá filhos até esquecer a dor e engravidar novamente.
    Crises são naturais, já que há crises em todos os setores da vida (até na natureza). O que incomoda é a solução "humana" sempre encontrada depois de "muita reflexão": privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.