….projeto do CP cria mercado da pena….

Com esvaziamento do processo, perde-se um dos últimos bastiões do controle do poder punitivo

A calúnia do jornalista será punida com até seis
anos de prisão –muito mais, por exemplo, que manter alguém em cárcere privado
por duas semanas.

A caça profissional de animais silvestres será quase tão grave quanto o
homicídio –sendo que apenas perseguir o bicho já é suficiente para caracterizar
o crime.

Promover a briga de galo vai dar mais cadeia do que lesionar uma pessoa e
incapacitá-la para o trabalho.

Falar sobre o desequilíbrio das penas no projeto do Código Penal é quase como
chutar cachorro morto.

Basta ter paciência para ler -se o receptador, por exemplo, tiver essa
disposição, certamente vai admitir perante o juiz que praticou ele mesmo o
furto, para receber uma pena menor.

Mas o projeto está longe de se distinguir apenas por esses equívocos.

O texto apresentado no Senado está imbuído de um absoluto senso de
ubiquidade, levando o direito penal a tentar resolver quase todo o tipo de
conflito. Bem distante assim do ideal que os penalistas costumam chamar de
ultima ratio.

O projeto passa a punir criminalmente o cambismo, incorpora a antiga
contravenção de perturbação de sossego e estabelece até mesmo pena para o
fornecedor que der preferência a um cliente na frente de outro. Se der certo, as
filas dos restaurantes não serão as mesmas.

Mas acreditar na eficácia do direito penal para evitar a prática de crimes é
o triunfo da esperança sobre a experiência –prometer o que não vai ser entregue.
Como a proposta de tipificar o terrorismo praticado com “armas de destruição em
massa” durante grande evento esportivo, na expectativa de que por causa disso
nada atrapalhe o bom andamento da Copa de 2014.

A ânsia de levar o direito penal à eficácia total fez o projeto contemplar
inclusive a barganha, que promete transformar em um ‘mercado’ a aplicação das
penas de prisão.

Importado de um direito com que o nosso não guarda nenhuma semelhança, a
barganha se funda na ideia de um acordo de vontades que torna o processo
praticamente desnecessário.

O réu confessa antes de serem ouvidas testemunhas e o promotor lhe oferece
uma pena mínima.

O mercado da pena é marcadamente utilitarista e fragiliza a ideia de processo
como garantia.

Torna o que sempre foi irrenunciável como disponível. E celebra a confissão
como prova cabal, o que a doutrina custou anos de refinamento para combater.

Concede, ainda, um poder excessivo ao Ministério Público como senhor da pena,
pois sua atuação normalmente vinculada passa a ser um ato de vontade. Além de
confiar em demasia na capacidade de discernimento de réus em precária situação.
Esquece, sobretudo, dos riscos do comodismo, que podem prejudicar até os
objetivos da própria repressão.

Com o esvaziamento do processo, vai-se perdendo um dos últimos bastiões do
controle do poder punitivo.

Os autores do projeto podem até ficar satisfeitos porque a “opinião pública”
é em regra adepta de punições, encara o processo como impunidade e costuma
entender que direitos humanos são inaplicáveis a quem comete crimes.

Mas como ensina Eugênio Raul Zaffaroni, um poder punitivo sem controle é o
primeiro passo para o autoritarismo. E daí para a barbárie.

Um comentário sobre ….projeto do CP cria mercado da pena….

  1. Carlo Giovanni Lapolli 12 de setembro de 2012 - 14:05 #

    A opinião pública é a maior pressão para sair esse código esdrúxulo. É a velha balela do "País da Impunidade". País este, que por coincidência tem a 4a. maior população carcerária do mundo. A justiça é uma serpente que só pica os pés descalços. E pelo jeito quer continuar assim. Só acredito em reforma penal que garanta estabelecimentos dignos e que foquem na efetiva ressocialização. O resto é bobagem…