A recalcitrância em construir a verdade oficial só tem ampliado os conflitos
(Reconstrução de cela de presos políticos no Memorial da Resistência, onde funcionou o DOPS, em São Paulo)
O juiz Guilherme Madeira Dezem determinou, ontem, que o local da morte (a sede do DOI/CODI em São Paulo) e as circunstâncias em que ela se deu, ou seja, por tortura, passem a constar da certidão de óbito de uma vítima da ditadura.
Na sentença, o juiz afirma que as provas da tortura são inquestionáveis e que o reconhecimento na certidão integra o direito à memória e à verdade. Frisa, ainda, que a decisão decorre diretamente da condenação do país pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A sentença da OEA, é bom lembrar, impôs ao Estado brasileiro a obrigação de expor a verdade sobre os anos de chumbo, além de excluir explicitamente os obstáculos para o julgamento dos crimes contra a humanidade, praticados naquele período.
A decisão do juiz da vara de registros públicos de São Paulo é apenas um exemplo a indicar que o acórdão do STF que entendeu válida a Lei da Anistia para crimes cometidos pelos agentes do Estado está longe de ter pacificado a questão.
O Ministério Público Federal começou a ingressar com ações para apurar os crimes de sequestro, de natureza permanente, que não teriam sido atingidos seja pela prescrição, seja pela anistia.
A primeira denúncia foi rejeitada no Pará, mas o MPF se prepara para interpor outras ações pelo país, e sugere que a tese que formulou foi exposta, inicialmente, em acórdão do próprio STF, quando analisou a questão em processo de extradição. O mesmo argumento, aliás, já serviu para processar e julgar torturadores na Argentina e no Chile.
A iminente instalação da Comissão da Verdade provocou desproporcionais reações de militares reformados, que chegaram a criticar a presidenta Dilma e seus ministros em forte documento, além de comemorar ruidosamente o aniversário do golpe em 1964, aquele que mergulhou o país em mais de duas décadas de opressão, autoritarismo e censura.
Em contrapartida, militantes que postulam a punição dos crimes contra a humanidade, têm realizado seguidas manifestações para expor publicamente as pessoas que não se pôde julgar –muitos fatos graves são de conhecimento notório.
A recalcitrância em construir a verdade oficial e julgar os atos que, segundo a jurisprudência internacional dos direitos humanos, jamais poderiam ser objeto de anistias, estão transferindo a polêmica para outros campos. Amplificando os conflitos, ao invés de esvaziá-los. Além de postergar cada vez mais o final de nossa transição para a democracia.
Nas mãos do STF, no entanto, reside hoje uma possibilidade de reexaminar sua própria decisão quando julgar os embargos declaratórios suscitados pela OAB.
Ao fazê-lo, deverá enfrentar a tese apresentada pelos promotores federais e mesmo a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que até o momento ignorou.
É preciso compreender que a justiça depende tanto da paz, quanto a paz da justiça.
Leia a íntegra da sentença aqui
Sei não…A prosperar o raciocínio, daqui a pouco teremos em atestados de óbito, como causa mortis, "tijolada", politraumatismo em razão de atropelamento por um veículo Gol, ano 1997, cor branca…"
Óbvio que entendo a questão de fundo, mas será que ajuda em alguma coisa sobre a questão da descoberta da verdade do que ocorreu nos porões da ditadura e para punir os culpados? Ou é puro jogo para os holofotes?
Com todo o respeito à boa vontade do prolator, parece-me que apenas inaugura (mais) uma discussão estéril e que acaba por ser, paradoxalmente, diversionista, afastando-se do ponto central da questão: validade ou não da Lei da Anistia.
Além disto, parece-me quase "uma bravata", com atraso de mais de duas décadas. Corajosa e inédita fora a sentença que reconheceu a culpa estatal na morte do Herzog, na época da "dita cuja". "Nesta altura do campeonato" que "vantajão" o juiz mandar colocar como causa mortis na certidão de óbito "tortura", sendo que tal situação já fora reconhecida até mesmo pela Administração…
Jeca Tatu.