….consumidor, um ser desprezível….

Privatização tornou desabrigo dos consumidores mais agudo, porque empresas não montaram plataformas de atendimento compatíveis com volume dos clientes. Problemas pequenos superlotam justiça.

Sabe aquela história de o freguês tem sempre razão?

Acabou.

Agradecemos a sua preferência?

Não mais.

Criamos o Código de Defesa do Consumidor, os órgãos de proteção ao consumidor e os juizados especiais que, na prática, funcionam como uma justiça do consumidor.

Mas o consumidor, ele mesmo, continua sendo tratado como um ser desprezível.

Não há consumidor que não tenha histórias para contar de descaso, desrespeito e abusos que lhe foram impingidos.

Desde as intermináveis horas passadas na espera de um telefonema aos equívocos do atendimento; das cobranças de produtos que jamais pedimos aos reembolsos inacessíveis.

O leitor já deve ter tentado, em algum momento, cancelar um produto pelo telefone. É tarefa para super-herói.

A ligação é desligada na sua cara, o ramal está ocupado ou não funciona fora de tal horário, é preciso ter em sua mão informações específicas sem as quais o pedido não se confirma.

Mas em um processo de atávico sadomasoquismo, nós continuamos comprando. Reclamando e consumindo.

Depois de inventar o capitalismo sem concorrência, num agudo processo de concentração e cartelização, vamos convivemos muito bem com o capitalismo sem riscos. É o consumidor que suporta todos eles. Nós devemos fazer as provas de nossa identidade e idoneidade, pagar e, então, esperar pacientemente que eles cumpram a sua parte.

No processo de enxugamento do Estado, as agências que regulam os principais serviços se tornaram independentes. Independentes dos governos, mas não das empresas que devem fiscalizar, de onde não raro são recrutados seus principais executivos. Não estranha que o poder de polícia do Estado esteja cada vez menor.

O processo de privatização tornou o desabrigo dos consumidores ainda mais agudo, porque as empresas que herdaram os serviços públicos não montaram plataformas de atendimento compatíveis com o volume dos clientes.

O resultado dessa desproporção entre lucro e serviço foi o entulhar de ações na Justiça por questões menores, que jamais deveriam passar de uma mera reclamação.

Os juizados especiais criados para desafogar as pautas de audiência das varas cíveis estão muito mais repletos de trabalho que os locais tradicionais.

Toda a proteção resultou em nada, porque se a grande massa de consumidores for à Justiça reclamar pelos abusos nas contas, pelo dano moral das horas paradas sem atendimento ou pela negativa injustificada de serviços prometidos, não vai haver Judiciário que suporte as centenas de milhares de ações.

Estamos nos acostumando com coisas sem sentido.

Para comprar um ingresso de espetáculo pela Internet é preciso pagar uma incompreensível taxa de conveniência. Ainda que a venda fora do balcão seja conveniente, sobretudo, para a própria empresa, que reduz seus custos. O mais inacreditável é ter de pagar a taxa de conveniência para cada ingresso, quando a operação é única, numa matemática que faz o preço sempre se multiplicar.

É preciso mudar nossos hábitos submissos de consumo e fazer valer a máxima de que um cliente insatisfeito é um pesadelo para o empresário.

Mecanismos de respostas coletivas já estão a nosso alcance.

O Ministério Público e a Defensoria têm legitimidade para ações coletivas. As redes sociais estão aptas a disseminar reclamações de forma viral. O Estado precisa assumir uma posição menos passiva na regulação de serviços, pois os interesses dos seus cidadãos estão imprensados pelo abuso do lucro.

É certo que nenhum sofrimento de consumo se equipara à situação do miserável que ainda está muito distante de participar, mesmo como explorado, desse mal ajambrado capitalismo.

Mas só a intervenção do Estado é capaz de fazer chegar produtos a locais e clientes que o mercado ignora. Só a regulação é capaz de obrigar tarifas sociais e expansões geográficas de pouco interesse, das linhas de ônibus às redes de Internet.

É por isso que fragilizar o Estado é tão custoso.

A crise mundial já devia ter nos ensinado os abusos que a mão nada invisível do mercado pratica e os perigos da falta de regulação.

É aprender ou sofrer.

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