….projeto do CP e o jogo dos 7 erros…. (5)

 
 

(5) Os pecados da redação

 

No direito penal, linguagem
não é apenas instrumento –é também garantia.

A redação do tipo concentra
a limitação do poder de punir. O princípio da legalidade é também esvaziado
quando a linguagem é vaga ou demasiadamente ampla que deixa de cumprir a função
de controle. Neste sentido, o projeto amplia a tendência da segunda metade do
século XX na expansão verbal dos tipos, retratando a ânsia de cercar todos os
comportamentos possivelmente nocivos, rumo ao direito penal máximo (em que
todas as condutas possam ser confortavelmente acolhidas).

Mas os pecados de redação,
no caso do projeto, vão além das digressões ideológicas. Circunstâncias legais
que invadem competências judiciais, causas de aumento que desrespeitam a lógica
do tipo, equiparações dissonantes. De tudo um pouco, se encontra nas redações
que não apenas evitaram corrigir erros de legisladores antigos, se solidarizam
praticando outros.

Eles até podiam se escusar
na pressa, mas tendo sido esta deliberada, feita inimiga não só da perfeição,
como do debate, aos autores não lhe será permitida arguir a própria torpeza
como atenuante.

Alguns exemplos que uma
observação rápida nos permite identificar.

O art. 71, § único,
determina que as causas de aumento ou de
diminuição terão os limites cominados em lei, não podendo ser inferiores a um
sexto, salvo disposição expressa em contrário
. Mas se elas terão os limites
cominados em lei, a quem é o comando de que não poderão ser inferiores a um
sexto? Nem ao próprio legislador que excetua as disposições expressas em
contrário (uma delas, aliás, é a causa de diminuição genérica, com a mínima
redução de 1/12, a que já fizemos referência).

A multa não depende mais da
previsão expressa (decisão no mínimo imprudente) e passa a ser aplicada em todos os crimes que tenham produzido ou possam produzir
prejuízo materiais à vítima
.

A função da cominação das
penas é do legislador, no caso, indevidamente transferida ao juiz (e, portanto,
também à instrução do processo) pela cláusula do prejuízo. Mais, a regra do
prejuízo potencial é mais ainda indeterminada.

E, por fim, uma questão em
aberto: porque condicionar a previsão de multa ao prejuízo da vítima, se a multa será paga ao Estado (Fundo
Penitenciário)? Fosse optar pela indeterminação da cominação, seria melhor que
estabelecesse multa nos casos de obtenção de vantagem patrimonial pelo agente
–respeitando a lógica da cominação anterior.

O projeto cria a distinção,
em vários dispositivos, de crime que
afete a vida
. Supõe-se que quer tratar de crimes com resultado morte
(incluindo-se os que não são contra a
vida
). Teria sido mais razoável que eliminasse uma desnecessária causa de
divergências.

A inclusão da violência
doméstica como circunstância qualificadora do homicídio é, no mínimo,
temerária, pois pode contemplar situações das mais divergentes. Não se trata de
forma de execução ou motivação, mas apenas um contexto.

A chance de propagar
injustiças (tratamento isonômico de situações díspares) é gigantesca. Tanto que
os próprios autores temperaram a redação com o acréscimo da locução em situação de especial reprovabilidade ou
perversidade do agente
.

A especial reprovabilidade, que é também vaga, se refere mais à
aplicação da pena do que propriamente à figura típica, aumentando a
indeterminação que esvazia a proteção do princípio da legalidade. Se a conduta
é mais ou menos reprovável é questão
do campo da censura, ou seja, da fixação da pena pelo juiz, não do
estabelecimento da distinção entre a figura simples e a qualificada (com todas
as consequências que um enquadramento errôneo produz). E a perversidade já
estaria contemplada na qualificadora do meio
cruel
.

Parece que o legislador
compreendeu que a violência doméstica cria situações distintas que não se pode
equiparar. Devia ter evitado fazê-lo para os efeitos de criar mais uma dúvida.

A criação da culpa
gravíssima (art. 121, §5º) tem um destino específico: evitar a propagação da
punição dos crimes de trânsito por dolo eventual. Nesse sentido é justa. Mas é
desnecessária a explicitação de exemplos no tipo penal, técnica de redação das
mais discutíveis. É certo que as leis devem ser redigidas em linguagem
compreensível, mas transformar o tipo penal em explicação para o leigo não é a melhor forma de preservar a
formalização do controle e o sentido da tipicidade.

O perdão judicial poderia
ser estendido a outras hipóteses ou mesmo servir de cláusula genérica para que
o juiz, dosando as consequências que o fato já provocou na vida do agente,
pudesse considerar a punição desnecessária. Não foi. O máximo que o projeto
chegou foi inserir um causa de diminuição, quando a exposição pelo crime
debilitou a privacidade do agente.

A simples alteração de
redação dos casos de perdão nos crimes contra a vida só veio a trazer maior
indeterminação. Não parece razoável que o parentesco possa servir de causa
suficiente para a isenção da pena como indica o ou que a redação do parágrafo 8º faz presumir. É preciso, de
toda a forma, um vínculo subjetivo de afeição ou sofrimento.

O projeto faz bem em
distinguir atos de violação de outros atos libidinosos; mas o novo molestamento
sexual não é de fácil compreensão, especialmente em sua modalidade
privilegiada. O tipo básico criminaliza quem, mediante violência ou grave
ameaça ou se aproveitando de situação que dificulte a defesa da vítima,
constrange outrem à prática de ato libidinoso.

Uma vez que aquele que se
aproveita da situação de vulnerabilidade (o bolinar no ônibus lotado, exemplo midiático
da exposição de motivos) também está contido no caput, qual seria exatamente o molestamento sem violência ou grave ameaça da figura privilegiada?

O equívoco da redação do
assédio sexual não se deve aos autores do projeto. Mas é certo que não a
corrigiram. Constranger para o direito penal tem o sentido de forçar (a fazer o
que não se quer, no constrangimento ilegal; à prática de ato sexual, no estupro; a fazer ou tolerar que se
faça, na extorsão etc). Falta um verbo a que seja a vítima constrangida enfim
–até porque constranger ao ato sexual seria estupro.

E o erro da lei de
entorpecentes também se mantém íntegro, fixando entre os critérios de aplicação
da pena a natureza do entorpecente.

Se o tipo penal só se aplica
a substâncias entorpecentes, porque distingui-las por sua natureza?

Isso abre caminho para
decisões que apenam de forma mais gravosa o tráfico de cocaína sobre o de
maconha e o de crack sobre o de
cocaína em pó, por exemplo, como se a fazer, por via jurisdicional, e sem
qualquer amparo científico, um ranking de
entorpecentes, impreciso e inseguro, aberto, inclusive, a discriminações
sociais.

O crime de denunciação falsa
é paradigmático. A conduta proibida é dar causa à instauração de investigação
ou procedimento contra quem sabe inocente; a causa de aumento amplia a punição se o agente se serve de anonimato. A
questão aqui é o absurdo de dar causa à instauração de inquérito policial ou
outra investigação por meio de denúncia
anônima
–o Estado pune o agente por sua própria leviandade.

Mas a redação mais grotesca
é a da exclusão do crime de emissão ou distribuição de título ou valor
mobiliário irregular (art. 352,  §2º),
que fala por si só: não incorre no crime
descrito neste artigo o autor que não dispunha de meios razoavelmente
disponíveis para ter conhecimento da imprecisão ou falsidade

 

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